Capítulo 19 - Peixomem
Walter imaginou quão ruim deviam ser os outros acessos, pois esse túnel sugerido pelo ancião devorador de pedras não estava nada bem. Extremamente escuro, muitas vezes as rochas se espremiam, fazendo com que tivessem que passar ora de lado, ora se arrastando entre as gigantes pedras. A umidade era cada vez maior naquele local. Demoraram mais de uma hora para conseguir andar alguns poucos metros.
A fome já persistia em doer na barriga do pessoal, mas o sono estava avassalador. Não lembravam quando fora a última vez que dormiram e seus relógios não funcionavam mais, devido a alguma oscilação magnética, concluiu a inteligente Barbara. Sem saber as horas, ficava cada vez mais difícil imaginar quando parar para recuperarem suas energias, além de suas necessidades fisiológicas.
Não queriam ficar no túnel, pois a sensação era claustrofóbica. Acreditaram no ancião e seguiram sua recomendação, pois concluíram que este caminho havia sido criado pelo próprio Delver, assim como muitos outros locais dessa caverna, e ninguém melhor que o velhote para dizer qual o melhor trajeto a se fazer, portanto não parariam até chegar em uma galeria, onde, após uma ronda geral para identificarem o local, escolheriam algum lugar para comerem e descansarem seus corpos exaustos.
Gastaram mais alguns pares de horas andando a passos de tartaruga na escuridão total até enfim chegarem ao final daquela passagem subterrânea. Se ao menos estivessem com seus celulares carregados, pilhas das lanternas funcionando, ou até mesmo algo para fazerem uma tocha improvisada para iluminar o caminho, não teriam demorado tanto. "Mas talvez tenha sido melhor assim", pensou Barbara, com medo de encontrar coisas estranhas e nojentas nesse atalho. Separaram-se em dois grupos com três pessoas para conhecerem a galeria que haviam encontrado.
Ela parecia ser bem extensa, pouco iluminada por alguns insetos luminosos que insistiam em viver naquele ambiente inóspito, para a felicidade do grupo, que, forçando as vistas e se acostumando com a baixa iluminação, conseguiam enxergar algumas coisas. Após mais trinta minutos de mapeamento, resolveram voltar ao ponto de encontro que haviam definido e escolheram um local descoberto por Jason, Emmy e Luiz, uma pequena gruta no alto da colina de pedras bem escondida, apenas com acesso frontal e possibilitando o grupo ter uma vista panorâmica do local, sendo impossível de serem surpreendidos enquanto descansavam.
Encontraram alguns pedaços de madeira na galeria e até pensaram em iniciar uma fogueira para aquecer seus corpos e iluminar o local, mas logo desistiram da ideia para não atrair nenhuma criatura. Resolveram comer apenas algumas frutas e peixes enlatados com biscoitos e alguns pães que sobraram. A comida que levaram já estava acabando, pois as outras mochilas com os mantimentos haviam ficado no submarino, e agora com mais uma boca para alimentar, tiveram que racionar comida. Pelos cálculos de Emmy, teriam suprimentos para apenas mais uma alimentação. Rezou para que não ficassem muito mais tempo debaixo daquela depressão ou teriam que procurar por comida naquele maldito lugar.
Jason e Walter ficaram no primeiro turno de vigília, enquanto o restante do grupo caiu em um sono merecido. Vigiariam pelo menos por três horas, e então os dois passariam seus bastões para Frank e Barbara que passariam na sequência para Emmy e Luiz, tendo cada integrante dormido ao menos seis horas para recuperarem totalmente suas energias.
As primeiras três horas voaram para o casal de amigos, pois, quando perceberam, já estavam os chamando para trocarem de lugar no patrulhamento.
— Que loucura isso tudo, né? — disse Barbara baixinho para não atrapalhar o sono dos demais.
— Nem me fale, Bah. Até agora não acredito onde nos metemos.
— Pois é! Isso tudo tá parecendo um sonho. E algumas vezes um pesadelo. Será que dormi em casa enquanto assistia as minhas séries e estou dentro dele? — disse Barbara, querendo fazer graça.
Frank riu e lembrou do jeito que chegou eufórico na casa da amiga. Estava tão confuso com a pedra e com a oportunidade de descobrir onde seu pai estava que nem havia dado oi para a garota.
