Capítulo 16 - A fantástica revelação

Era notável que o menino estava delirando, pois devia estar perdido naquela caverna aterrorizante há algum bom tempo, devido às condições das roupas que estava usando, sujas e rasgadas. Emmy abriu sua mochila, retirou um embrulho que tinha guardado desde que havia acordado na madrugada, antes de partirem no submarino com destino a fossa das Marianas, e entregou para que o garoto comesse, acordando-o com suas delicadas mãos. Ele não se fez de rogado e atacou o lanche como que se não visse um pão há muito tempo.

— Precisamos sair daqui! Walter, leve consigo o garoto, que eu levarei Frank. Nos abrigaremos em algum lugar mais tranquilo e então tentaremos entender o que se passa aqui no subterrâneo da Terra.

Walter, concordando com o chefe, levantou o menino que devia ter por volta de 1,68m de altura, ajudando-o a caminhar por entre as rochas e estalactites. Andaram desse jeito por uns vinte minutos até encontrarem uma gruta, com pouca umidade aparente e algumas rochas onde puderam sentar e conversar a respeito dos últimos acontecimentos.

— Peixomem? O que é isso?

— Olha, eu também não sabia que existia até me deparar com um. Como eu posso explicar? Peixomem é um monstro aquático asqueroso que, pelo que me parece, vive no mundo submerso, uma mistura de homem e peixe, isso mesmo, um homem-peixe bem forte, com cauda e de pele lisa, e que deve ter aproximadamente a minha altura. Nós os chamamos assim por conta de sua aparência, mas alguns deles disseram serem da espécie chamada Skum. Estes estão atrás de mim desde que fugi do trabalho que me forçaram fazer.

— Nós? Peraí, vamos com calma. Quem é você e como veio parar nesse fim de mundo? — questionou Frank.

— Você, garoto, é um dos jovens desaparecidos da ilha de Guam, certo? Vi algumas imagens espalhadas em postes na Vila Inarajan — perguntou Walter.

— Sim, confirmou o menino. Meu nome é Luiz Garcia, fomos sequestrados e aparecemos aqui no meio da noite. Nenhum dos garotos lembra como fomos arrancados do lugar que estávamos, apenas de acordarem nesse local escuro e deprimente, sendo forçados a trabalhar quebrando rochas e mais rochas desde então.

— Mas vocês estão quebrando essas tais rochas para quê? — rebateu Jason.

— Então, não nos dizem muito, só sabemos que estão procurando uma tal pedra azul, ou algo do tipo.

— Quem está atrás disso? Quem os sequestrou? — perguntou Frank, levantando-se e se aproximando do garoto.

— Então, é aí que entra a história dos Peixomens. Pelo que entendi, eles estão às ordens de algum superior, mas que felizmente não nos foi apresentado e, pra falar a verdade, prefiro nem conhecer.

— Onde estão o restante dos garotos? Vocês são em quantos? — Barbara se dirigiu ao rapaz pela primeira vez.

— Então, eu estou foragido há algumas boas horas, aqui embaixo é difícil de medir distâncias e tempo, mas posso garantir que estamos muito longe. Somos em doze no total, separados em dois grupos. Um grupo ficou na ala leste e a outra na ala norte.

— Como assim? — perguntou novamente a garota.

— Pelo jeito essa caverna é maior do que estamos imaginando — afirmou Walter.

— Então, eu estou vindo da ala leste. Dois Peixomens vieram atrás de mim, mas ainda ficaram uma dessas aberrações e um Grimlock cercando os outros garotos, para que estes não largassem as picaretas e para chamar reforços.

— Como é? Grimlock? — Emmy, que estava quieta, se prontificou a perguntar, já sem unha de tanto que havia roído com a história contada pelo garoto.

— Sim, são seres fantásticos e monstruosos que também estão nessa caverna. Não sei como apareceram, mas não são nada agradáveis de se ver — admitiu o garoto.

— Estou achando que você não está nada bem, rapaz. Que história bizarra é essa de seres fantásticos, animais estranhos, soldados meio humanos, meio peixe? Vamos parar com isso e diga a verdade — contestou Walter sobre a invencionice do menino, concluindo que estivesse projetando uma história para não contar a realidade.

