Capítulo 20 - Um vulto misterioso
Passaram-se alguns minutos de grande sofrimento para Frank e Barbara, já que Walter, devido ao esgotamento de sua energia e a grande dor que o corte em sua perna lhe causara, desmaiou sem recuperar a consciência. Jason, desesperado, arrancou um pedaço de sua camisa e amarrou-a com força contra o sangramento na perna do senhor para estancá-lo.
Retirou de sua mochila um saco com folhas secas e uma pederneira, um objeto que produz faíscas utilizado por ele geralmente quando acampava nos dias em que precisava se reconectar à natureza. Chamou por Emmy e pediu que colocasse um pouco da água que sobrara em seu cantil em uma panelinha que carregava, enquanto retirava de sua mochila um pacote bem amassado com algumas ervas.
O chefe juntou algumas folhas, ascendendo uma chama com as faíscas produzidas nos pedaços de madeira encontrada na galeria e estas pegaram fogo rapidamente. Por cima das chamas, colocou a água para aquecer e assim que percebeu o surgimento das primeiras bolhas de ebulição jogou algumas das plantas medicinais na panela, mexendo com uma colher até o líquido incolor obter uma coloração amarelada. Retirou-a do fogo e aguardou até que esfriasse.
Com a ajuda de uma camiseta, Jason filtrou o chá improvisado e despejou na boca de Walter, que, ainda desacordado, engoliu toda a bebida, fazendo com que homem entrasse em uma briga consigo mesmo, se contorcendo e se debatendo assim que a infusão alcançou seu estômago.
Abriu seus olhos, seguindo por uma combinação de fortes tosses. Continuou assim por mais alguns minutos até que a crise cessou, dando lugar a um homem revigorado, ainda com um corte na perna, mas já sem dor, como se a toxina do veneno que penetrou em seu sangue houvesse sido eliminada completamente e a hemorragia estancada. Barbara correu e abraçou seu amigo, que devolveu o abraço, olhando para Frank que não suportou vê-lo de volta e derramou algumas lágrimas de felicidade.
- Parece que seu velho avô ainda viverá por mais tempo.
- Que seja muito - disse Frank, abraçando-o com força.
- Peraí - clamou Barbara. - Onde o senhor pensa que vai? Precisa descansar um pouco.
- Não temos tempo para isso, minha pequena donzela - retrucou Walter, com o apelido carinhoso que a chamava quando estava feliz.
- Consegue caminhar? - questionou Jason com um sorriso de alívio em seu rosto.
- Acredito que sim. Que baita remédio foi esse que você me deu?
- É uma das ervas milagrosas muito conhecida pelos Suruhåna, o povo Chamorro que detém o conhecimento e a prática da cura tradicional. Esse ensinamento foi repassado de geração em geração através das entidades dos antigos Makåna, que são os antepassados dos Suruhåna, que viveram há muitos anos e se tornaram especialistas nos assuntos entre a terra e o reino espiritual, e desenvolveram técnicas do uso de plantas medicinais.
- Ou seja, eu não consigo comprar em qualquer lugar, não é isso? - brincou Walter.
- Hahaha! Se você quiser, meu amigo, quando sairmos daqui eu lhe entregarei uma muda para que você plante em seu quintal.
Walter riu e abraçou o grande chefe e amigo, agradecendo por ter salvado sua vida.
Os seis se preparavam para descer a montanha de pedras. Frank recolheu uma das adagas de um dos monstros e amarrou em suas costas para possíveis confrontos com os seres sobrenaturais, tomando o máximo de cuidado para não se espetar com ela. Pegaram todas as mochilas e foram descendo devagar para que Walter fosse sentindo novamente os movimentos de suas pernas.
Andaram uns bons metros, até chegarem ao solo, onde puderam enxergar o caminho que vieram. Voltaram-se para o outro lado e se iniciou uma nova caminhada, agora com as energias restabelecidas devido ao sono que tiraram antes do embate com os metade-peixes. Andaram por algumas horas se esquivando de rochas no meio do caminho, contornando penhascos e atravessando salões de calcário saturados de umidade.
Resolveram não acender uma tocha para não atrair nenhuma outra criatura. Não encontraram mais nenhum problema pela frente, imaginando que os demais monstros já deviam saber da presença da equipe e estavam esperando que caíssem em uma emboscada planejada pela força maligna. Avançavam cada vez mais, com cautela e sempre mapeando o local, fazendo uma escolta armada.
