Capítulo 17 - Bolduf: O sábio Delver
— Mais um ser bizarro! Tá me parecendo uma grande pegadinha isso tudo aqui, ou estamos dentro do sonho de um grande lunático — blasfemou Walter, incrédulo com o que acabara de ver.
Realmente aquilo que lhes parecia uma rocha com dois metros de comprimento, de pele marrom meio manchada e brilhante devido a um muco que o recobria. Tinha começado a se mexer e aos poucos aumentar de tamanho. Nas extremidades, surgiram duas nadadeiras com seis garras pretas desgastadas de tanto raspar contra o chão em que descansava, a fim de extrair algumas pedras para devorá-las.
— O que um Escavador, ou melhor, um Delver faz? — perguntou Frank.
— Eu me alimento de uma massa resultante das rochas que são dissolvidas nesse limo que recobre meu corpo. Por isso escavo esses deliciosos pedregulhos — disse a tal rocha com uma voz arrastada e cansada, como se muitos anos houvessem passado em sua longa vida subterrânea. — Estou nessa caverna há mais tempo que qualquer ser vivo que vocês conheçam ou tenham lido a respeito. Conheço todas as passagens e galerias desse submundo, sendo eu o grande responsável por criá-las.
— Onde estamos exatamente? — perguntou Barbara ao ser que lhe parecia pacífico.
— Adoraria lhes contar, mas, antes, vocês poderiam me dar algo para comer? Estou cansado dessas rochas comuns. Já as como por muitos e muitos anos! Queria uma iguaria melhor, mais rebuscada e apetitosas. Uma gema preciosa, como essa que um de vocês carrega em seu bolso. — disse o monstro, deixando-os aflitos.
— Desculpe, meu amigo, mas eu não posso lhe oferecer essa pedra. Ela é o motivo de estarmos aqui, nesse fim de mundo — disse Frank, retirando-a do bolso e mostrando para a bizarra criatura.
— Então essa é a lendária pedra elementar, mais precisamente a do elemento água. Existem ainda as do elemento fogo, terra e ar. São pedras antigas que emitem algum tipo de poder a quem a possui — explicou Bolduf.
— E o que eles querem com essa pedra? — perguntou Frank.
— Primeiro me deem algo para comer — exigiu o sábio monstro.
O grupo revirou seus bolsos na intenção de encontrar algo para dar ao gigante de pedra, mas não havia nenhuma pedra preciosa, apenas moedas do bolso de Walter que haviam sobrado do troco do táxi que os levou à Gef Pa'go.
— Hum, esses petiscos me parecem apetitosos — completou Delver, devorando-as como alguém que comesse amendoins. — De acordo com a antiga profecia quando juntarem as quatro pedras elementares algo será revelado.
— Quem está atrás dessas pedras? — questionou dessa vez Walter, recuperando a crença nos acontecimentos fantásticos que ultimamente os rodeavam.
Bolduf se virou para Walter como se pedisse por mais aperitivos deliciosos, mas o bolso do idoso havia se esgotado.
— Sem comida, sem informação — afirmou a criatura com uma voz doce, porém firme.
— Nos fale então ao menos qual caminho desses três seguir? — suplicou Barbara.
— Sem comida, sem informação — insistiu novamente o tal Delver.
— Ah, nunca iremos conseguir arrancar qualquer informação dessa montanha de pedra e gosma sem cérebro — retrucou Frank sem paciência.
— Cuidado com o que você diz, meu jovem humano. Nós escavadores somos pacíficos, mas, se precisarmos, enfrentamos qualquer um em uma luta para defender nossa honra. E você não gostaria de digladiar com uma pessoa que já viveu mais de seis mil anos.
— Desculpe-me — disse o garoto. — Não foi minha intenção ferir o intelecto e a honra de ninguém. É que quanto mais o tempo passa mais distante estaremos para encontrar meu pai.
— O tempo é relativo, dependendo das diferentes perspectivas que se estão.
— Bom, não temos mais nada a lhe oferecer. Vamos embora daqui e deixamos esse devorador voltar a comer suas pedrinhas — disse Walter bravo.
