Capítulo 4 - A pedra do devaneio

Os dois amigos pegaram suas coisas e foram ao encontro do avô Walter. Logo chegaram na casa ao fim da rua que era o lar dos Payne há cinco anos. Sua esposa havia falecido já há longos doze anos e estar com seu neto o fazia se sentir melhor, ainda mais quando se encontravam com a Jovem Bell à procura de desvendar mistérios do mundo. Os amigos estavam entrando à porta da casa, imaginando que Walter deveria estar na garagem arrumando algo, como sempre.

Frank entrou no cômodo gritando por seu avô e este, assustado, deixou cair uma caixa de parafusos de pequeno calibre, que havia retirado do antigo aparelho de som, um rádio vitrola com gravador de rolo da marca Phillips, que ganhou de seus pais na década de 1960 e que guardava com muito carinho. Walter, bravo, pediu que eles ajudassem a recuperar os parafusos que haviam caído e que só depois eles conversariam sobre a história que queriam lhe contar.

Muito a contragosto, Frank abaixou para procurar os mais de vinte parafusos minúsculos, demorando quase meia hora para finalizarem a tarefa, pois estes se espalharam por toda a garagem. Só então seu avô perguntou o que eles queriam para chegar assim tão eufóricos pela porta da garagem.

Frank abriu o saquinho de veludo que havia pego na casa de Barbara para acomodar o artefato com segurança e revelou ao seu avô seu conteúdo misterioso.

— O que tem demais essa pedra? — perguntou Walter.

— Então, vovô, eu a encontrei hoje pela manhã na praia, após ajudar alguns pescadores a pegar seus peixes. Veio junto com a rede.

— Então devolva-a ao mar — bravejou Walter. — Você não aprendeu que não se deve retirar as coisas do mar? A não ser que seja para seu próprio sustento?

— Mas, vô, eu achei algo muito sinistro nessa pedra — disse Frank, sem mencionar o que havia acontecido a ele quando se encontrou pela primeira vez com o objeto. — Tem algo escrito nela, com um dialeto que a Barbara e eu não conhecemos. O senhor precisa nos ajudar.

Walter pegou os óculos de Barbara para verificar o que deixara seu neto agitado. Deveria ser mais uma fonte de mistérios que resolveriam juntos mais tarde, porém algo o deixou branco como a neve fazendo com que engasgasse com sua própria saliva.

— Menino, como disse antes, jogue isso de volta ao mar. E não procure saber mais nada a respeito dessa pedra.

— Mas, vô, você sabe o que está escrito nela? Nos conte, por favor! Preciso saber o porquê esta pedra me escolheu.

— Como assim, essa pedra te escolheu? — perguntou Walter.

— Eu não lhe contei, mas quando a vi pela primeira vez, tive um sentimento estranho e confuso, como se entrasse em um tipo de transe, notei um forte perfume e vi algumas sombras que não pude reconhecer. Não senti medo, apenas uma angústia e ao mesmo tempo uma energia excessiva, uma exaltação que não sei explicar. Por favor, vovô, me conte o que o senhor sabe sobre essa pedra, o que está escrito e qual a razão desse seu medo repentino. É algo sobre mim? Sobre meu pai? O cheiro que eu senti, tenho certeza que era do perfume que ele usava quando o vi pela última vez, é inconfundível! Guardei esse odor em minha memória por muitos anos. A camisa que ele tinha usado um dia antes de sumir, eu nunca lavei. Deixei guardada e sempre que começava a me esquecer dele, ou quando estava com muitas saudades, pegava para sentir seu cheiro. Isso me confortava, me acalmava. Só que com o tempo o aroma foi ficando mais fraco, até um dia em que eu não pude mais senti-lo. E agora tudo está voltando e, se for verdade? E se ele estiver vivo me mandando uma mensagem? Preciso saber, por favor!

Walter, meio sem saber o que fazer, e pensando que devia isso a seu neto, disse que iria contar o que havia escrito na pedra, apenas a tradução do que se lembrava.

— Crianças, sentem aqui ao meu lado — disse o avô, puxando duas cadeiras extras para os dois. — Este é o idioma Chamorro, falado por mais de cinquenta mil pessoas na região das Ilhas Marianas.

Barbara, curiosa que só, já puxou o celular de seu bolso e procurou na internet sobre as ilhas e a língua chamorro, pronunciadas por Walter.

— Este é um idioma que eu aprendi quando pequeno. Há muitos anos eu deixei de ter contato com essa língua, mas acho que consigo traduzir. Pelo que entendi, o que pode estar escrito nessa pedra é algo como:

"Mungnga pumåra manhongge!

Mahålang yu' nu todu.

Hu guaiya hamyo na dos!"

"Nunca deixa de acreditar!

Sinto a sua falta.

Amo você!"

— Não está assinado, tampouco direcionado a alguém. A região é conhecida por ser um local romântico, onde foi inspirada a magnífica e famosa história de Shakespeare: Romeu e Julieta. Por isso, não daria muita importância no que está grafado nesse pedaço de rocha — disse Walter, tentando tirar falsas esperanças do coração de seu neto. Mas este não sabia que o coração de Frank já estava tomado de fé, de que encontraria seu pai nas Ilhas Marianas.

