Reencontros e Fugas

  “Quanto tempo  se passou desde que me colocaram nesse lugar macabro?”,  essa foi a primeira pergunta que Diaz fez para si mesmo quando acordou novamente após a terceira sessão de tortura.

  Sua cabeça estava doendo e seus cachos grudavam em sua testa por causa da quantidade excessiva de suor que seu corpo produzia como uma resposta para as dores que estava sendo obrigado a sentir. Além de trêmulas, suas mãos também estavam manchadas com o líquido seco e rubro, do seu sangue, e ao tentar levantá-las, relembrou dolorosamente que seus pulsos haviam sido amarrados nos braços de uma cadeira velha feita de um metal enferrujado, com travas metálicas também em péssimas condições. Uma sensação pulsante em ambos os braços ritmada com as batidas de seu coração, fez com que olhasse para seu próprio corpo, o que serviu apenas para lhe dar um pouco mais de desespero à sua mente, já que cada um de seus braços havia sido perfurado por três longos pregos prateados que agora estavam sendo coloridos pelo sangue que escorria a partir da ferida. Entre todas as dores em seu corpo, sua mente não o deixava esquecer da ardência na sua mão esquerda, como se aquela maldita tatuagem estivesse queimando a sua pele.

  _ Onde... eu estou? – sua voz falhou um pouco quando tentou falar.

  _ Em breve você vai descobrir! – com seriedade em sua voz, um homem respondeu de dentro uma sombra no canto da parede.

  _ Oh magnífico e elegantíssimo Apollo, qual seria o problema dessas pessoas que gostam de se ocultar nas sombras? – apesar de toda a dor que sentia com a mínima movimentação de seu corpo, Diaz lançou uma prece irônica para o teto mal iluminado da pequena sala escura em que estava.

  _ Eu que deveria perguntar para Hades qual é o problema desse seu corpo! – o homem de um passo na direção do prisioneiro, saindo parcialmente das sombras, sendo possível agora ver que ele segurava uma espada em sua mão.

  O rosto do homem ainda estava coberto pelas sombras e Diaz mal conseguia ver o brilho amarelo do cristal de luz no teto sendo refletido em seus olhos, mas, o prisioneiro percebeu imediatamente que aquela pessoa era mais alta que seus um e setenta e cinco de altura.

  _ Como assim? O que tem de errado com o meu corpo? – Diaz perguntou enquanto forçava seus olhos, buscando por mais detalhes da silhueta e face daquele homem.

  _ Eu te cortei com minha espada, arranquei pedaços da sua carne, te espanquei com minhas mãos, te acertei na cabeça diversas vezes, preguei os seus braços e derramei tanto sangue seu que o chão agora está mais vermelho do que antes! – ele fez uma pequena pausa para limpar a lâmina de sua espada com um pano velho que estava na parede do seu lado esquerdo – Mas nas três vezes que eu pensei que você tinha morrido, de alguma forma você acordou!

  Quando o homem limpou a espada, Diaz percebeu que a espada dele possuía uma cor incomum, sendo que a lâmina era totalmente negra.

  _ Você é a lua vermelha?

  Em reação à pergunta, o homem deu mais dois passos para frente e com as duas mãos ergueu a espada acima da sua cabeça. Diaz sabia o que estava por vir, então cuidou apenas de não colocar a língua entre os dentes e se preparou para o impacto.

  Assim que fechou seus olhos, Diaz sentiu a lateral da espada acertando o lado de seu rosto com uma força tão absurda, que ambos puderam ouvir como se os ossos do seu rosto tivessem rachado. A dor era tão insuportável que, imediatamente, o prisioneiro soltou um grito que quase deixou o homem surdo.

  Diaz sentia todo seu corpo queimando, e cada uma de suas feridas começou a expulsar ainda mais sangue de seu interior quando seu coração começou a bater descontroladamente.

  _ Filha da puta!!! – o prisioneiro gritou enquanto se debatia preso na cadeira.