O grupo resolveu levantar e pegar suas coisas para partir pela passagem central quando foram interrompidos por uma voz adolescente:
— Esperem! — exclamou Luiz, colocando uma de suas mãos em seu bolso e retirando uma pequena pedra vermelha que devia medir em torno de quatro centímetros, lapidada pela natureza em perfeita simetria. — Eu encontrei esse diamante vermelho enquanto fazia minhas escavações à procura da pedra do elemento água. Pensei em guardá-la com a esperança de sair um dia daqui e dar uma vida digna para minha família, mas não teria melhor oportunidade de utilizá-la do que agora para salvar meus amigos das garras daqueles seres malignos.
— É muito gentil de sua parte, nobre rapaz. Você tem certeza disso? — perguntou Jason.
— Sim, sempre pensei primeiro em mim para depois pensar nos outros. Hoje é o dia de me redimir de todos os pecados que cometi e iniciar uma nova vida — disse o garoto, jogando uma das pedras mais preciosas do mundo na boca da criatura, que saboreou cada pedaço como se nunca tivesse experimentado tamanha delícia.
— Seu nome é Bhaltair Arasgain — proferiu as palavras após um longo período mastigando e degustando aquela rara e caríssima joia vermelha.
— Quem é esse senhor? — questionou Frank.
— A pessoa que está atrás das pedras lendárias — explicou a criatura. — Ele é um druida antigo, que há muitos anos foi amaldiçoado por um ser maligno e desde então nunca mais viu a luz no final do túnel. Muitos acreditavam que a vida eterna concedida lhe era uma dádiva, um presente dos deuses, mas após longos anos enterrando seus amigos e amores que a vida lhe concede, você acaba descobrindo que é a maior maldição que alguém pode receber. Foi o que aconteceu com o caridoso ancião. Já fora conhecido como o grande druida Maitheas, grão-mestre dentre os povos celtas da antiga região da Irlanda. Um dia, revoltado por ter enterrado seu maior pupilo e ter que carregar a culpa pelo resto de sua imortal vida, teve seu coração dominado pela completa escuridão, se tornando o temido Bhaltair Arasgain. Foi então, através do uso de magia negra, que conheceu a profecia das lendárias pedras elementares, a qual dizia que ao juntar as quatro poderosas pedras no primeiro pôr do Sol de Samhaim...
— O que é Samhaim? — atravessou Barbara curiosa com a história contada pelo ancião.
— Samhaim era o festival celta que comemorava o fim do ano velho e o começo do novo ano. Era o primeiro dia do início do inverno, onde acreditava-se que algumas almas dos mortos retornavam às suas casas. A fronteira entre o mundo real e o outro mundo desaparecia, assim como quando vocês atravessaram aquele portal na Fossa das marianas e adentraram nessa caverna mágica! Não disse pra vocês que eu sei de tudo? — lembrou Bolduf, se vangloriando a cada palavra dita. — Assim como o mago, eu também possuo a imortalidade, mas tendo comida para me alimentar, eu vivo em paz, e aqui nessa caverna eu estou há muitos e muitos anos, vivendo um dia após o outro, sem pressa, apenas curtindo alguns minerais deliciosos — explicou o ser com aquela voz rouca e cansada de quem já comeu muitas pedras em sua longa e pacífica vida.
— Obrigado pela explicação. E, então, o que dizia a profecia? — resmungou Walter, olhando para Barbara de maneira que dissesse para não interrompê-lo novamente.
— Sim, então, dizia que se juntasse as quatro pedras elementares no primeiro pôr do Sol de Samhaim, uma quinta pedra seria revelada. Nunca ninguém teve contato com esse artefato raro, nem mesmo seres como eu tiveram a chance de tocá-la, por mais que me pareça ser deliciosa. Dizem que o quinto elemento se chama éter, que é o material que preenche a região do Universo acima da esfera terrestre. A quintessência é o elemento mais poderoso de todos, sendo até mesmo capaz de destruir o Universo inteiro.
— E o que Bhaltair Arasgain quer fazer com o quinto elemento? — perguntou Frank.
