Capítulo 6 - O embarque

O galo cantou cedo na manhã daquela quarta-feira. Assim que percebeu os primeiros raios de Sol, Frank pulou da cama com sua mochila já preparada, pegou uma maçã na fruteira da cozinha e partiu para sua tão aguardada viagem. Durante mais de um mês, o menino trabalhou dia após dia com apenas um propósito, juntar o restante da grana para comprar a passagem para Guam, no extremo Pacífico.

Sua ideia era chegar o mais rápido possível até a casa de Barbara para convencê-la a voarem atrás de seu objetivo. Ele tinha que entender por que as ilhas estavam lhe chamando e qual era o mistério por trás disso tudo, e sua amiga era peça fundamental para ajudar a desvenda-lo. O garoto insistiu tanto que acabou por convencer Barbara, mas não seus pais, que a proibiram de viajar com o rapaz para um lugar tão longe, recolhendo a mochila que a garota havia arrumado com suas coisas às pressas.

Frank, sem a perspicácia e a fidelidade de Barbara, se sentia incompleto e julgava de extrema importância que fossem juntos, porém, como o tempo estava muito apertado, não poderia esperar mais.

O rapaz saiu cabisbaixo da casa de Barbara e se virou a caminho de casa, avistando-a por inteira. Era uma casa de cor amarela clara com toques em branco, construída no ano de 1970, mesmo que muitas coisas já tenham sido consertadas por ele e o avô, ainda havia muitas manutenções a se fazer.

Uma pintura aqui, um apertão na rosca do sifão da cozinha, um ajuste na bomba da caixa acoplada do vaso sanitário que sempre se colocava a vazar, entre outras coisas, mas ainda assim o conforto que ela proporcionava e a sensação de segurança para os dois moradores eram mais do que suficiente para chamá-la de doce lar da família Payne. Sentiria falta dela, com certeza não acreditava que seriam dias fáceis, mas estava mais do que decidido a partir.

Chegou em casa e encontrou seu avô na cozinha, se hidratando com um copo de água bem gelada, algo importante nos dias quentes que estavam fazendo ultimamente. Walter viu quando Frank abriu a porta, já esperando pelo pior. Apressou-se a explicar novamente todos os motivos para não irem a essa fatal expedição e que era insano o que estava pretendendo, mas o garoto novamente não quis ouvir seu mestre.

Agradeceu pela preocupação, deu um beijo e um abraço bem forte em seu avô, já entendendo que este não o ajudaria com os pais de Barbara, se despediu e saiu de casa com sua mochila em direção ao ponto de ônibus que o levasse ao aeroporto. Estava certo de que não veria mais seu velho amigo tão cedo, e também sua confidente Báh, a quem tanto amava, mesmo sem nunca ter tido a coragem de lhe dizer. Enfim, era melhor que fosse assim. Não saberia o que iria encontrar pela frente e jamais os colocaria em perigo.

Chegou ao ponto de ônibus e sacou o celular de seu bolso para escrever algumas coisas para Barbara, quando avistou o grande carro dobrando a esquina vindo em sua direção. Voltou a colocar o celular em seu bolso, deu sinal para o ônibus e aguardou sua parada, entrando e sentando em uma das últimas poltronas que estavam vazias.

Segurou a misteriosa pedra em sua mão direita, olhou pela janela, se dando conta de quanto seu bairro era lindo. Respirou fundo, enchendo os pulmões com um ar que lhe parecia estar inebriado do mesmo perfume de antes. Sentia seus olhos trepidarem rapidamente em total descompasso, uma ânsia bateu forte tomando conta de seu corpo e sugando de uma vez toda sua energia até não suportar tamanha estranheza e desmaiar, batendo sua cabeça contra a janela do ônibus com força, apagando no mesmo instante.

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Walter se viu só em sua antiga casa, sem sua esposa, seu filho Douglas, Elizabeth e, dessa vez, sem seu amado neto. Era um homem forte, mas não suportou o que a vida estava armando para ele e iniciou um choro reprimido e angustiante que durou alguns bons minutos. Respirou fundo, olhou para o teto de sua casa e pediu que os espíritos daquela ilha protegessem seu pequeno garoto. No mesmo instante, uma lufada de ar abriu os vidros da janela que se quebraram ao bater com tudo contra a parede.

O vento estranhamente forte invadiu a sala, atingindo em cheio uma prateleira onde guardava diversos livros, derrubando um em especial, abrindo-o no meio. Antigo com uma capa dura já desgastada por conta do tempo, escrito em uma língua que até pouco tempo atrás fazia questão de esquecer, revelou dentro dele uma chave escondida e uma foto retirada há muitos anos de George Payne, seu pai e bisavô de Frank, vestindo um uniforme militar com uma faixa branca e uma cruz vermelha no braço esquerdo. Ao lado dele, havia dois soldados segurando uma arma de alto calibre, e o próprio Sr. Walter ainda bebê no colo de seu pai. A foto foi retirada por uma antiga máquina fotográfica Leica, com lentes Summitar de 2/5cm, em Saipan nas Ilhas Marianas, no dia 30 de junho de 1944.