  _ Me desculpe. Às vezes acabo me estressando mais do que deveria quando a porra de um enkli me chama assim! – a voz dele mantinha-se em uma altura normal, apesar de seu tom declarar a ameaça que também brilhava em seus olhos negros.

  A dor era extremamente suportável e por mais que tivesse se preparado, Diaz só não foi derrubado no chão, pois os pés da cadeira estavam enterrados bem firmes no piso de pedra da sala.

  Foi necessário cerca de vinte minutos, ou talvez até mais, para que Diaz conseguisse retomar o controle de seus sentidos, mesmo com a dor ainda alfinetando cada nervo de seu corpo.

  _ Você... parece familiar! – ofegante, o prisioneiro afirmou em uma espécie de sussurro.

  Agora que aquela pessoa estava fora da sombra que o ocultava, Diaz conseguia o observar melhor, e até mesmo se familiarizar com alguns de seus traços.

  Aquele homem, que agora Diaz tinha a certeza de que era no máximo duas primaveras mais velho que ele, usava uma touca de couro simples talvez retirado de alguma agel* tingindo de marrom do qual escapavam algumas mechas de um cabelo ruivo por trás das orelhas. A touca combinava um pouco com a sua roupa, já que sua camisa e sua calça eram feitas no mesmo estilo de couro simples, tingindo de marrom e preto. Seus braços expostos da manga da camisa para baixo, mostravam alguns músculos que emolduravam o belo resultado de um treino constante, sendo que algumas cicatrizes de cortes serviam como a cereja do bolo. Seus olhos, negros e cansados, apenas emitiam uma espécie de raiva reprimida, mistura com uma seriedade inabalável. Além de uma enorme cicatriz em seu pescoço, aquele rapaz não possuía nada que realmente o tornasse alguém único no quesito aparência.

(Agel = Vaca)

  Indo da base do queixo e descendo pela lateral direita do pescoço até chegar no inicio do ombro, um raio mal desenhado formava a cicatriz que o rapaz ruivo carregava consigo; a mesma cicatriz que Diaz conhecia desde a sua adolescência no orfanato.

  _ Fenrir? – ele estava bastante surpreso e seus os olhos se arregalaram quando finalmente se lembrou do dono daquela cicatriz.

  _ Eu não acredito que seja realmente você! – a voz do ruivo não se alterou, mantendo-se séria e ameaçadora, e talvez até mais que antes – Que merda você aprontou Diaz?

  _ Por onde você andou? – ele simplesmente ignorou a forma como o outro falava, e perguntou amigavelmente.

  _ Oh belíssima e sábia Atena, não seria deveras mais fácil para mim se ele não recordasse de tudo?

  Fenrir deixou sua espada apoiada na parede à sua direita e se posicionou na frente da cadeira onde Diaz estava preso, encarando-o com uma expressão séria.

  _ Que tipo de atrocidade você fez para conseguir essa maldita bênção, Diaz?

  _ Então você realmente acha que eu sou um enkli?!

  No exato momento em que Diaz se calou, Fenrir deu um belo de um soco com a mão direita, acertando assim a face esquerda do rosto do outro.

  _ Eu não consegui dormir no dia em que fiquei sabendo que você era o maldito assassino! – Fenrir deu outro soco, agora com a mão esquerda – Eu não queria acreditar que você faria algo do tipo! – mais um soco com a mão oposta – Eu quase fui considerado desertor quando não quis aceitar a missão de te torturar! – outro soco – Mas, você tinha que ter a porra dessa tatuagem na mão?!

   Quando estava para desferir o quinto golpe, Fenrir congelou com sua mão no ar ao perceber que Diaz o encarava com o mesmo olhar sincero que ele tinha na adolescência.

  _ O que aconteceu com você, Fenrir? – a boca de Diaz estava ensanguentada, já que os socos de Fenrir cortaram os seus lábios. O ferro presente no sangue deixou um sabor forte e salgado na boca dele, o que fez sua barriga girar algumas vezes.

