Capítulo 11 - Desenterrando o passado
Thomas e seus homens navegaram por longas cinco horas até chegarem ao ponto onde havia acontecido a grande explosão. As embarcações atracaram já ao entardecer e só iniciariam a descida às 06h00 da manhã do dia seguinte. A noite seria longa para os oficiais do corpo de engenheiros da marinha, pois iriam utilizar o tempo para conferir todos os equipamentos que iriam dispor para a descida do almirante e da unidade do corpo de fuzileiros navais. Recarregaram todos os cilindros de oxigênio, calibraram os rádios de comunicação e os computadores de bordo, o pessoal da limpeza tratou de deixar todos os ambientes das embarcações higienizados e descontaminados.
Thomas Wolf e o coronel Oliver, comandante dos fuzileiros navais, se reuniram com os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas por vídeo conferência para debaterem os últimos planos da missão naval. Países como França e Reino Unido pediram cautela para não danificarem o meio ambiente e só atirarem quando fosse de extrema necessidade, último recurso a ser feito. Os outros países concordaram, meio que sem concordar. Mas os EUA deixaram bem claro que, pelo bem de seus cidadãos, e do planeta, não deixariam nenhum ato de terrorismo passar impune.
A reunião, que durou uma hora, acabou justamente no horário que haviam combinado de jantarem no restaurante do Emory S. Land. Antes do general George Nelson e do tenente-general Erik Morgan desligarem, chamaram o contra-almirante Wolf e lhe deram carta branca para fazer o que fosse necessário pelo bem da humanidade e pelos Estados Unidos da América.
Thomas Wolf entendeu o recado e desligou o telefone, não antes de bater continência ao general do exército americano. Enfim, era tudo o que precisava ouvir! Agora, sim, iria comemorar a primeira vitória dessa fatídica missão.
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Chegaram até a lancha onde estavam Walter e Emmy. Jason não sabia quem o projetara, mas este era um submarino diferente dos que tinha conhecimento, sua flutuação era muito estável ao mesmo tempo que podia fazer curvas com muita facilidade, parecia que haviam construído para expedições nas profundezas dos oceanos.
Emergia e submergia com muita precisão nos comandos internos, e sua pressurização era perfeita, sem sentir aquela tontura habitual quando se mergulha muito rápido. Não podia acreditar que o pai de Frank havia usado ou até mesmo construído esse submarino para navegar por entre os mares da região. Seria ele um explorador? Um ladrão, como dizia o tirano oficial. Sempre acreditou em destino, assim dizia seus antepassados, mas nunca imaginou que aquele menino franzino, que conhecera na noite anterior, mudaria sua vida para sempre.
Emily soltou um grito alto assim que viram o veículo submergir até a superfície. O susto foi tão grande que seus olhos se encheram de lágrimas, imaginando ser algum animal gigantesco marinho ou até mesmo tropas de um país inimigo. Ao ver através da esfera de vidro que eram seus amigos, deu pulos de alegria.
— Onde vocês arranjaram esse submarino? — gritou Emmy.
— É uma longa história, filha — disse Jason. — Depois lhe contamos tudo.
Frank ajudou Barbara a sair de dentro do submarino e subir as escadas da lancha, indo logo na sequência.
— Vovô, você não vai acreditar quem esteve nessa embarcação cinco anos atrás! — brincou Frank com ar de alegria e ao mesmo tempo preocupação.
Mostrou o caderno a Walter, que reconheceu na hora ser de seu filho perdido, abrindo o envelope de plástico para mostrar as anotações de seu pai.
— Ele desceu até a Fossa das Marianas nesse submarino? — questionou Walter. — Mas por quê?
— Também não sabemos, vovô. Mas precisamos ir atrás dele.
— Mas a história que vocês nos contaram foi que o forasteiro havia caído no mar e nunca mais encontraram seu corpo — disse o velho olhando para Emily e Jason.
— Pois é, isso foi o que os oficiais nos contaram, mas quem sabe qual é a verdadeira história? — alegou Jason.
— Alguma coisa aconteceu e precisamos explorar a região. Temos o melhor submarino para nos levar até lá, e estamos justamente em cinco pessoas que é a capacidade de tripulantes do veículo! — tomou a frente Barbara, que estava ainda mais fascinada com a história a cada descoberta do grupo.
— Walter, você sabe pilotar um barco? — questionou Jason.
— Com certeza, isso é algo que nunca se esquece — brincou Walter.
— Então faremos o seguinte. Voltaremos até Inarajan em Guam, atracaremos as embarcações e passaremos a noite lá. Partiremos às 03h00 da manhã para dificultar qualquer patrulhamento da marinha. Enquanto isso, pegaremos provisões para essa longa viagem, carregaremos o combustível e os cilindros de oxigênio.
— Sim, senhor! — disseram em coro.
— Então Frank e eu vamos com o submarino por debaixo da água para não criar suspeitas caso o navio da marinha nos encontre novamente e vocês três irão na lancha. Nos encontraremos lá! Vou colocar o rádio do submarino na mesma frequência que o da lancha, caso precisem se comunicar conosco.