— Mas é verdade. Eles conversam entre si e por conta disso que fiquei sabendo como se chamam as raças deles. Não são amigos e a toda hora se provocam e ameaçam acabar um com o outro, apenas se suportando por estarem à serviço de alguém mais poderoso. Aproveitando a distração de um dos Peixomens que estava próximo a mim, saí correndo e passei muito perto do Grimlock, mesmo este sendo cego e tendo o olfato e a audição extremamente aguçados, não percebeu minha presença, minha sorte.

"Então eu corri, corri sem olhar pra trás. Notei que dois deles estavam me alcançando e acelerei meus passos, conseguindo me esconder por detrás de uma enorme rocha. Então ouvi os passos dos perseguidores correndo para outro canto.

"Aguardei alguns minutos e, quando a poeira abaixou segui meu caminho mais tranquilamente. Porém não havia percebido que um deles tinha ficado para trás, na retaguarda, para me procurar e, por sorte do destino, não trombei com aquele monstro como fiz com esse grandalhão — disse Luiz, apontando para o chefe Jason, arrancando um pouco de gargalhadas do grupo. — É que as vezes sou meio atrapalhado mesmo. Bom, mesmo com a ótima visão que essas criaturas possuem, não fui notado por ele, passando lentamente até o outro lado e então disparei a correr.

"Pude ouvir os gritos assustadores deles que se puseram a correr novamente ao perceberem minha presença. Dei tudo de mim nessa corrida insana a favor da minha vida, quando então passei por uma outra galeria e mais outra, até chegar em um corredor de pedras. Acelerei meus passos e ouvi, já de longe, eles entrarem nesse túnel e algumas rochas caírem por detrás deles, selando de vez a passagem de volta. Sem saída, continuei pelo escuro túnel até chegar em um salão onde havia uma outra passagem à esquerda, como uma bifurcação, e resolvi seguir por essa direção.

"Saí em uma galeria, já iluminada por esses insetos no teto e me escondi por detrás de um amontoado de rochas. Então avistei a chegada desses seres malignos. Eles haviam me seguido por esse túnel, como se farejassem cada passo meu. Foram de um lado para outro me procurando, até o final dessa galeria. Tentei desviar o olhar para não entrar em pânico, quando reparei ao longe que haviam duas pessoas abaixadas olhando para algo no chão na saída do túnel.

"Tentei me aproximar, mas reparei que os peixes estavam bem próximos a mim e me mantive no mesmo local. Logo apareceram mais três pessoas que se juntaram aos outros dois. Foi aí que reparei que os Peixomens já não me procuravam mais, pois estavam olhando para a direção das pessoas, querendo iniciar um bote às escondidas contra eles. Não pensei duas vezes e atirei um pedaço enorme de uma pedra na direção deles para distraí-los, mirando em suas cabeças.

"Parece que a rocha atacada teve o efeito que eu esperava, pois um deles caiu no chão no mesmo instante. Olhei em volta e as pessoas haviam sumido do mesmo jeito que apareceram. Olhei novamente para os dois seres e o que caiu no chão não se levantou mais, deixando seu companheiro babando de raiva, e então esqueceu por um instante o grupo voltando suas atenções para mim, pois iria pagar pela morte de seu companheiro sobrenatural. Eu o vi se esgueirando por entre algumas rochas com uma incrível facilidade, ao mesmo tempo que me encolhia para não ser encontrado.

"Quando este já estava há poucos metros de distância, peguei a primeira pedra que encontrei solta e a arremessei com força para o mais longe que consegui, produzindo um leve som de deslizamento de pedra, suficiente para confundir o ser e conseguir fugir. Foi então que corri em direção ao caminho que aquele grupo havia feito, enxergando duas pessoas ao longe adentrarem uma lagoa e desaparecerem de vista.