  _ Por favor, Diaz, não deixa o meu trabalho ainda mais complicado! – Fenrir abaixou os seus braços e pegou novamente a espada negra apoiada na parede, e mais uma vez tornou a limpá-la com um pedaço de tecido alaranjado que, dessa vez, ele tirou do bolso esquerdo.

  _ Não vai mesmo me responder? – a dor alucinante que Diaz estava sentindo, servia também para diminuir a sua capacidade de raciocínio, o que fez com que perdesse um pouco da noção do que falava. – Ou vai me deixar sozinho mais uma vez, Vermelho?

  O homem largou a espada no chão abruptamente, causando um barulho alto quando a lâmina bateu na pedra escura e manchada de sangue que decorava o chão sob os pés deles. Se sentindo um pouco desorientado, Fenrir sentou-se em um banco de pedra no canto da sala escura e encarou Diaz com olhos de melancolia. Sua feição havia passado da raiva e frustração para uma tristeza silenciosa. As mãos dele vacilaram e penderam por sobre suas coxas.

  _ Por favor, não me chama assim! – sua voz era tão triste quanto sua feição.

  _ Por quê? – a dor persistente aumentou mais ainda o autoritarismo na voz do prisioneiro.

  _ Eu não abandonei vocês!

  _ Você sumiu sem avisar a ninguém do orfanato!

  _ Mas, eu não abandonei ninguém.

  _ Porra! Você abandonou todo mundo, Fenrir! E... – o seu rosto havia começado a latejar, e a dor inicial o fez interromper sua fala – Que merda! Eu tô todo moído e cheio de dores, mas é você que tá com essa cara de depressivo.

  _ Eu não abandonei ninguém! – Fenrir pareceu se irritar por um segundo, mas sua aparência logo se entristeceu novamente.

  _ Oh glorioso Poseidon, nem mesmo os seus mares são tão profundos quanto a burrice e a ignorância dessa pessoa!

  _ Você quer mesmo saber tudo?

  _ É claro! Nós crescemos juntos, então eu quero saber o porquê que você sumiu e agora reapareceu como um carcereiro sem escrúpulos!

  _ Ouro. – Fenrir fez um movimento movendo os ombros para cima e para baixo, dando a impressão de que o seu motivo era bastante comum e aceitável – Sinceramente, eu arrumei uma dívida ridícula de grande, e me vi obrigado a fazer serviços como esse.

  _ Merda, não pode ser só isso! E a sua família? Como você conseguiu se endividar fazendo parte da família...

  _ Por favor, para. – Ele interrompeu Diaz. Aquele nome que estava para ser pronunciado o incomodava bastante – Eu nunca fiz parte de nenhuma família!

  _ Mas.... e as roupas caras que você usava quando mais novo?

  _ Roubei.

  _ As moedas de prata...

  _ Também!

  _ Mas... e o sobrenome? Era falso também?

  Diaz não obteve uma resposta imediata. Fenrir se calou e a sua feição se fechou novamente, voltando para expressão séria de antes, alguns segundos se passaram até que mesmo tornou a falar.

  _ Diaz... não posso negar que eu amava viver no orfanato Star junto de você e das outras crianças, mas, no final da tarde eu sempre estava infeliz. Eu possuo sim um sobrenome de alto nível, mas não faço parte de uma família de verdade.

  _ Como assim?

  Fenrir tirou a touca de pele, deixando seus cabelos curtos e ruivos caírem por sobre suas orelhas, e tirou um papel do bolso que parecia conter algum tipo de pó.

  _ Meu pai... quer dizer, o idiota que ajudou a me gerar, não o fez com o consenso da minha mãe.

  _ Ele a estrupou? – o olhar de Diaz mostrava a sua surpresa.

  _ Sim. E como ela era apenas uma empregada, foi expulsa da casa em que trabalhava quando eu ainda estava dentro de seu ventre.

  _ Bem... isso explica porque você nunca se aproximou das garotas do Star. – não havia sido totalmente intencional, mas ele acabou soltando uma risada breve no fim da frase.

  _ Isso não é hora para piadas, Diaz. Você não consegue entender? Eu não sou mais um dos seus amigos! Eu nem sequer te conheço mais e vice versa, ou seja, se me mandarem te matar, eu o farei sem hesitar.