E então partiram. Por sorte do destino, não haviam encontrado nenhuma embarcação da marinha no caminho e chegaram na vila uma hora e meia depois de saírem do acesso à Caverna Senhanon em Rota.
Emily lembrou o grupo que essa noite teriam a última apresentação da temporada e perguntaram se topariam irem com eles para ajudá-los com as vendas dos artesanatos produzidos pelos moradores da aldeia e eles mais que na hora confirmaram a presença, deixando a moça extremamente feliz.
Frank, Barbara e Emmy encheram a caminhonete com mercadorias que deixaram os meninos fascinados, tamanha era a perfeição de cada item, produzidos pela comunidade com todo o cuidado e maestria. Walter estava se aprontando para partir com o resto do pessoal quando foi chamado de canto pelo ancião Cadassi, que esteve na reunião pela manhã, dizendo para não ir com os outros porque precisariam conversar de um assunto muito importante.
Os três garotos se despediram e foram para a capital da Ilha com Jason e mais duas pessoas. Walter se encontrou com mestre Cadassi na mesma sala da reunião e o velho pediu para que o avô dos garotos se sentasse em um pano estendido no chão com os olhos fechados e prestando atenção à sua respiração. Começou então a bater com seu cajado na terra seca e proferir algumas palavras em uma língua antiga que Walter não entendia e então parou, ajoelhou de frente para ele e começou a sorrir.
Sorria e sorria cada vez mais com aquela boca na qual lhe faltava a maioria dos dentes, até que soltou um grito e assoprou algumas folhas que possuía em sua mão no rosto de Walter, que se jogou pra trás não curtindo aquela brincadeira de mal gosto. "Foi pra isso que me pediu pra ficar?" — pensou o velho sem pronunciar nenhuma palavra. Foi então que viu uma sombra enorme passando por debaixo de onde estava sentado. Aliás, naquele momento que havia se dado conta de não estar mais na sala com o ancião e sim no mar, dentro de um barco a remo, a uns cem metros da costa. Olhou para seu reflexo nas águas e viu uma criança de doze anos.
Queria gritar, mas a voz já não saía de sua garganta. A sombra chegava cada vez mais perto. O animal era gigantesco. Já ouvira muitas histórias do Megalodon, mas tinha certeza de que estava extinto há milhares de anos. Mesmo que não fosse esse bicho, o que se aproximava de seu barco era algo muito, muito grande e não queria ficar para conferir.
Olhou para o lado e reparou que uma onda vinha forte quebrar próximo de si. Bateu os remos com força para movimentar o barco e aproveitar o impulso das ondas e se afastar do que estava por vir, mas o plano não deu nada certo. Na primeira tentativa, se afastou poucos metros do ponto de onde estava, já na segunda, a onda veio tão forte que o virou, derrubando Walter na água. Este nunca batera tanto os braços quanto nesse dia. Era uma questão de vida ou morte.
Tentou sair dali de qualquer maneira, mas não teve sucesso, antes que pudesse olhar para trás, foi puxado abruptamente para o fundo. Em uma briga louca com algo que não sabia o que era, abriu os olhos com uma coragem admirável e viu uma outra sombra, quase que humana, não fosse pelo par de olhos azuis brilhantes que o encarava profundamente, carregando uma espécie de pedra reluzente em seu pescoço. Dizia que ele deveria voltar às suas origens, controlar seus temores e que não era sua culpa.
De repente, já não estava mais no fundo do mar, e sim no barco de seu pai. Aquele era seu dia de folga, já que a guerra havia acabado e os EUA saíram vencedores. George Payne era um pai adorável e, sempre que podia, levava seu filho Walter para passear, uma vez que o pequeno era louco por barcos e dizia que um dia seria capitão da marinha e lideraria tropas por entre os mares do Pacífico para garantir a paz mundial.
Foi na companhia de seu pai que viu novamente aquela sombra gigantesca se aproximando do barco. Avisara o que vira e George, preocupado, olhou para o oceano, mas nada encontrou. Começou a duvidar da sanidade do filho, pois já não era a primeira vez que Walter dissera ter visto um Megalodon. Houve uma pequena discussão em seguida de um novo clarão que ofuscou tudo em sua volta.
Walter agora se encontrava em uma maca sendo levado para dentro de uma sala, aos berros, por enfermeiros e médicos do hospital. O garoto estava sendo internado para tratamento psiquiátrico, uma novidade na ilha bancada pelo governo para oficiais e familiares que estiveram na guerra. Sentia aos poucos seu corpo se acalmar e começou a relaxar. Eram os fortes remédios fazendo efeito. Então, sentiu uma poderosa energia percorrer cada pedaço de seu jovem corpo, fazendo-o tremer da cabeça aos pés. Ainda não tinha completado quatorze anos e já estava recebendo altas doses de choques. Mas o tratamento fez efeito e recebeu alta após dez meses de internação.
