The queens story
O povo da nossa terra sempre conta da assombração de ser desafiado pelas coisas do coração, inda mais se, em lugar estranho, ou de puro supetão essas coisas, todas juntas, vêm na forma de um dragão.
Fábio Moon e Gabriel Bá
Quatro de novembro de 1888, domingo, (Londres) Inglaterra.
A velha mastiga algo e depois ri batendo em um joelho, isso já está me dando nos nervos, tamborilo os dedos e escuto o barulho das garras batendo contra o chão, encaro o garoto pelo canto do olho, eu não me lembro muito bem do Ás de Espadas, só lembro-me de estar morto, e que sua fraqueza eram os olhos, crispo os lábios.
- Há muito tempo os reflexos foram proibidos de andar na Terra, graças ao que vocês chamam de Deus, menino, eram terríveis aquelas criaturinhas. – Ela ri de novo. – Assim que chegaram do outro lado o nomearam como o conheciam: "O Outro Lado", e descobriram que era um baita pedaço de Terra.
A velha cospe em uma jarra ao pé da cadeira, olho com nojo para aquilo, Lilith ri, encaro-a e ela abaixa o olhar, menina idiota.
- Depois de andar pelo terreno resolveram dividi-lo, mas surgiu uma dúvida, quem reinaria sobre eles? – A velha se recosta na cadeira. – A doida que dizia ser o reflexo da rainha queria que todo aquele mundão fosse dela, e bateu seu pé dizendo que era a rainha de tudo, e os tolos acreditaram nela, menos outras duas. Essas duas sabiam que ela não era reflexo de rainha alguma e bateram o pé querendo um pedaço de terra também, aí o povo se dividiu entre as três, alguns apoiavam a primeira, outros as duas.
- E então ele apareceu. – Viro-me para trás, Caleb me encara. – Dizem que um demônio emergiu do chão cuspindo chamas negras e disse que estava ao lado da primeira rainha, o povo, com medo, se bandeou para o lado dela, mas alguns ainda resistiram com suas duas soberanas.
- Isso mesmo menino. – A velha ri. – Era você que diz ser o Jaguadarte, tu era ambicioso, cocerteza queria uma coroa também.
- Como me acusa assim? – Ergo as sobrancelhas. – Você é humana e não vivia lá naquela época.
- Cuidado, fera. – Scorpio ri. – Helena não veio do outro lado, mas agarrou seu reflexo e resolveu se juntar a ele, assim como você. – Crispo os lábios. – Ela pode afirmar muita coisa com convicção.
- Você também deve ter um pouquinho do que veio de lá menino, eu sei que tem. – Ela sussurra.
- Os olhos. – Caleb comenta, dessa vez não o encaro. – Tem os olhos da besta, chega a ser medonho.
- Já olhou teu reflexo? – Respondo irritado.
- Deixe disso molecada. – Ela ri com sua voz esganiçada e depois dá um longo suspiro. – Onde foi que eu parei...?
- Quando o Jaguadarte apareceu. – Lilith se inclina para frente. – Continue, por favor.
- Ah é... Ele veio metendo medo no povo que tava lá e então resolveram o dilema, a primeira foi eleita como a rainha de Wonderland, que foi como ela chamou sua terra, e as duas seguintes ficaram com dois pedaços grandes, Blanchess e Queensland, e se nomearam rainhas também. – A velha se inclina pra frente. – A primeira queria controlar os corações de seus súditos, disse que era Copas e escolheu a dedo seu baralho. As outras se nomearam Branca, como a pureza, e Vermelha, como o sangue, logo montaram suas peças, encontraram seus reis e ergueram seu reino.
- Copas tinha um rei? – Lilith pergunta, parece receosa.
- Não menina, mas tinha seus pretendentes. Eu disse que o menino queria uma coroa, cuidado com ele. – Ergo as sobrancelhas. – O Dragão e o Cavaleiro rondavam a rainha como cães famintos, mas ela era esperta, nunca caiu na laia de nenhum dos dois.