  _ Me responde, Fenrir, você lembra da Lucy?

  O homem não respondeu novamente, mas seu olhar entregou um brilho vazio, mostrando que a resposta era positiva.

  _ No orfanato, todos gostavam dela e muitos queriam casar com ela. Eu até entendo, porque apesar de não ser a mais linda, aquela loirinha conseguia ser o centro das atenções em todas as oportunidades que tinha.

  Fenrir permaneceu em silêncio.

  _ Certa vez, um boato se espalhou pelos corredores de que ela gostava de um certo garoto. Esse boato fez com que até os professores ficassem surpresos. Todos queriam saber se era verdade ou não.

  _ Eu te disse na época Dias que era impossível ela me amar.

  _ Eu lembro, mas logo em seguida ela veio até mim, e contou a verdade. Entre todas as palavras ditas naquele dia, a que eu me lembro melhor é o elogio que ela repetiu várias vezes sobre você.

  _ Mas... De qualquer forma, ela já deve ter me esquecido e, talvez, até já casou com alguém melhor.

  _ Que Himeneu não agisse de forma tão cruel, e essa fosse a realidade.

  _ Como assim?

  _ Hoje é qual dia?

  _ Hoje é a terceira lua cheia do inverno.

  _ Parece até piada...

  _ Por que?

  _ Hoje é o segundo ritual sagrado em homenagem à morte dela.

  Fenrir não pôde disfarçar a sua surpresa e seu olhar se tornou triste juntamente de suas expressões faciais, declarando o quanto aquilo o havia abalado.

  _ Você sabe o que isso significa, Fenrir?

  _ Já fazem duas primaveras...

  _ E nós temos vinte e uma...

  _ Ela morreu com dezenove...

  _ Sabe o que é pior? Você sumiu quando tínhamos quinze... A Lucy não se relacionou com ninguém nesse período de tempo.

  _ Ela estava me esperando?

  _ Sim. Mas você nunca voltou! E nunca mandou uma carta sequer!

  _ Me desculpe, eu...

  _ VOCÊ NÃO ENTENDE, FENRIR? – Diaz gritou, somando sua frustração com as dores em seu corpo – Não importa qual é a sua desculpa para ter sumido! Se você estava bem esse tempo todo, você poderia ter pelo menos nos avisado, seu merda!

  _ Com licença, mas eu não esperava ouvir esse tipo de grito vindo daí de dentro! – uma voz feminina cortou a fala do prisioneiro, vindo de trás da porta de ferro fechada bem na frente de Dias – Bem... se ambos estão acordados, o que eu esperava não aconteceu... é uma pena!

  A porta começou a ser aberta e por ser bastante pesada e velha, começou a ranger com o movimento. Uma mão pequena surgiu em meio ao breu e, logo em seguida, uma mulher usando o exuberante uniforme branco dos asters, mostrou-se dona daquele membro. A mulher parecia ter pouco mais que um metro e sessenta de altura, o que se confirmou quando ela parou ao lado que Fenrir, que se levantou assim que ela havia dito a primeira frase.

  _ Kaire, Júpiter, é um prazer vê-la! – Fenrir estava totalmente ereto, com exceção de seu braço direito que sustentava sua mão cerrada sobre seu coração.

  _ Eu já disse várias vezes, que não precisa ser tão formal comigo, Fenrir. – A mulher sorriu, enquanto olhava o guarda de cima a baixo.

  O olhar dela era curioso e sua fisionomia não parecia de alguém muito importante, salvo o uniforme branco, mas, independente disso, o guarda não conseguiu relaxar.

  _ Bem... depois a gente resolve esse assunto juntos. – um dos olhos verdes da mulher se fechou, em uma piscada provocante enquanto se virava para encarar o prisioneiro. – E você? O que tens a me oferecer, jovem enkli?

  _ No momento, eu creio que nada de interessante senhora. – Dias respondeu com um certo receio, já que estava fascinado pelo contraste branco e chamativo que o uniforme dela causava na sala escura.