A escuridão cada vez maior dificultava o avanço do grupo, tornando cada passo árduo e cansativo. Passaram-se mais algumas horas quando, exaustos, resolveram descansar e recuperar o fôlego. Controlavam a fome, pois sabiam que tinha pouca comida, suficiente para apenas mais uma refeição, e isso começava a preocupar o grupo. O que havia sido uma brincadeira de Walter, se tornaria realidade se não arranjassem comida. Teriam que comer a carne daqueles peixes humanoides. Só de pensar na hipótese, Barbara passou mal. Não queria ter que experimentar dessa terrível iguaria, teria certeza que sairiam dali o quanto antes.
Frank levantou desconfiado. Sacou a faca que havia guardado e se pôs a caminhar sozinho. Ninguém percebeu, pois estavam distraídos com uma das lendárias histórias que Jason contava com todo seu vigor. O garoto percebeu algum movimento à frente, ao longe, como se fosse um vulto de alguém que estava os observando.
Não quis chamar os outros, pois ficou com receio de ser apenas algo de sua cabeça e não queria passar por louco ou coisa parecida. Fixou seus olhos no ponto onde havia visto a estranha sombra que desapareceu na sequência, assim que passou por uma rocha, tapando por alguns segundos seu campo de visão. Ouviu um barulho de alguém chutando uma pedra sem querer e se virou em direção a uma figura pouco nítida, distante, mas que tinha o semblante de um humano atravessando um buraco na galeria em que estavam.
Frank correu como pôde por entre as pedras que infestavam aquele ambiente inóspito e atravessou a passagem sem medir as consequências. Deparou-se com um abismo à sua frente, quase caindo dentro do buraco escuro. Parou e olhou para os lados para verificar se havia alguma saída e percebeu que ao lado esquerdo tinha uma trilha muito curta que contornava o precipício mortal. Apertou novamente seus olhos para enxergar na baixa iluminação e viu aquela figura misteriosa descendo por essa trilha, se perdendo de vista.
O garoto continuou o caminho anunciado pelo vulto, se escorando na parede para não tropeçar e cair. Chegou com muito custo até o local onde aquela figura havia sumido e observou uma passagem entre algumas rochas. Ao entrar, se deparou com uma cena que jamais gostaria de ter visto. Havia por volta de umas dez criaturas chicoteando algumas crianças sem dó, fazendo-as cavar e minerar o local empunhando picaretas e pás.
Frank abaixou-se, se escondendo por detrás de uma pedra de grande largura para ver melhor o que estava acontecendo a uns trinta metros de distância dele. Quanto mais tempo os garotos demoravam para bater com suas ferramentas naquelas sólidas e maciças rochas, mais eles eram punidos com chibatadas ou pauladas com uma vara flexível que alguns daqueles monstros carregavam.
Esses eram os amigos de Luiz, que foram sequestrados junto dele para serem escravizados e servirem aos domínios do mal. E, se não fosse por sua fuga, ainda estaria sendo mal tratado como aqueles pobres e indefesos meninos.
Frank sabia que não aguentaria por muito tempo presenciar toda aquela cena sem fazer nada e que a qualquer momento explodiria em cima daqueles monstros selvagens. Pena que seus amigos não estavam lá pra igualar aquela luta e não daria mais tempo de chamá-los porque já estava envolvido demais com aquilo tudo e não permitiria mais qualquer abuso da parte daqueles infelizes.
Empunhou a faca que havia pego do falecido monstro que os atacara anteriormente e se levantou para iniciar uma corrida suicida, quando então ouviu passos próximos a ele. Virou-se no susto e o vulto que estava perseguindo apareceu em sua frente, com uma capa e capuz pretos. O garoto não conseguiu identificá-lo, apenas sentiu a pancada em sua cabeça que o fez enxergar tudo embaçado caindo aos pés do misterioso desconhecido.
- Alguém viu o Frank? - perguntou Barbara, receosa.
- Achei que ele tinha ido fazer cocô, pela demora em retornar - brincou Walter.
- É sério, pessoal, acho que já faz uns trinta minutos que ele saiu para ir ao "banheiro", mas ainda não retornou.