"Só pode estar por lá!" — pensava Frank, sem saber o motivo de estar tão longe assim.

Frank pegou a pedra novamente em sua mão para analisá-la melhor quando teve um outro surto psicótico, voltando dessa vez uma semana antes do sumiço de seu pai. Lembrava de uma conversa ao telefone de Douglas com uma pessoa misteriosa, de quem seu pai nunca falava a respeito. Dessa vez, percebeu que ele estava nervoso com o que o sujeito lhe falava ao telefone. Começou a aumentar o tom de sua voz, algumas tossidas e engasgos e então uma palavra que pôde ouvir em alto e bom tom: Mariana.

Voltou a realidade com uma respiração ofegante, gritando com toda a força de seu jovem pulmão:

— Mariana!

— Ai... — gritou Barbara, jogando seus cabelos castanhos cacheados para todos os lados após o susto que Frank lhe deu. — O que aconteceu?

— Desculpe — respondeu Frank. — Agora tenho certeza. Meu pai foi para as Ilhas Marianas. Preciso encontrá-lo. Ele deve estar em perigo pra não ter dado mais notícias durante esses últimos cinco anos.

— Não, não, não! — gritou Walter. — Ninguém vai a lugar algum. Você não ouviu o que eu acabei de falar? Não mexa com isso. Esquece o que você achou ter visto. Nossa mente cria algumas ilusões e, às vezes, até vozes para nos enganar. A neurociência explica que o cérebro faz isso para economizar energia em nosso dia a dia, assim como quando estamos dormindo e sonhamos. Cerca de 80% das pessoas têm tendência ao otimismo, algumas mais do que outras. O otimismo é sempre mais comum do que o pessimismo, ainda mais em pessoas jovens. Assim, nunca acreditamos que algo vá dar errado, mesmo quando o mais racional seria pensar que sim, e você, meu neto, está entre a grande maioria. Não consegue enxergar o perigo em que está se metendo.

— Mas, vô, eu ouvi meu pai dizer ao telefone o nome Mariana, uma semana antes de partir.

— Existem milhares de "Marianas" espalhadas por aí. Por que seu pai falaria sobre a ilha, se ele nem a conhecia? — bradou seu avô.

— Ele não a conhecia? — perguntou Frank com cara de tristeza.

— Douglas nunca me falou nada sobre as ilhas do pacífico. E também nunca lhe contei sobre meu passado — soltou Walter, antes de se arrepender do que acabara de dizer.

— Seu passado? — gritaram os dois amigos ao mesmo tempo.

— O senhor já esteve nas ilhas antes? — perguntou Frank ainda mais curioso que o normal. O passado de seu avô era o maior mistério que os dois integrantes do Esquadrão Fantástico não conseguiram resolver, até aquele momento.

Walter balançou a cabeça em um gesto de afirmação, mesmo que no fundo quisesse ter dito que não.

— Há muitos anos que eu não piso naquele lugar. O local é muito lindo, exuberante e, como disse, propício ao amor. Mas também esconde muitos segredos perturbadores, lendas e mistérios sobrenaturais. Já presenciei muitas coisas sinistras e assustadoras e não quero isso para vocês. Peço que me ouçam e prometam não voltar a questionar sobre meu passado, muito menos sobre ir a esta região. Me atormenta pensar em reviver coisas que há tempos enterrei.

— O senhor não pode fazer isso comigo, não sei como, mas tenho certeza que meu pai está lá e preciso ajudá-lo. Essa pedra foi uma mensagem dele. Precisamos ir, por favor — suplicou Frank.

— Chega! Já disse que não e ponto final. Enquanto estiver sob minha guarda e minha responsabilidade, o senhor não vai a lugar algum. Não lhe darei dinheiro para comprar a passagem para aquela ilha — disse Walter com dor no coração, mas pensando na segurança do neto que tanto amava. Sabia que era uma questão de tempo até Frank conseguir o dinheiro que precisava para viajar, mas, até lá, tentaria mudar o pensamento do garoto.

Frank colocou a pedra no saquinho de veludo, balbuciou algumas palavras grosseiras que só ele entendeu, baixou a cabeça e saiu da garagem batendo a porta com força. Barbara olhou para Walter e reparou que o idoso estava com lágrimas em seus olhos. Achou melhor ver seu amigo e deixá-lo menos constrangido ficando sozinho.

— Vou ver como ele está — falou Barbara

— Me desculpe — disse seu amigo de idade mais avançada. — Só fiz o que achei correto para protegê-los de todo sofrimento que esse lugar me causou.

Barbara acenou com a cabeça e saiu à procura do amigo. Estaria onde sempre se escondia quando ficava triste, em cima da Pedra do Devaneio, nome dado por eles para a rocha que ficava na ponta da praia, onde iriam sempre para pensar, refletir e imaginar coisas engraçadas. Muitas das respostas dos enigmas e mistérios que o trio solucionava vieram após algumas horas de contemplação sentados nessa pedra e olhando o eterno beijo entre o céu e o mar.