  _ Quantos anos você acha que eu tenho? – uma faca de cabo vermelho e lâmina prateada voou, surgindo de um dos bolsos do uniforme dela, e parou flutuando no ar, poucos centímetros à frente do rosto do prisioneiro. – Me desculpe... eu fico um pouco irritada quando me chamam de velha! – apesar depois do pedido de desculpas, a faca continuou flutuando em frente ao rosto dele.

  _ Meio que eu pude perceber rapidamente, senhorita! – Diaz engoliu a saliva que estava em sua boca que possuía um gosto amargo, por causa de seu próprio sangue.

  _ Jú!

  _ Oi?

  _ Pode me chamar de Jú. Esse apelido é só para os íntimos, então é melhor se sentir agradecido por isso!

  _ Seria uma honra chamá-la assim, se eu não fosse o prisioneiro aqui! – o olhar triste dele encarou os olhos brilhantes da mulher, no qual ele podia ver uma luz levemente familiar.

  _ Se isso é um problema, então é muito fácil de resolver! – a mulher sorriu e bateu uma palma forte, no mesmo instante, mais três facas surgiram dos bolsos de seu uniforme, e, dançando por entre os longos cabelos pratas dela, começaram a flutuar no ar ao redor dela – Pronto?

  O prisioneiro nem pôde responder. Ao som de mais quatro palmas melódicas, as facas dançaram pelo ar e foram na direção das travas que mantinham Diaz preso, arrebentando cada uma com muita facilidade.

  É verdade que o impacto das lâminas fez a dor do prisioneiro multiplicar, mas, pior foi quando ele se viu obrigado a arrancar os pregos em seus braços com as próprias mãos. Havia algo de errado com os machucados de Diaz, já que os furos em seus braços sangravam menos do que deveriam.

  _ Tinha necessidade de usar pregos, Fenrir? – Dias perguntou enquanto fazia uma expressão de dor ao retirar o último prego do braço esquerdo.

  _ Sou conhecido por ser o melhor naquilo que faço! – Fenrir deu um leve e  breve sorriso.

  _ Agora você pode me chamar de Jú, já que não é mais o prisioneiro! – a mulher exclamou, enquanto ainda observava Dias.

  _ Como assim? – ele se sentiu confuso. Desde que fora acusado injustamente, todos haviam o chamado de enkli, então era estranho ver alguém dizendo o extremo contrário – Você está mesmo falando sério?

  _ Isso vai trazer muitos problemas para nós Júpiter, tem mesmo certeza disso? – Fenrir havia se sentado novamente, mas seu olhar ainda estava sério.

  _ Por que eu não teria? Você sabe que eu só faço o que eu quero! – Jú sorria orgulhosa, como se tivesse ganhado algum tipo de competição.

  _ Mas... é impossível... quem você é de verdade, para poder fazer tal coisa? – Diaz sentia um pouco de esperança, mas algo machucava seu coração, como se aquilo tudo fosse bom demais para ser verdade.

  _ Eu não me apresentei?

  _ Não.

  _ Mil perdões. – ela se ajeitou um pouco, e repetiu a pose de Fenrir com a mão direita cerrada sobre o coração, mas o seu corpo tornava-a um pouco mais sensual – Eu sou a aster Júpiter, responsável pela segurança e ordem do distrito sul de Kentros.

  _ E eu, Fenrir, sou o primeiro guarda oficial dela!

  _ Mas eu pensei que você... – Dias começou a falar, mas foi interrompido por Fenrir.

  _ Quando a gente está sem missões exploratórias, eu também sou encarregado das funções de carcereiro e carrasco.

  _ Se você é um guarda oficial, você não deveria ter dívidas altas! – Dias exclamou, um pouco incrédulo.

  _ Diaz... deixa eu te contar um segredo... essa mulher não me paga direito!

  _ Calma lá, Fenrir! Eu te paguei o ouro referente ao mês passado!

  _ Mas e os cinco anteriores?