Walter levantou-se sério. Jason e o resto do grupo se prepararam para fazer uma busca para encontrar o rapaz, enquanto Emmy e Luiz ficaram para arrumar as coisas que haviam deixado para trás.
- Frank! Onde você está? - gritou Barbara, preocupada. - Aparece porque estamos preocupados.
Mas nada, a não ser o eco do chamado foi ouvido pelo grupo. Caminharam mais alguns metros até um ponto onde conseguiam enxergar dois caminhos distintos, um pelo leste e uma fenda em uma enorme rocha ao norte. O caminho pelo sul é de onde haviam vindo, portanto, acreditaram que Frank não seguiria por lá, e se ainda assim o tivesse feito, não teria muitos perigos, pois já não tinha uma alma penada por onde passaram. Barbara foi com Walter pelo norte, enquanto Jason seguiu pelo leste, não sem antes acender duas tochas, passando uma para o mais experiente do grupo.
Jason tentou andar o mais rápido que pôde, prestando atenção em todo o trajeto, tentando encontrar qualquer pista que explicasse o sumiço do rapaz. Andou por uns dez minutos até encontrar um paredão com águas escorrendo nele que formava embaixo um lago límpido e cristalino. Mergulhou para ver se havia algum tipo de passagem submersa como aquela em que atravessou com o rapaz, mas não encontrou nada, assim como o outro, aquele lago estava em uma escuridão total. Nadou de volta à margem e andou ao redor do lago que terminava próximo, tendo por volta de uns vinte metros de largura. Concluiu que o garoto não havia passado por lá e resolveu voltar e seguir o mesmo caminho que os outros dois, atravessando naquela fenda na rocha ao norte.
Walter e Barbara atravessaram o buraco e, se não fosse pelo braço esticado do velho a segurando, a garota não estaria viva pra contar nenhuma história. Um abismo escuro surgiu à frente dos dois, que mesmo a tocha improvisada por Jason pouco a iluminava. Sentaram próximos ao grande penhasco, olhando para baixo, sem conseguirem enxergar mais nada a não ser um buraco negro. Já imaginando o pior, Barbara ameaçou um choro, mas logo foi acudida por Walter, lembrando que talvez ele não tenha passado por ali.
- Jason ainda está à procura de Frank no outro caminho. Precisamos ter esperanças.
- Verdade. Precisamos pensar positivo - disse a garota, se acalmando e reascendendo a chama da esperança.
Começaram a ouvir passos vindo por detrás. Levantaram-se antes que alguém trombasse neles, derrubando-os, e encontraram Jason passando pelo buraco em que entraram, vindo com uma cara de derrota, dizendo que Frank não havia estado do lado em que procurou. Então se deu conta que na frente dos dois, havia um abismo de grandes proporções ficando preocupado com o que viu e com a possibilidade da queda do garoto. Olhando para Barbara e percebendo o nervosismo da garota, o líder se recompôs e começou a pensar.
Olhou de um lado para o outro, chegando muitas vezes perto do precipício e outras vezes mais longe, até que, tocando o solo, percebeu a pista que procurava. Como o ambiente estava com pouca iluminação, apenas com a pequena chama que emanava de sua tocha improvisada, Jason teve que tatear o chão, deixando sua mão bem leve e sensível a qualquer irregularidade no solo.
Foi assim que conseguiu definir que algumas das pegadas naquele chão pertenciam a Frank, pois era de um calçado de tamanho médio, por volta do número quarenta, além de ser uma bota utilizada para trekking como a que ele usava, com aquele famoso solado de borracha cheio de ranhuras que só esse tipo de bota tem. Percebeu também que Frank não estava sozinho, pois havia mais algumas pegadas de mesmo tamanho que o dele no chão. "Pelo menos não é nenhum monstro", concluiu Jason.
- Douglas? - proferiu Walter.
- Pode ser, mas precisamos nos apressar para encontrá-lo. Esses lugares estão cheios de gente estranha - alertou Jason. - Vocês esperem aqui que vou buscar Emmy e o garoto e vamos todos juntos por aquela direção, encostando na parede para não cairmos abismo abaixo.
Jason fez o caminho de volta e saiu em disparada até o local em que Emmy e Luiz estavam aguardando. Chegou em pouco tempo até encontrar os garotos e pediu que o seguissem, pois tinham uma pista de onde Frank poderia estar, explicando também sobre o aparecimento de uma outra pessoa, sem dar muitos detalhes.