— Frank, está tudo bem? — perguntou Barbara ao chegar ao local.

— Ele não pode falar assim comigo, Báh. Sequer ouviu o que tinha a dizer. Do que será que ele tem tanto medo?

— Ele deve ter seus motivos, Frank. E pelo jeito não devem ser poucos — ponderou Barbara.

— Tenho certeza que meu pai está me chamando. Não sei como, mas essa pedra veio até meu encontro e não foi por mera coincidência. Nunca acreditei em magia, logo eu que sempre quis ser um grande cientista, mas um mar tão extenso, além de uma enorme distância das ilhas até aqui e justamente esse artefato aparece do nada, não encontro outro motivo. Precisamos investigar. Meu avô disse que não me dará o dinheiro para comprar a passagem, mas, na verdade, não preciso da ajuda dele. Tenho minhas economias que fui juntando todos esses anos com presentes de aniversários e outras coisas que me desfiz. Não é muito, mas acho que, se conseguir algum emprego temporário, eu consigo juntar o restante do dinheiro já no próximo mês. E, então, minha garota, vou passar a limpo essa história, custe o que custar.

"Minha garota", pensou Barbara. Era a primeira vez que Frank a chamava assim. Sempre teve uma queda por ele, mas nunca lhe disse nada. Desde que o conhecia, era seu amigo e esse sentimento foi sendo cultivado aos poucos. Não lembrava quando, mas um dia se encontrou com Frank na praia e teve uma vontade enorme de segurar sua mão e andarem como namorados, aguardando o pôr do Sol. Não sabia das intenções de seu amigo e, portanto, achou melhor não abrir seu coração para não estragar a amizade entre eles.

— Você embarcaria comigo nessa aventura? — questionou o amigo.

— Não sei, Frank. Ainda estou procurando qual curso fazer na faculdade e não sei se meus pais permitiriam viajar sozinha com você para outro país, ainda mais um lugar tão distante e remoto.

— Tudo bem, não tem problema.

Ambos ficaram em silêncio por um tempo que lhes parecia uma eternidade.

— Barbara, queria ficar um pouco sozinho, por favor.

— Tudo bem. Vou voltar para casa. Mas não faça nenhuma loucura, ok? — disse preocupada.

— Pode ficar tranquila. Preciso de um tempo para colocar as ideias em ordem. Meu avô pode estar certo, perdi um pouco a razão com tudo o que me aconteceu. Você pode achar que é loucura, como eu achava também, mas parecia algum tipo de bruxaria que pareceu tomar conta de mim.

— Hahaha — riu Barbara do amigo. — Não estou te reconhecendo mais, Franklin Payne, futuro vencedor do prêmio Nobel de ciências — brincou ela. Mas seu comparsa não esboçou reação. — Ok, Frank, vou indo. Saiba que sempre estarei ao seu lado para o que precisar. Fique bem!

Barbara desceu da pedra do Devaneio com cuidado para não levar um tombo. As sardas em seu claro rosto já começavam a esquentar por conta do Sol, o mar estava agitado e a água já batia em seu joelho com força. Seria aquele mais um dia tomado por surfistas na praia que tanto amava.

Frank ficou mais uma hora após a saída de Barbara quando decidiu voltar para casa. O Sol já estava a pino e seu estômago roncando. Apoiou-se para se levantar quando, sem querer, deixou cair de seu colo o saquinho com a pedra e ela se abriu, revelando um brilho jamais visto por ele que ofuscou sua visão, deixando-o sem enxergar por alguns segundos. Ainda com os olhos fechados, ouviu um ruído. Sabia que esse barulho não vinha do mar e sim da misteriosa pedra.

Ela queria se comunicar novamente com ele. Aos poucos, foi retomando sua visão, mas já não estava sobre a sua estimada Pedra do Devaneio. Não, encontrava-se agora em uma espécie de caverna gigantesca, pouco iluminada. Por toda direção que olhava só enxergava estalactites, sem enxergar parede alguma. O que seria isso? Estava ficando louco? Perguntava-se quando então ouviu novamente uma aflita voz o chamando:

— Frank Payne, acredite. Eu preciso de você!

Frank deu um grito e se viu novamente em cima da Pedra do Devaneio, olhou para os lados e não encontrou ninguém a não ser as ondas batendo forte contra as pedras próximas e espirrando gotas de água em seu rosto. O artefato já não tinha o mesmo brilho que outrora e resolveu colocá-lo em seu porta-pedras novamente.

— Isso não foi uma ilusão. Eu vi. Essa pedra quer me mostrar algo e eu posso sentir dentro de mim. Preciso ir — disse Frank para si mesmo, levantando da Pedra do Devaneio e saltando na água como um louco. — Vou pedir para trabalhar como garçom durante esse mês no restaurante do amigo do meu pai. Certeza que me ajudará a juntar o dinheiro que preciso, daí não haverá alma no mundo que me segure aqui. Enquanto isso, vou pesquisar mais a respeito do local e tentar entender de uma vez por todas o que meu avô tem escondido por todos esses anos. Douglas Payne, me aguarde que estou chegando!

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