"Seguindo da mesma estratégia, mergulhei na água, que, de tão escura, não conseguia enxergar um palmo a minha frente. Segui mesmo assim apenas para me esconder ao máximo daquele bicho repugnante, até que, por sorte, me dei conta de estar em uma outra galeria, pouco menos iluminada que a anterior, mas pelo menos ganharia tempo daquele monstro perseguidor. Corri olhando para o chão com medo de tropeçar nessas pedras, quando então acabei trombando no grandalhão ali — disse o jovem, apontando para o forte homem, não percebendo se tratar do famoso chefe Jason.

O garoto parou de falar para encher seus pulmões com o oxigênio, que perdeu de tanto contar seu relato.

— Então foi assim que aquela passagem que vimos estava fechada, papai — lembrou Emmy.

— Mas essa história tá muito estranha! — exclamou Jason. — Eu conheço muitos contos mitológicos proferidos por nossos ancestrais, mas nada em relação a esses bichos que nos contou. Não sei onde estamos, mas nada disso me parece verdade, garoto.

— Eu também não acreditei em uma palavra do que disse — acrescentou Walter. — Não é lógico haver seres desses como você descreveu.

Foi então que ouviram algo saltar da lagoa ao fundo de onde eles vieram, se levantando de onde haviam atravessado para a galeria em que estavam. Começou a caminhar em direção ao grupo, sem pudor de ser descoberto, apenas pela satisfação de causar medo nos humanos ali presentes. Ao passar por uma área mais iluminada por um dos insetos, foi que a equipe viu do que se tratava, um peixe-humanoide, andando ereto em duas patas de garras pontudas e de olhos esbugalhados, seus músculos definidos saltavam de seu corpo magro e escorregadio com uma cauda que se arrastava no chão. De fato, se tratava de um dos seres mutantes que o garoto Luiz havia mencionado. O grupo não acreditava no que seus olhos viam. Colocaram-se em pé frente ao inimigo desconhecido, enquanto o jovem fugitivo se agarrou ao chefe, tentando se salvar das garras do temível monstro.

— Crick, crick, volte aqui, garoto, crick, crick. Temos alguns assuntos pendentes que precisamos resolver, crick, crick — ameaçou o homem-peixe.

— Que diabos é você? — perguntou Walter incrédulo.

— Crick, crick, acredito que esse fedelho já tenha lhes apresentado toda a história — supôs a criatura. — Crick, crick, meu nome é Zigam. Sou o que as pessoas geralmente chamam de Skum ou, vulgarmente, Peixomem. Os da minha espécie povoam os subterrâneos, como essa caverna sem graça. Estamos aqui apenas para cumprir os desejos de quem nos invocou e nos fez de escravos, crick, crick. Me passe esse garoto que pertence a mim.

— Calma aí, aberração — vociferou Jason, levando o garoto às suas costas. — Não sem antes passar por cima de mim.

Frank, que estava no chão, se levantou, cerrou os punhos e se juntou ao líder:

— E por mim.

— Por mim também — gritou Barbara, se enchendo de coragem, sendo seguida por Emmy.

— Pode vir cabeça de bagre — zombou Walter.

Vendo que o cerco estava armado, o ser aquático recuou alguns passos virando-se para trás e correu para outra direção, resmungando palavras em uma língua desconhecida. O peixomem deslizou por entre as pedras e estalactites, desaparecendo na escuridão do fundo da caverna.

— Isso aí, seu covarde. Vá correr para seu bando — gritou Luiz, dessa vez, com uma ponta de felicidade estampada em seu rosto.

— Acho que todos nós lhe devemos desculpas por termos duvidado de sua história — admitiu Emmy, olhando para o jovem garoto. — Meu nome é Emily, mas todos me chamam de Emmy. Somos da vila de Inarajan. Esse é meu pai, Jason, o chefe da tribo.

— O senhor é o incrível Jason, herdeiro de Gadao, o grande? — perguntou Luiz, admirado em conhecer uma lenda viva nos dias atuais.

— Incrível foi essa história que você nos contou, garoto. Ainda estou digerindo o que aconteceu aqui — respondeu o líder do bando, esticando sua mão para cumprimentar o menino. — Pode me chamar apenas de Jason.