Viro-me e encaro Lilith, ela se sobressalta, deve se lembrar do circo, deve se lembrar do que fiz com Abel, deixo um suspiro escapar, nunca pensei que cairia nas armadilhas do passado e beijaria aquele maldito, mas, pelo que a velha disse ninguém além de mim, e ele, sabe desse romance estranho e deturpado entre Jaguadarte e Vorpal, ambos queriam o trono, e o primeiro que o tivesse levaria o outro junto, então Copas era realmente esperta para perceber isso.
- Diga-me. – Viro para trás, Caleb ergue o olhar. – Vocês são irmãos?
- Somos. – Respondo sem encarar Lilith. – Sou mais velho, Lilith a caçula.
- Tem um no meio também... – Scorpio sorri. – Conhece a bíblia, Caleb? Seu nome veio de lá também, sabe a história de Cain?
- Matou o irmão. – Ele olha para Lilith rapidamente. – Queria a coroa.
- Não encostaria em um fio de cabelo dela. – Respondo rápido, quase um rosnado. – Não nela...
- Agora eu lembro... – A velha diz pensativa. – O diabo do Oscar, era ele que tinha o mesmo nome Môrêvele.
- Era nosso pai. – Lilith murmura.
- Continue a história. – Me viro para a velha. – Continue a droga da história.
- Não confio em você. – Arregalo meus olhos e encaro Caleb novamente. – Eu não confio em você. Você é uma fera dissimulada, se fosse vocês já o teria trancado a sete chaves para não se soltar.
- Sim, sete vezes... – Sorrio, meu sangue esquenta, consigo sentir algo que não sinto desde aquela noite.
Um monstro arranhando minhas vísceras querendo sair. Sorrio. Helena mexe a cabeça às cegas, parece estar sentindo algo, viro-me e fico em pé, Lilith grita e recua, estanco.
Recuo um passo, eu não posso... Da última vez não deu certo, na última vez eu o perdi... Lilith se levanta e corre para perto de Scorpio, não quero ser um monstro, não quero ser como Abel!
Abro minha mão acima da cabeça, as garras a mostra e uma risada invade minha cabeça, engulo em seco... Arregalo os olhos, minha voz não sai e me lanço sobre Caleb, ele segura minha mão longe de sua garganta. Minha mandíbula estala, cravo os dentes em seu braço e o gosto de sangue invade minha boca.
PARE DE FAZER ISSO!!!
Não consigo controlar meu corpo, é como nos pesadelos, mas eu sei que isso não é um deles, ele está controlando meu corpo, quebrando o contrato, infringindo as regras.
Recuo arfando, ao meu redor está um pandemônio, consigo ouvir Lilith gritando, móveis sendo arrastados, minha visão é um borrão e risadas histéricas tomam conta da minha mente, faça parar... Fecho os olhos com força.
Eu preciso de ajuda...
- SCORPIO!!! – Aperto os olhos com força, um rosnado de raiva toma conta da minha mente.
Giro nos calcanhares, Scorpio me encara assustado e recua, novamente ergo uma mão acima da cabeça, pronta para rasgar sua garganta, mas antes de qualquer movimento sinto a pancada na nuca, e o mundo escurece de repente.
XXX
Abro os olhos, minha visão está borrada, abro os dedos e puxo minha mão, amarrada, respiro fundo e tudo se estabiliza, olho ao redor, eu não estou em casa, lençóis velhos estão pendurados em fios pela parede, sorrio levemente e jogo minha cabeça para trás, Lilith arregala os olhos.
- Acordou...? – Olho para o lado e Caleb me encara com nojo. – Acho melhor sedá-lo novamente.
- Não... – Minha voz sai rouca, consigo focar meu olhar em um relógio, são três da tarde, ainda tenho tempo para arrumar essa bagunça. – Não quero ser sedado.
- Cain. – Scorpio aparece em meu campo de visão. – Está tudo bem?
- Não... – Fecho os olhos. – Desculpe-me Caleb, eu não queria mordê-lo. – Escuto sua risada irônica.
- O menino está sendo sincero. – A velha resmunga.