Subitamente, vieram em sua mente os perigos que vivera no passado, a morte de seus pais e mais algumas coisas que tentara há muitos anos esquecer. Começou a pensar novamente em Frank, a pessoa que mais amava nessa vida. Ele poderia estar se colocando em risco, sozinho, indo para a morte certa.

Teria que protegê-lo, mesmo que colocasse sua vida e sua sanidade novamente em risco. No mesmo segundo, pegou a tal chave que parecia ter sido feita há muitos e muitos anos, já oxidada pelo tempo e más condições de armazenamento, correu para seu guarda roupa, puxou algumas camisas, revelando um pequeno buraco e introduziu o pedaço de metal o encaixando perfeitamente.

Ninguém perceberia que se tratava de uma fechadura escondida. Girou o objeto para a esquerda, produzindo alguns cliques, como se estivesse destrancando um cofre, revelando uma pequena porta secreta que continha uma espécie de baú de metal em seu interior. A câmara parecia não ser aberta há muitos anos, por conta do fedor de mofo que se apoderou do quarto.

O baú não havia trancas nem cadeado, porém não era fácil abri-lo devido ao peso de sua tampa. Dentro dele, havia uma sacola preta bem pesada com algumas ferramentas para acampamento e alpinismo, como corda, mosquetões, entre outras coisas. Havia também um facão com alça para amarrar na cintura, além de uma pequena caixinha de madeira que guardava em seu interior um colar com um pingente de uma pedra azulada, onde podia se ver um triângulo invertido, uma das únicas lembranças que tivera de seu passado.

Walter nunca soube quem lhe dera e para que servia, mas sentiu que deveria pegá-lo também. Colocou tudo dentro de sua mochila, junto de algumas roupas, tênis, lanterna e pilhas, passaporte, alguns pacotes de biscoito para comer no caminho, além de seu antigo cantil que enchera de água. Colocou um saco plástico para tampar sua janela quebrada e saiu de casa como um tigre.

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Barbara foi para seu quarto e chorou por alguns instantes. Não podia abandonar Frank, logo agora quando mais ele precisava estar com sua melhor amiga. Atirou -se em sua cama e relembrou da cena quando ele chegou, todo empolgado, perguntando se ela havia pensado melhor na viagem e já estava pronta para partir com ele.

Lembrou a cara de decepção do amigo quando lhe disse que não iria e sentiu um sabor amargo descendo em sua garganta, sabor de remorso, por ter quebrado o voto de confiança entre eles. Havia dito ao garoto que seus pais não tinham deixado viajar com o rapaz, sim, esse era um bom motivo, mas tampouco Barbara se esforçou para que mudassem de ideia. No fundo, ela imaginava que Frank pudesse desistir da viagem se ele se visse sozinho, sem sua amiga e sem seu avô, mas não foi o que acontecera, e isso a deixava se sentindo cada vez mais culpada.

Olhou para a parede e viu o recorte do jornal da escola, em que aparecia Frank e ela ganhando o prêmio de melhor projeto da feira de ciências daquele ano. Foi um dia incrível, como todos os outros em que estavam juntos. Haviam feito uma espécie de equipamento de separação e extração de pedras preciosas e objetos raros que poderia ser utilizado por garimpeiros e arqueólogos.

Consistia em uma caixa energizada com um funil onde se colocava uma quantidade de terra a ser analisada e um motor que movimentava uma espécie de tela. A separação dos objetos se dava por conta da gravidade e dos movimentos de puxão realizado pelo motor, separando assim a terra de outros artigos.

Até então algo muito simples, porém o diferencial do projeto era que assim que a terra, raízes e outros pedaços de plantas fossem separadas, o que ficasse retido na peneira era conduzido por uma esteira até um reservatório para realizar uma lavagem, através de um bombeamento de água e, em seguida, encaminhado para outro recipiente que continha um digitalizador de alta resolução acoplado, o qual enviava as imagens em alta definição para um notebook, conectado através de um cabo de transmissão HDMI.

Por sua vez, as imagens eram comparadas com um banco de dados de artigos raros disponível no dispositivo. O que era identificado como lixo ou algo sem valor era excluído do sistema, já os objetos encontrados que eram reconhecidos com algum diferencial, seriam catalogados automaticamente e notificados para uma análise mais minuciosa. Isso gerou um dos melhores projetos que a escola já teve e os dois ficaram muito famosos pela conquista.