Em vinte longos minutos desde que Jason saiu, os dois garotos atravessaram a fenda na rocha, já sendo alertado sobre o abismo pelo grandalhão. Encontraram Walter e Barbara já se preparando para seguirem pelo caminho indicado por Jason. Os cinco andavam bem lentamente, equilibrando o peso das mochilas contra o penhasco por trás deles, sendo algumas vezes puxados para o vazio e retornando novamente ao chão firme por conta da corda transpassada na cintura envolvendo a todos, colocada pelo chefe como uma forma de segurança do grupo.
Andaram mais alguns bons minutos, tendo que parar em muitos pontos do caminho onde só conseguiam passar uma perna por vez, devido ao curto espaço para caminharem. Chegaram até o outro ponto da trilha e se juntaram para retirarem a corda que os uniam e guardar na mochila em que Jason carregava.
Barbara, que estava à frente do grupo e cada vez mais ansiosa para encontrar Frank com vida, atravessou o canto que dava acesso ao outro ambiente daquele lugar sinistro. Percebeu um grande salão, onde mais pra frente ouvia-se algum tipo de briga, ou coisa parecida, se dando conta que havia mais daqueles seres à frente, só não tinha percebido que eram tantos.
O pessoal foi chegando e se amontoando ao lado de Barbara, que se escondia para observar os acontecimentos. Luiz viu alguns de seus amigos sendo espancados e Jason o segurou para não sair correndo em direção a eles. Precisavam antes bolar um plano, pois estavam em desvantagem em relação ao grande número de criaturas armadas. Era certeza de que eles deviam ter aprisionado Frank e precisavam pensar no que iriam fazer para resgatá-lo assim como os outros.
Ao virar-se para elaborar uma estratégia, Emmy reparou que embaixo de uma rocha bem próxima de onde estavam, havia duas pernas humanas à mostra. As pedras estavam posicionadas de modo que alguém poderia se esconder sem problemas de desmoronamento. A garota cutucou Barbara que estava ao seu lado, apontando para o rapaz que repousava sonolento em sua pequena e exclusiva gruta. Barbara quase soltou um grito ao perceber que era Frank, chamando Walter e Jason para retirá-lo daquele esconderijo.
O rapaz estava desacordado, como se alguém o tivesse atingido e o escondido para ninguém achá-lo. O chefe chamorro deu alguns tapas no rosto do menino, mas esse não tinha reação alguma. Confirmou que ele respirava normalmente e estava como se dormisse profundamente. Não sabiam o que fazer, precisavam salvar os garotos, mas, por outro lado, não podiam deixar Frank sozinho.
Ouviu-se então um grito muito alto vindo alguns metros à frente. Todos olharam em direção ao berro e constataram ser de um dos meninos, que havia levado uma baita chicotada por não estar fazendo seu trabalho direito. O grito foi tão forte e alto que fez com que Frank acordasse. Olhou para os lados e viu seus amigos todos próximos a ele, olhando através da mureta de pedras. Chamou por Barbara, mas sua voz não saía, pois estava um pouco fraco e zonzo. Mexeu sua perna de modo a tocar levemente a da garota, que se virou surpresa para encontrar seu amigo salvo e com vida.
- O que aconteceu? - perguntou Frank.
- Isso é o que queríamos que você nos dissesse. Te encontramos desacordado escondido debaixo daquelas pedras - respondeu Barbara apontando para o local onde encontraram o rapaz.
- Eu não me lembro de muita coisa. A não ser que eu persegui um vulto negro entrando nesse lugar. O segui e me dei de cara com o esconderijo desses monstros, que escravizam os amigos do Luiz e estão os maltratando. Depois disso não me lembro mais.
- E esse vulto? Você chegou a ver quem era? - se intrigou Barbara.
- Não, estou começando a achar que nem humano era.
- Ah, era sim. Jason confirmou que havia algum humano, de estatura média, que tinha caminhado junto a você. Suas pegadas e as dele se confundiam durante o trajeto - rebateu Barbara.
- E quem será que era? - perguntou Frank. - Meu pai?
- Vamos saber assim que acabarmos com esses monstros! - disse Jason preocupado em bolar um plano para atacarem aqueles seres horripilantes.
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