— Você gostaria de explicar para seu amigo, jovem donzela? — interpelou o Delver, se voltando para Barbara, sabendo que a garota já havia matado a charada.
— Ele quer utilizar esse enorme poder para acabar com sua maldição e pôr um fim definitivo em sua miserável vida.
— Então não vejo mal algum. Ele destruindo sua vida é menos uma pessoa cruel no mundo — ironizou o jovem Luiz.
— Mas se ele utilizar a pedra para esse fim, demandará uma enorme energia, destruindo de vez o planeta, e, dependendo do tamanho desse poder, todo o Universo que o cerca — reforçou Barbara.
— Exatamente! Esses são os planos de Bhaltair Arasgain, a escuridão tomou conta de todo seu coração e sua mente, agora sua prioridade é dar fim a tudo o que odeia, e sua detestável vida é a principal. Foi por isso que seu pai esteve nessa caverna há algum tempo, garoto. Mas as coisas não aconteceram conforme o esperado e cabem a vocês seguirem pela passagem à esquerda, e avançar com seus planos. Há muitos caminhos ainda a percorrer, e o maior sacrifício ainda está por vir, mas lembrem-se sempre que a esperança é a maior força que existe.
— Peraí, senhor. Fale mais sobre meu pai, por favor — suplicou Frank.
— Isso é tudo o que eu tinha para lhes falar. Agora irei me retirar para hibernar em um longo sono por muitos anos. Só mais uma coisa, lembrem-se de tomarem cuidado com alguns outros seres que povoam as profundezas dessas cavernas. Eles podem estar disfarçados e passarem despercebidos por vocês assim como eu. Nem todos são pacíficos como este pobre velho que de tanto comer rocha acabou se tornando uma. Bom, se vocês não conseguirem salvar a humanidade, foi um prazer conhecê-los — murmurou o velho Bolduf, fechando seus olhos e se recolhendo como se fosse novamente uma grande rocha empoeirada no meio da trilha.
Os seis humanos se entreolharam e tentaram digerir toda a informação que aquele ser lhes havia dado. De acordo com ele, o caminho ainda era longo e não tinham tempo a perder, arriscariam suas vidas pela jornada que aquele velho sábio tinha lhes sugerido.
— Será que quando ele pediu para comer a pedra que estava no bolso, ele não se referia ao seu, Frank, e sim a do Luiz? — indagou Barbara.
— Não sei. Existem seres extremamente desenvolvidos e inteligentes que me dá até medo de pensar. Onde será que está meu pai? Por que ele não me contou? Será que ele morreu e o Delver não quis me contar para não atrapalhar nossa jornada?
— Acredito que não, Frank. A cada vez que entramos mais fundo nessa caverna, sinto o meu coração apertado e batendo acelerado — interveio seu avô, colocando uma mão em seu ombro.
— Eu também, vovô. Cada hora que passa eu tenho a sensação que chegamos mais próximo de desvendar o maior mistério de toda a nossa vida.
— Por ora, vamos seguir em frente — disse Walter. — Mas estejamos preparados, pois agora eu não duvido de mais nada. Estou com a mente aberta para o que vier.
— Vocês irão ajudar a libertar os outros? — implorou Luiz aos cinco novos amigos.
— Claro que sim, Luiz. Depois do sacrifício que você fez para salvar a todos, essa se tornou nossa principal missão. Pode contar conosco, certo pessoal? — perguntou Frank.
Todos deram as mãos uns aos outros levantando-aspara o alto. Aos integrantes do grupo, pareceu apenas um gesto de uma equipeunida, mas não para Bolduf, que sorriu com o canto dos lábios ao ver o grupoformar uma estrela de seis pontas, conhecida também como estrela de David, umsímbolo de proteção extremamente antigo, cujo propósito é de conectar ofeminino com o masculino, representando a união dos dois opostos, assim como aligação entre o céu e a Terra, a água e o fogo, e mais tantos outros. Aquelegrupo tinha algo de especial e uma enorme força oculta, que com o tempo viria aser revelada para alguns dos integrantes. Enfim, a profecia iria se realizar!
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