  _ Ah é, tinha me esquecido deles! – com um sorriso ingênuo, ela se virou, fingindo pensar sobre algo importante.

  _ E não adianta tentar fugir do assunto!

  _ Tá bom, tá bom, shakkintori*!

(Shakkintori = cobrador de dívidas, agiota)

  _ E como você pretende tirá-lo daqui? – Fenrir começou a limpar as manchas de sangue em seu braço, usando de um pano velho que encontrou no chão.

  _ Eu não tinha pensado sobre isso ainda. – um sorriso envergonhado fez com que a moral das palavras dela decaísse.

  _ Espera... Você pretende mesmo me tirar daqui? – incrédulo, o prisioneiro ainda estava sentado na cadeira, observando a conversa entre os dois.

  _ Eu vou te tirar daqui, eu prometo! – cruzando os dedos indicador e médio, ela colocou a mão na testa, como um símbolo de sua promessa.

  _ Por quê?

  _ Porque eu quero! Apenas isso!

  _ Isso nem faz sentido! Você só pode está me fazendo de piada e...

  _ Escuta aqui, seu enkli idiota! – Jú se aproximou mais um pouco dele, acompanhada de suas quatro lâminas flutuantes e a medida que sua voz se tornava séria, seu olhar também mudava pouco a pouco – Se eu disse que eu vou te tirar daqui, então eu vou, entendeu? Ou você acha que eu não consigo cumprir uma promessa dessas? – uma das facas se aproximou do pescoço dele – Mas, se você ainda não tiver fé em minhas palavras, eu posso simplesmente te “libertar ” de uma forma mais prática para mim.

  _ Me desculpe, eu agi como idiota! – Diaz se apressou para responder, já que as palavras delas não mostravam nem um pingo de brincadeira – Se você prometeu, então eu vou confiar em você!

  _ Assim é bem melhor, você não acha?! – ela se afastou sorrindo, e ao se aproximar da porta,  olhou para Fenrir e fez um gesto com uma das mãos que Diaz não pôde entender direito.

  A aster saiu da sala escura deixando os dois sozinhos por um tempo. Fenrir, que já havia terminado de se limpar, pegou uma saco preto que estava atrás do banco em que estava sentado e o jogou para Diaz.

  _ Agora eu entendi porque ela me mandou trazer dois pares de uniforme.

  _ Ela já tinha planejado isso?

  _ Para falar a verdade, eu não entendi até hoje o que se passa na cabeça dela. Mas, você pode confiar nas palavras dela, pelo menos ela cumpriu tudo que já me prometeu.

  _ E a história do seu salário?

  _ Ser um guarda oficial me concede muitos benefícios. O salário acaba não fazendo tanta falta no dia a dia.

  Diaz se levantou, abrindo o saco que agora segurava com ambas as mãos. Dentro havia um uniforme preto igual ao que os guardas oficiais usavam no porto de Típhia, com exceção da placa de identificação, que possuía letras douradas que formavam a palavra recruta.

  _ Eu não vou usar isso! – Diaz queria jogar o uniforme longe.

  _ Por que não?

  _ Eu sou grato a vocês, Fenrir, por tudo o que estão fazendo, mas, eu não consigo vestir a mesma roupa que esses idiotas vestem! Não sei nem como você consegue!

  _ Eu vou ser bem sincero contigo, Diaz, a maior parte dos guardas são uns pedaços de merda, mas alguns são diferentes. Tenho certeza de que você já sabe disso.

  O rosto de Perséphone passou por sua memória e a conversa que teve dentro da carruagem no caminho até ali, pareceu recomeçar do zero em sua cabeça, fazendo o soltar um pequeno sorriso.

  Diaz limpou seus ferimentos, da mesma forma que Fenrir se limpara, mas, quando o pano molhado tocou na primeira ferida, ele se contorceu de dor.

  _ Que diabos tem nesse pano? – Diaz perguntou enquanto se esforçava para limpar a próxima ferida.

  _ Uma mistura especial que utiliza cristais salinos e outros minerais. É um ótimo removedor de manchas, mas, também serve para estancar sangramentos.