O garoto agarrou sua mão como se estivesse cumprimentando um super herói de longa data.

— Sabemos agora que ele irá voltar com mais alguns capangas, precisamos estar preparados e atentos — ponderou Walter.

— Sim, mas agora sabemos com quem estamos lidando — alertou Jason. — Melhor sairmos logo daqui. Se este ser consegue farejar o artefato de Frank, logo nos alcançará. Temos que surpreendê-los antes que eles os façam primeiro.

Continuaram, então, percorrendo o mesmo trajeto que o monstro fizera para fugir, pois era o único caminho a seguir. Um denso campo de estalactites esmagadas forjava uma trilha por entre as florestas de pedras, como se algum gigante as tivesse pisado. Andaram por esse caminho por alguns minutos até chegarem a um paredão de rochas, onde estavam três entradas de túneis totalmente escuras. Não era possível escutar nada na entrada das passarelas, tampouco enxergar algo.

Pararam então para conversar e decidir por onde deveriam prosseguir. Dessa vez, concordaram em não separar o grupo, sabendo que o perigo era enorme, e seriam mais fortes se estivessem todos juntos, mesmo que tomassem o caminho errado. Resolveram seguir pela passagem do meio, mas, antes, descansariam alguns minutos.

— Você chegou a ver meu pai? — perguntou Frank virando-se para Luiz. — O nome dele é Douglas.

— Não conheci ninguém além de vocês, os seres asquerosos, e os garotos que vieram comigo. Ele também foi sequestrado?

— Não sabemos. Ele sumiu há cinco anos e a única pista que temos dele é essa maldita pedra — disse Frank retirando o artefato de seu bolso e apresentando ao garoto.

— É isso! Essa é a pedra que estão nos fazendo procurar por todos os lados! — exclamou o garoto, arregalando os olhos. — O que descobri ouvindo os seres conversando entre eles é que seu superior foi enviado para essa caverna para procurar uma das lendárias pedras elementais. — Ele fez uma pausa e olhou de um lado para o outro. — Pelo que entendi, ele tem um dom de farejar este artefato e nos sequestraram para fazermos o trabalho pesado: minerar a caverna com pás e picaretas.

"Parece que ele sabia onde nós devíamos cavar, pois aqueles monstrengos nos mandaram cavar em uma região da caverna e, após alguns dias de trabalho intenso, encontramos enfim a pedra que procuravam. Porém, descobrimos que ela estava pela metade. Alguma coisa a fez se quebrar, mesmo sendo um pedaço de rocha indestrutível, pelo menos foi o que disseram. Era impossível que estivesse pela metade. Então, nos separaram em dois grupos para procurarmos a outra parte e o restante da história vocês já sabem".

— O que eles querem com essa pedra? — questionou novamente Frank.

— Não sei — respondeu Luiz. — O que sei é que eles querem unificar as duas partes desse objeto para entregar ao mestre deles. Tinha mais alguma coisa, mas não me lembro agora. Aqueles monstros falavam entre eles, e muitas vezes não conseguia ouvir direito ou entender o que diziam.

Frank ouviu atentamente o relato do garoto enquanto levantava seu pé esquerdo para apoiá-lo em uma grande rocha à sua frente quando, subitamente, ouviu uma voz estranha vindo bem próxima dele:

— Se eu fosse você, não faria isso, meu jovem!

Todos se viraram para Frank ao ouvirem a queixa de seu desconhecido interlocutor, quando se deram conta que a estranha voz viera por debaixo dos pés do garoto, percebendo que aquela inofensiva rocha na verdade era outra coisa.

— Quem é você? — questionou Frank boquiaberto, se perguntando se a rocha de fato havia falado com ele.

— Já tive muitos nomes ao longo dessa minha antiga jornada, jovem guerreiro. Muitos me chamavam erroneamente de escavador, pois me alimento de rochas, metais e hum... pedras preciosas. Mas meu nome é Bolduf, da classe dos Delvers, e é um enorme prazer conhecê-los — disse aquela rocha misteriosa com uma voz grave e pausada.

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