- Helena disse que ouviu vozes. – Encaro Lilith, ela está de cabeça para baixo, devo estar amarrado à mesa. – Ela disse que você estava pedindo socorro e tinha alguém no comando. – Ela abaixa a voz. – Isso e verdade Cain?
- Devia ter falado... – Meus olhos pesam, respiro fundo. – Eu vendi minha alma ao Jaguadarte... Odeio ter que dizer isso em meio a estranhos. – Scorpio arregala seus olhos. – Não nos fundimos. Não somos uma alma só, eu estou aqui e ele também, duas mentes em um corpo, acha que é fácil? – Gargalho e inclino minha cabeça para trás. – Eu estou enlouquecendo! Ele está me matando, você não sabe como é isso, ninguém sabe, é horrível... Ele tem o controle quando durmo... – Murmuro. – Mas está passando dos limites. Está difícil... – Arregalo meus olhos. – O único que me entende é Abel...
Assusto-me quando Lilith passa os braços ao meu redor, droga... Não queria que tivessem pena de mim, não quero mostrar minha dor... Suspiro e me afasto, Lilith coça os olhos, e se afasta também.
- Entende por que não quero dormir? – Sussurro encarando Scorpio, ele abaixa o olhar. – Entende agora o porquê das doses mais fortes? Eu não quero ficar preso na minha mente.
- O que acontece quando você dorme? – Scorpio pergunta lentamente, parece com pena. – Você consegue ver algo?
- Ver...? – Ergo as sobrancelhas. – Eu fico em uma sala branca, Jaguadarte vem me perturbar, às vezes ele diz coisas, outras ele me mostra meu passado, pessoas que eu perdi, ele me atormenta.
- Quando você me atacou... – Lilith para por um instante. – Não era você?
- Eu só me lembro de acordar com Scorpio e Jaken me segurando.
- Desculpe-me. – Sinto meu pulso ficar leve e ergo a mão, Scorpio caminha até o outro lado. – Você disse isso a alguém de dentro?
- Cheshire. – Murmuro, meu outro pulso fica livre. – Marcel, Matthew e Yue.
- Yue? – Os dois dizem em uníssono.
- Não fui eu que disse. – Apoio-me nos cotovelos. – Acordei na sala de estar, ela disse que eu tinha lhe contado tudo, mas foi ele.
Scorpio cerra as cordas de minha perna, Caleb olha alarmado para ele, se o efeito ainda funciona aposto que desmaiou logo após que eu caí.
- Sentiu na pele a punição Dele, Caleb? – Dou risada, ele me encara com raiva. – Não deve me atacar ou será punido sete vezes.
- Pro inferno. – Ele resmunga e se afasta.
- Bem. – Scorpio apoia as mãos no quadril. – Acho que depois dessa devemos ir embora, certo?
- Mais uma coisa. – Passo as pernas para fora da mesa e encaro a velha. – Quem era Alice?
- Volte outro dia. – A velha Helena ajeita o xale sobre os ombros. – Já causou demais hoje, volte outro dia mais calmo e eu lhe contarei, darei meu jeito nesse moleque atrevido também, agora me pague, diabo. – Ela ri ao último comentário.
- Certo. – Salto da mesa e caminho até ela. – Obrigada, senhora Tartaruga Falsa.
Enfio a mão no bolso e alcanço todas as moedas que tem lá, Helena estende as mãos, deposito as moedas em sua mão e me afasto, Lilith se precipita afobada, as mãos em concha, ela derruba algo sobre as mãos de Helena também.
- O que é isso? – A velha indaga.
- C-caramelos. – Lilith murmura. – Eu não tenho dinheiro.
- Tem certeza de que é Copas menina? – A velha ri e acena a cabeça.
- Vamos.
Scorpio apoia uma mão sobre meu ombro e me guia até a porta, Caleb me encara com nojo quando passo e Lilith vem correndo logo atrás, seus sapatos de boneca batendo irritantemente contra o piso de madeira. Olho por sobre o ombro mais uma vez e a porta se fecha, quando volto a olhar para frente vejo Marcel me encarar irritado.
- E esse sangue? – Ele diz me fuzilando com o olhar.
Sorrio e subo as escadas apressado, sem desculpas.
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