— Você acha que iremos encontrar meu pai? — perguntou o jovem com uma cara de cansado.
— Lembre-se do que o velho Bolduf nos disse, a esperança é o que vai nos mover aqui dentro. Não devemos perdê-la nem deixar de acreditar, pois é a maior força que existe, depois do amor, claro — disse a garota encostando sua cabeça no peito do jovem rapaz.
Frank começou a acariciar os cabelos castanhos de Barbara com seus dedos, enrolando algumas mechas formando lindos cachinhos. Seus cabelos, por incrível que pareça, assim como a pele de Barbara, ainda estavam com um cheiro maravilhoso, mesmo depois de tudo o que haviam realizado nesse dia. Parecia que seus sentidos estavam mais sensíveis, pois Frank sentia o pulsar do coração da garota, que, assim como o dele, estava em ritmo acelerado.
Pegou a mão de Barbara e começou a acariciá-la, fazendo movimentos circulares, depois a dar pequenos apertos com um pouco mais de força até entrelaçar seus dedos com os dela. Relembrou do lance que tiveram no hotel e a vontade de descobrir o gosto da boca da garota foi ficando cada vez mais forte. Por um momento, esqueceu que estavam vigiando para que os outros pudessem descansar em paz e quase se perdeu na desesperadora vontade de beijá-la, mas conteve seus impulsos, voltando a ficar mais relaxado.
Barbara percebeu que Frank havia desistido de beijá-la, para sua frustração. Tinha quase certeza de que ele a pegaria com força e lhe daria aquele beijo de cinema, mas ficou apenas no desejo. Será que era só coisa de sua cabeça e o melhor a se fazer era esquecer do que aconteceu no hotel? Não parava de se perguntar quando Frank quebrou o gelo do momento:
— Quanto tempo você acha que já passou desde que começamos a ficar de vigia?
— Verdade, como que Jason e Walter fizeram para calcular o tempo já que não temos nenhum relógio que funcione? — perguntou Barbara.
— Acho que foi pelo feeling. Tenho a sensação que saberemos quando for a hora de fazermos a troca.
— Você está cansado?
— Não, na verdade, por mim levantaríamos acampamento agora mesmo.
— Eu imagino a sua ansiedade para encontrar seu pai e descobrir o que aconteceu com ele.
— Sim, é meio angustiante saber que meu pai esteve por essas bandas e sequer descobrir alguma pista que me leve até ele.
O casal de amigos ficou por mais uma hora conversando, e se acariciando, quando resolveram chamar os próximos sentinelas.
Luiz e Emmy se levantaram, após terem tomado um susto com a presença de Barbara. Naquela gruta em que estavam, não havia um sinal de luz, o que era bom para passarem despercebidos por quem, por ventura, passasse pelo local. Assim que chegaram onde Frank estava, tomaram seu lugar e o rapaz voltou para descansar mais algumas horas junto de Barbara e os outros.
— Então você é um dos meninos desaparecidos em Guam? — perguntou Emmy, querendo saber um pouco mais da história de Luiz.
— Sim. E você é a filha do famoso chefe Jason! — exclamou o garoto.
— Pois é — respondeu Emily com um sorriso de canto. — Você é de qual lugar da Ilha?
— Moro em Mangilao, bem próximo da Universidade de Guam. Meus pais são professores lá — respondeu o menino com uma voz embargada, imaginando o que seus pais estavam passando procurando por ele.
— Eu morro de vontade de estudar naquele lugar. É meu sonho! — disse Emmy, tentando fazer com que Luiz parasse de pensar em seus parentes.
— Eu também quero poder estudar lá. Qual curso você quer fazer?
— Sempre quis estudar Biologia, entender como cuidar dos seres habitantes dessa nossa maravilhosa ilha, e você?
— Eu também! — respondeu o garoto. — Sempre foi meu sonho conhecer a respeito da vida. Nossa, muita coincidência. Quantos anos você tem, Emmy?
— Faço dezesseis daqui um mês. E você?
— Acabei de completar também dezesseis anos. Então, se conseguirmos voltar pra casa, iremos estudar juntos.