Então o garoto Walter já não via mais alucinações bizarras e podia se reintegrar à sociedade. Sua mãe havia falecido três meses antes de sair do hospital, por conta de um câncer devastador que tomou todo seu corpo sem chances de salvação. Walter nunca havia conseguido se despedir dela, pois quando ela o visitou pela última vez, ele não a reconheceu, por causa das fortes dosagens dos medicamentos que os médicos lhe davam.
Os especialistas disseram que uma tristeza crônica foi um grande fator para a baixa imunidade de seu corpo e por isso o câncer foi tão agressivo. Outro clarão! Repentinamente, Walter tinha dezoito anos e estava em um cemitério. Ouviu o padre proferir algumas palavras, questionando se alguém queria dizer algo. Ouviu choro, tiros para o alto que assustaram alguns pássaros que prestavam atenção à fúnebre tradição militar de enterrar seus compatriotas e entes queridos. E então ouviu novamente a frase: "Não foi sua culpa". Pessoas davam tapinhas em seu ombro, em um gesto acolhedor, tentando confortar o coração do pobre rapaz, agora órfão de pai e mãe.
E então, lá no fundo de sua alma, ouviu alguém lhe chamando, bem lentamente, proferindo cantigas em Chamorro, sua língua nativa. Era Cadassi, trazendo Walter de volta para o presente.
Walter viu o ancião e muitas lágrimas começaram a escorrer de seu rosto, desabando em seguida. Acordou duas horas depois com uma enorme disposição, olhou para o lado e viu mestre Cadassi sentado em uma poltrona, observando-o voltar à realidade e então se pôs a falar:
— O que você viu foram trechos de seu passado que você tenta esquecer, mas que consomem sua energia vital. Em vez de escondê-los você tem que saber conviver com o que já passou. Talvez o primeiro passo a ser dado seja descobrir na realidade quem é você!
— Eu sei muito bem quem eu sou! — disse Walter em um tom mais agressivo.
— Então, me diga, quem é você? — perguntou o mestre com sua calma penetrante.
— Eu sou... eu sou... — respirou fundo —... Sou um homem que vive atormentado pelo passado! Fui responsável pelas mortes de meus pais, por causa de alucinações malucas que essa ilha me causou.
— Não foi você quem causou a morte deles, meu senhor. Não foi sua culpa! Você não estava louco. Há coisas ainda inexplicáveis nesse mundo para simples seres humanos, mas você é especial, caro Betbo.
— Como assim? — questionou o senhor aprendiz, sem entender o porquê o ancião o havia chamado desse nome.
— Aquela sombra de um Megalodon que você havia avistado no mar algumas vezes não foi uma mera ilusão ou um ato de loucura. Volto a insistir, você precisa se conectar a si mesmo. Enxergar além de seus anseios e desejos, e então, só então, saberá no fundo de sua alma quem você é! — respondeu o mestre ancião, que começara a ganhar o respeito de Walter.
— Não entendo, mestre. Como essa sombra poderia ser minha? — indagou Walter preocupado.
— Caro compatriota — brincou Cadassi puxando a atenção de Walter — lembro do dia em que um bebê, aqui na Vila de Inarajan. Era um dia ensolarado, com poucas nuvens e temperatura próxima dos 30°C, mas repentinamente o tempo se fechou, o mar se agitou e uma tempestade se formou. As pessoas correram para suas casas para se esconderem da ira da mãe natureza. Logo, como mágica, um tufão pareceu surgir nas águas calmas de Inarajan Bay, avançando até a encosta da praia e jogando muita água para cima, e então, de repente, ele se dissipou, a tempestade parou e o mar voltou a ficar tranquilo.
De suas casas, os moradores da vila ouviram o choro de um bebê no local onde a tempestade havia perdido a força. Nomearam o bebê de Betbo, o anjo de Deus, enviado para espalhar louvores ao povo.
Mestre Cadassi olhou para Walter que estava com a cabeça baixa, se concentrando na história que estava ouvindo. Voltou a falar:
— Mas a guerra já havia se instaurado na região, muitos compatriotas jaziam aos pés dos americanos e japoneses que aqui batalhavam. Certo dia, apareceu um pelotão do exército americano que invadiu nosso território para se refugiar da perseguição dos japoneses. Nos fizeram de reféns por alguns dias, exigindo que alimentássemos o grupo e cedêssemos nossas camas para dormirem. Por fim, quando estavam saindo, descobriram a existência do pequeno bebê, que conforme alguns soldados diziam, se parecia muito com o tenente deles.
Então resolveram levar o garoto para viver junto dele e de sua esposa, que havia perdido um bebê que carregara em seu ventre há poucos meses, assim que chegaram à ilha. Seu nome era Tenente George Payne, médico do exército americano.
— Então não sou filho de meus pais? Quem sou eu então? — rebateu Walter.
— Somente você poderá encontrar essa respostaBetbo, meu filho. — disse seu mestre com apreço. — O único conselho que possolhe dar é que deva viver sua vida sem medo de ser quem você nasceu para ser!
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