  _ Não me dê isso nunca mais! – ele exclamou, jogando o pano no chão após limpar todas as suas feridas.

  _ Terminem logo aí dentro, estamos ficando sem tempo! – Jú bateu forte na porta, e o barulho gerado assustou o prisioneiro, fazendo o quase derrubar a roupa que havia tirado do saco.

  Diaz vestiu o uniforme de guarda devagar, tomando cuidado para que nem mesmo um botão se soltasse, comprometendo o disfarce. Quando ele terminou, se sentiu bastante confortável já que o tecido era super leve e refrescante, mesmo dentro daquela sala fechada e escura.

  _ Pronto! – Fenrir gritou, batendo três vezes na porta.

  Júpiter entrou novamente na sala, e ao ver Diaz uniformizado, não pôde evitar um comentário brincalhão.

  _ Bem, acho que depois que isso tudo acabar, eu vou precisar de um recruta novo.

  _ Vamos ao ponto? – Fenrir parecia mais apressado que a garota.

  _ Você está com o mapa aí?

  Ele não respondeu e apenas puxou de um bolso interno, um pergaminho de folha cinza que ao ser aberto mostrava o desenho usado para projetar a galeria de corredores que formavam a prisão subterrânea em que estavam.

  _ Exatamente onde nós estamos? – Diaz perguntou, tentando entender o conteúdo do mapa.

  _ Bem... nós estamos aqui! – Jú apontou para uma das muitas salas representadas naquele papel, sendo a última no fim do mais longo corredor. – Como podem ver, estamos no fim desse corredor imenso que possui apenas uma saída que está a uns duzentos metros de onde estamos, entenderam?

  _ Não têm outros guardas na saída além de vocês não?

  _ Felizmente, o turno de hoje é o do meu esquadrão, e após falar um pouco mais alto, eu consegui dispensar todos aqueles que não são muito confiáveis.

  _ Certo... então, quantos que vão nos ajudar nessa? – o pouco de esperança que possuía, se manifestou em sua fala.

  _ Eu, Fenrir e mais uma pessoa.

  _ Só? Pelo menos você tem um bom plano, certo?

  A mulher apenas riu.

  _ Sério mesmo?

  _ Sério que você está sendo salvo e ainda quer reclamar? – Fenrir aumentou sua voz, mas sua raiva não parecia direcionada ao prisioneiro.

  _ Eu estou começando a achar que é melhor continuar preso aqui!

  _ Vamos logo!? – Júpiter saiu daquela sala escura rapidamente, deixando os dois sem tempo para uma discussão maior – Bem... Nós só temos que chegar ao fim desse corredor, e você estará livre!

  Diaz foi o último a sair e, se a escuridão da sala o incomodava, o corredor só aumentou seu medo. Assim que a porta foi fechada fazendo aquele barulho de ranger alto mais uma vez, uma fraca e gélida brisa soprou sobre sua pele, provocando alguns arrepios leves. O corredor era escuro, e algumas luzes fracas vindas de cristais de fogo, podiam ser vistas ao longo de toda sua extensão.

  _ Nós temos que chegar no final o mais rápido possível! – Júpiter estava séria e sua voz em baixo tom expressava uma calmaria firme. – Mas não podemos correr... O som seria bastante suspeito!

  Os três andavam rapidamente, pisando no chão da forma mais silenciosa possível. No meio daquele escuro, Diaz se sentiu confortável por estar livre daquelas travas dolorosas, e seus pensamentos começaram a clarear, já que seus machucados apenas ardiam. Ele observou melhor aquela mulher que andava mais à sua frente, como se liderasse um grupo de crianças. Seu cabelo prateado, que chegava até pouco abaixo da coxa e, anteriormente, solto, agora estava amarrado em um longo ponetail trançado, que, certamente, havia sido feito enquanto ela os esperava. Aquela longa trança balançava de um lado ao outro a cada passo dado, seguindo o movimento do quadril dela. Júpiter não era musculosa em um nível exagerado, mas parecia manter o corpo em forma, já que suas curvas eram muito chamativas, principalmente com o uniforme branco de aster dela, feito sob medida. Todo o corpo de Júpiter parecia ter sido trabalhado para que sua feminilidade se destacasse em cada centímetro de músculo definido.