— Claro que iremos voltar. Confie no meu pai, que quando ele diz que irá salvar todos os seus amigos, pode botar fé.
— Não tenho dúvidas. Mas é que passei por tanta coisa que acabei perdendo um pouco da esperança.
— Como foi que sequestraram vocês?
— Então, como moro na parte central da ilha, todo fim de semana eu e um grupo de amigos nos reuníamos para desvendar os segredos da caverna Marbo e sua região. Já esteve lá?
— Sim, uma vez quando era pequena, fui com meu pai e minha falecida mãe. É um lugar encantador.
— Dizem que as águas azuis turquesas são mágicas e terapêuticas. No entanto, íamos todos os finais de semanas para explorar os sistemas de cavernas submersos. Muitas pessoas não sabem, mas as águas dessa gruta são muito profundas e com muitas passagens subterrâneas. Somos considerados os melhores exploradores dessa região, sendo muitas vezes contratados para servirmos de guia para alguns turistas.
— Que legal, um dia vou querer contratar seus serviços — disse Emmy, ficando rosada por se auto convidar.
— Te levarei com o maior prazer — falou Luiz flertando com a encantadora filha de seu herói. — Então, um sábado desses saímos muito cedo de nossas casas e nos encontramos em frente à universidade com destino à caverna Marbo. Foram algumas horas pedalando nossas bicicletas até chegarmos ao local, que estranhamente encontrava-se deserta. Paramos nossas bikes e entramos na caverna, chegando até a plataforma que foi construída durante a guerra e que serve de apoio para os turistas que visitam o local. Novamente, repito que achei muito estranho àquela hora não ter uma alma viva em um dos destinos mais cheios da região. Foi então que pegamos nossas mochilas para colocarmos os equipamentos de mergulho, e depois não lembro de mais nada, somente de acordar acorrentado aqui dentro, junto dos outros garotos que estavam me acompanhando em nossa aventura.
— Nossa, que triste o que aconteceu com vocês. Por que acham que foram sequestrados?
— Tentei criar várias hipóteses para isso, mas a que me parece mais certa é que nossa fama tenha chegado aos ouvidos do general que comanda a expedição maligna e resolveram nos sequestrar para ajudá-los na busca à pedra elementar da água.
— E como será que eles trouxeram todos vocês até aqui? Por exemplo, nós viemos por um submarino, mas até agora não sei como, porque na verdade estávamos em outro local, no fundo da Fossa das Marianas, e do nada dormimos e acordamos aqui.
— Sério? Que legal. Sempre ouvi falar da depressão no fundo do oceano e que foram poucas as pessoas que chegaram até lá.
— Sim, nós fomos com o submarino que te falei, mas este desapareceu de repente e acordamos aqui, na entrada dessa caverna — explicou Emily.
— Então, Emmy. Na verdade, eu não sei como nos trouxeram, e nunca nos falaram nada. Eu já acordei aqui, com praticamente a picareta em minha mão e a corrente em meus pés. Tentei diversas vezes arrebentar a corrente, mas sempre tinha um desses Peixomens em meu encalço, até que escapei e o resto da história você já sabe.
— Sei e vou concluí-la dizendo que iremos resgatar seus amigos, voltaremos para Guam, estudaremos juntos e nos tornaremos grandes biólogos — acrescentou a garota, estampando um sorriso e uma pontada de esperança no coração do menino.
— Que assim seja! — agradeceu Luiz.
Foi então que ouviram, um pouco distante, alguns passos vindo na direção deles. Emmy foi correndo acordar os outros, tropeçando sem querer em Jason, que levantou e a pegou pelo braço com um pouco de força.
— Emmy, é você? O que houve?
— Ouvimos passos de alguém se aproximando.
O grupo levantou correndo, pegaram suas coisas e se aproximaram da entrada da gruta onde Luiz estava à espreita. Fixaram seus olhos naquela baixa iluminação, onde puderam contar dois Peixomens e um Grimlock a uns trinta metros de distância. Parecia que o ser cego era quem farejava os transeuntes, enquanto os outros dois homens-peixes os procuravam pela escuridão. Notaram que os seres mutantes tinham extrema facilidade em andar no escuro e então Jason concluiu que eles deviam enxergar bem em qualquer tipo de iluminação, tornando ainda mais difícil continuarem escondidos por muito tempo. Teriam que aproveitar ainda essa vantagem para atacarem os inimigos primeiro.