Barbara estava com um sorriso no rosto, relembrando do passado dos garotos, quando, de repente, deu um salto da cama, correu para a parede, arrancou o jornal de seu mural e aproximou a cabeça para enxergar melhor. Havia algo de estranho naquela imagem que nunca tinha reparado até aquele momento. Ao lado direito de Frank, próximo a porta de saída, estava seu pai Douglas, falando ao telefone como de costume, porém havia algo pendurado em seu bolso que a fez pegar seus óculos de aumento para enxergar melhor. Sim, era a pedra de Frank! Procurou a data do recorte do jornal e reparou que a foto havia sido retirada há cinco anos, poucas semanas antes do desaparecimento de seu pai. Frank estava certo, Douglas corria perigo!

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"Que escuridão é essa? Estou no fundo do mar ou em uma caverna? Onde estou? Como saio daqui? Ai, que fome... Meu estômago está roncando e não me lembro quando foi a última vez que eu comi... Hum, o que é isso? Costela de porco? Arroz vermelho? O cheiro está delicioso, mas não estou vendo ninguém... De quem será? Bom, vou comer só um pouquinho porque não aguento mais... Isso é água? Estou no mar? Papai, onde é que você está? Está me ouvindo? Não, para!".

— Olá, está tudo bem? — perguntou uma senhora que aparentava uns quarenta anos de idade cutucando o garoto para que acordasse. — Achei que estivesse com febre, pois estava delirando e dizendo coisas sem sentido. Precisa de algo?

Frank levantou a cabeça e percebeu que o ônibus inteiro estava lhe observando.

— Desculpe, eu devo ter comido algo que não me fez bem. Muito obrigado pela preocupação.

— Sem problemas. Chegamos ao aeroporto — disse a mulher.

— Obrigado novamente — disse Frank, se levantando para pegar sua mochila.

Desceu do ônibus meio fraco, não lembrava o que havia sonhado, mas isso com certeza sugou sua energia. Precisava comer algo antes de embarcar, porque havia comido apenas uma maçã desde que acordara. Olhou para o relógio que ainda marcavam 11h00 da manhã. Seu voo estava marcado para as 13h45min, então haveria ainda tempo de sobra para uma boquinha. Não queria gastar muito, pois sabia que os preços do aeroporto eram muito salgados e precisava guardar o máximo de recursos que possuía, e isso envolvia também grana.

Encontrou um lugar que achou legal para comer um sanduíche de algo que lhe parecia um patê de frango com queijo cremoso, pegou um refrigerante e uma garrafa de água para encher seu cantil, que sempre levava consigo em suas aventuras com seu avô e Barbara. Isso o fez se lembrar do trio, o que o deixou triste ao ponto de perder o apetite, por isso guardou o lanche no bolso.

Abriu o refrigerante e deu três longas goladas, quase acabando com o conteúdo da lata, mas precisava sentir a bebida gaseificada enchendo o seu peito com a força do gás carbônico e então soltou um enorme rugido, assustando quem estivesse ao seu lado, enquanto outros julgavam o menino por sua falta de educação. Frank deu de ombros e gargalhou. Enfim, era bom rir, mesmo que fosse pra deixar de pensar no que o estava chateando. Logo iria encontrar seu pai, tinha plena certeza disso, ainda que ele tivesse que se sacrificar.

Olhou para o relógio e reparou que este havia parado de se mexer já há algum tempo, marcando ainda 11h00 da manhã. Não podia ser, era o destino pregando mais uma peça contra ele. "Só me faltava ter perdido o voo", pensou. Saiu correndo para entrar na sala de embarque e foi impedido por uma caravana de pessoas da terceira idade, com mais de sessenta integrantes que estavam indo para Roma em uma excursão, para ver o santo pontífice, o Papa.

Demorou mais de vinte minutos para atravessar a sala de embarque e correr em direção ao portão 26, de onde sairia seu avião para Guam. Frank olhou para o monitor que marcava os voos que estavam decolando. Voltou a correr em direção ao portão quando ouviu no alto-falante uma das comissárias informando que estavam finalizando o embarque: "esta é a última chamada para o embarque no voo 1528 com destino a Guam, nas Ilhas Marianas".

Enfim, chegou ao portão quando restavam os últimos passageiros a adentrar ao avião. Apresentou seu passaporte para a comissária de voo, além do cartão de embarque que havia baixado em seu celular no app da companhia aérea. Atravessou o portão para acessar o corredor em direção à aeronave quando ouviu bem de longe alguém gritar seu nome, na verdade, parecia ser mais de uma pessoa e, dessa vez, não podia ser coisa de sua cabeça. Virou o rosto inesperadamente para trás, quando quase caiu com o tamanho da surpresa que vira:

— Frank, espere!

Eram seu avô Walter e sua melhor amiga Barbara vindo ao seu encontro, ambos com mochilas de viagem às costas.

— Onde o senhor pensa que vai sozinho, mocinho? — disse sua amiga com uma voz amável e ofegante, abraçando-o fortemente, quase sufocando o garoto.

Seus olhos encheram-se de lágrimas e um sorriso enorme surgiu em seu rosto.

Agora sim o time estava completo.

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