  _ Cuidado onde pisa! – Fenrir obviamente percebeu o olhar fixo dele, e o alertou, já que qualquer descuido também seria um problema para ele.

  Diaz apenas assentiu com cabeça e observou ele se afastar um pouco para falar alguma coisa com Jú, que virou seu rosto para trás e o encarou com um sorriso alegre.

  O prisioneiro também percebeu algumas coisas em Fenrir que não notara antes, mas, nada que chamasse tanta atenção, pois até mesmo seus cabelos ainda estavam escondidos embaixo de um capuz, que, agora combinava com o uniforme de guarda.

  _ Fenrir. – Diaz o chamou quase sussurrando e, felizmente, ele ouviu na primeira vez. Diaz tinha uma pergunta guardada em sua mente, que surgiu no momento em que havia sido solto da cadeira. – Bem... como posso perguntar isso... Se vocês já pretendiam me soltar, então porque você me bateu tanto aquela hora?

  _ Eu não sabia que ela iria fazer isso! Eu apenas recebi uma ordem dela para carregar comigo um mapa dessa prisão suja. E, também, a ordem de te torturar veio de um posto mais acima do dela.

  _ Da onde?

  _ Eu não sei te dizer, mas, as ordens que recebi, eram para que, caso você acordasse, eu te apagasse novamente, da forma mais violenta possível, então você tem muita sorte!

  _ Por quê?

  _ Eu teria obedecido essa ordem e te espancado de toda forma possível, até que ela aparecesse!

  _ Então se ela demorasse um dia para chegar...

  _ Você apanharia por um dia inteiro!

  _ Ainda bem que ela é pontual...

  _ Como eu disse, você tem muita sorte, pois ela é sempre a última a chegar em qualquer lugar!

  _ Você sabe que eu posso te ouvir, né, querido Fenrir? – ela não se virou enquanto perguntava, mas parou por um momento como se esperasse uma resposta.

  _ Me desculpe, Jú, mas, você sabe que é verdade!

  _ Eu sei, mas não foi por isso que eu parei! Nós chegamos na terceira “sala”!

  _ Sala? – o prisioneiro estava confuso – Mas o mapa mostra apenas um corredor até a saída!

  _ Correto, mas, infelizmente, existe apenas um mapa com informações exatas sobre esse lugar, e apenas o rei tem acesso a ele. – Jú fez um sinal para que ambos parassem ao lado dela.

  _ Entendi... mas, cadê essa sala? – Diaz apenas via um longo corredor a sua frente, que possuía apenas uma luz forte no final.

  _ Dê mais um passo!

  Ele hesitou e pensou duas vezes antes de obedecê-la. Para sua surpresa, assim que seus pés tocaram o chão à sua frente, ele se viu dentro de uma gigantesca sala vazia, com apenas alguns pilares de sustentação espalhados ao longo dela. Suas extensas paredes contavam com uma decoração de inúmeros ladrilhos dourados que reluziam com a luz de grandes luminárias no teto branco daquela imensa sala. Atrás dele, no local de onde veio, apenas uma porta de mármore negro se encontrava.

  _ Entendeu agora? – a voz de Fenrir surgiu do nada e logo em seguida, seu corpo também apareceu como mágica na sua frente.

  _ Mas... o que é esse lugar?

  _ Uma sala! – agora foi a vez da aster aparecer de forma mágica dentro da sala. – E como já deve ter imaginado, ela foi feita para não ser vista por ninguém do lado de fora.

  _ Como fizeram isso?

  _ Do jeito mais óbvio, bênçãos!

  _ Então existem pessoas capazes de algo nesse nível! – Diaz olhava tudo em volta, fascinado com aquela sala “mágica”.

  _ Você não sabe nem metade do que nós, da elite de Drum, somos capazes!

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