Recolheram todas as pedras que podiam carregar, aguardando o sinal de Jason para atirarem em cima das criaturas. Emmy, carregando mais detritos de rocha que suas mãos conseguiam carregar, deixou cair algumas que rolaram por entre as pedras abaixo deles, alertando os monstros, que viraram suas cabeças para o alto, onde puderam ouvir em alto e bom som uma voz grave que gritava:
— AGORA!
As criaturas viram então iniciar uma chuva de pedras passando próxima deles, atingindo algumas estalagmites que cresciam naquele solo rochoso, além de duas pedras que passaram zumbindo em suas orelhas. Os Peixomens conseguiram desviar de quase todas as munições dos humanos, com exceção de algumas que atingiram seus braços e tórax sem grandes estragos, já o Grimlock não teve tanta sorte, por ser uma criatura cega e pesada, pouco conseguiu se esquivar. Três robustas rochas bateram em sua cabeça, o derrubando com tudo ao chão, sem chances de travar qualquer batalha ao lado dos outros seres malignos, largando o machado de pedra afiado que carregava ao lado de seu corpo.
Ouviram então gritos vindo dos Skums, aumentando a velocidade ao subir a montanha de pedras. "Não resta tempo e o confronto corpo a corpo é inevitável", pensou Jason.
— Pessoal, fiquem atrás de mim e se preparem para a briga — disse o chefe, retirando duas adagas que estavam guardadas às costas dele e entregou uma para Walter, que a pegou e se colocou em formação de ataque.
— Vou arrancar as escamas desse peixe à força. Será que a carne deles é saborosa como salmão? — zombou Walter.
— Acredito que esteja mais para um baiacu, com seu veneno mortal — retrucou Jason.
— Crick, crick, vocês não vão escapar dessa vez, estão encurralados, crick, crick — disse uma voz ameaçadora já conhecida pelo grupo.
Então, saltando para cima do grupo, apareceram os dois monstros armados com uma lança e uma adaga, surpreendendo quem estava distraído. Não era o caso de Jason e Walter, que com um golpe acertaram de raspão parte do braço de Zigam, o perseguidor de Luiz.
— Cuidado! — gritou Jason. — Eles são escorregadios como peixes.
Com um rápido movimento, outro Peixomem rodopiou sua lança e quase a enterrou no peito de Jason. Não fosse por seus treinamentos de guerra realizados toda semana em Guam, já estaria morto. O guerreiro esquivou-se do ataque e, com uma agilidade incrível, agarrou o braço do monstrengo enquanto Walter cravava sua adaga nas costas do escravo do mal. Tentou, por sua vez, arrancar a lâmina presa naquelas escamas grudentas, quando foi surpreendido por Zigam, sacando sua faca e acertando a perna de Walter, que caiu ao chão no mesmo instante, sentindo seu membro latejar. O sangue escorria devagar, mas a dor era insuportável, como se houvesse algum tipo de veneno na lâmina. O Peixomem chegou mais perto do avô de Frank para dar seu golpe de misericórdia, quando foi interceptado por uma pedra que acertou sua cabeça com pouca força.
— Deixe meu avô em paz! — dizia uma voz feminina no escuro da masmorra. O Skum atordoado se virou e fulminou Barbara com seus olhos de peixe esbugalhado, admirando a audácia e a coragem da garota, que não duraria nem dez segundos contra ele. Levantou sua faca para acertar o peito da jovem quando sentiu um forte solavanco e alguém subir em suas costas, agarrando seu pescoço e gritando em seus ouvidos:
— Ninguém mexe com a minha garota!
Frank, de posse de uma robusta pedra e uma raiva avassaladora nunca antes vista por Barbara, atacou o homem-peixe três vezes com toda a força que tinha, atingindo a cabeça da criatura, fazendo-a apagar na hora. O monstrengo caiu ao chão bem próximo a Walter, que a cada minuto sentia sua vida sendo retirada dele, por conta da grande quantidade de sangue que insistia em sair do pequeno, mas mortal, corte criado pela adaga envenenada daquele Skum.
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