Capítulo 41 - Dione, O Menino Músico.
Era o meu aniversário. Deveria ser um dia importante e feliz. Ou pelo menos, assim queria acreditar. Meu pai me levou até o centro da cidade com intuito de escolher meu presente. Saímos cedo aquele dia de casa, ele queria me presentear com algo especial e eu estava feliz que até que enfim estava completando meus seis anos de idade. Faixa Etária que se ingressaria nas aulas de karatê do meu pai.
Meus três irmãos, todos eles mais velhos do que eu, começaram com três anos, idade permitida para quem é filho de Um sensei, meu pai no caso. Na verdade, essa regra era dele. Não gostava de crianças menores o importunando nas aulas.
Sabendo que eu não gostava e não levava jeito nem um pra luta, minha mãe disse ao meu pai que mesmo eu sendo filho de um sensei, eu só começaria as aulas aos seis anos. Achava que precisava amadurecer um pouco mais para definir meus gostos por esse esporte quem achava bem violento.
Embora verdadeiramente, karatê pregava um estilo de vida onde o autocontrole deveria imperar e não uma escola onde a violência fosse aclamada. Mas, naquele tempo, eu não convivia com essa experiência. Meu pai levou os preceitos do caratê para um lado distorcido e acabou arranjando uma legião de pessoas contra sua doutrina ensinada sobre o tatame, mesmo ainda sendo bem influente na nossa cidade.
Bem, esse dia chegou. Gostando ou não das práticas ensinadas por ele, estava fadado a no mínimo experimentar a sensação que a luta poderia provocar em mim. Meu pai estava mais entusiasmado do que eu, estávamos indo comprar meu presente de aniversário. E eu estava muito feliz! O que ele compraria para mim?! Me perguntava e imaginava a cada passo, a cada esquina em que cruzávamos.
Eu não queria uma bola, nem mesmo um carro de controle. Eu queria outra coisa. Como seria difícil a escolha do presente quando chegássemos lá na loja! Pois, já me vejo com um gosto diferenciado das outras crianças para presentes.
Olhei adiante a grande loja que pegava os dois lados da esquina. Meu semblante foi mudando, olhei sem graça para o meu pai e sua feição que ficava cada vez mais brilhante com a aproximação dela. Fitava os olhos na grande loja, enquanto me puxava quase de arrasto segurando a minha mão pela rua.
" Casa das armas." Dizia o grande letreiro dos dois lados da esquina. Sem poder questionar, fomos entrando.
__ Olha filho... estamos no paraíso! - Ele falou lisonjeado. __ Qual vai escolher como sua primeira arma? - Falou passando o olhar ao redor. Eu fiquei calado.
Quem em sã consciência dá uma arma de presente para uma criança na minha idade? Eu queria algo muito mais glorificante que aqueles instrumentos mortais expostos ali na parede.
__ O que você acha de uma espada? Um chaco, um bastão...
__ Pode falar futuro mestre, não tenha vergonha. - Falou o simpático e sorridente vendedor me olhando.
__ Pai... eu não quero nem uma dessas armas! Eu quero ir embora daqui! Eu não quero aprender a lutar! Eu não gosto de violência! - Falei saindo correndo da presença deles, rumo a mesma porta por onde entramos.
__ Volte aqui moleque! O que deu em você?! Não seja um mal agradecido! - Falou o meu pai indo atrás de mim.
(...)
Minha indignação sobre as armas causou efeito. Meu pai me encontrou chorando num canto de uma praça. Mesmo ficando zangado pela minha atitude, ele sentiu pena de mim e resolveu comprar o que eu queria. Disse que não gastaria uma fortuna num violão ou em uma guitarra e procurou um dos instrumentos mais baratos que encontrou. Sim. Eu respirava música, e ela parecia guiar meus pensamentos para o lado bom da vida. Me dava paz. Porém, disse que estaria jogando dinheiro fora. O que poderia um instrumento musical fazer diante de uma luta?
Estávamos voltando para casa. Estava saltitando de alegria. Meu pai me comprou uma gaita. Havia aprendido a tocar na gaita de um amigo. Eu tocava no caminho de volta o tempo todo. Era uma gaita simples e pequena de boca, mas que tinha um timbre excelente. Estávamos indo pegar o ônibus quando num lugar meio deserto nós fomos cercados por três homens que demonstravam não estar muito satisfeitos com nossa presença por ali.
Eles eram mestres de outras academias da mesma índole ruim que a do meu pai. Elas tinham se espalhado pela cidade como pragas e em vez de formarem cidadãos, estavam proliferando líderes de gangues de marginais treinados para combates pessoais e excitar violência contra cidadãos de bem.
Nossa escola era uma das mais requisitadas entre elas. Meu pai sabia as melhores técnicas. Era um mestre muito exigente e formava bons alunos que nem sempre empregavam ou seguiam pelo caminho do mal. Aquelas pessoas disseram que meu pai estava roubando os seus alunos e se continuasse assim, eles teriam que fechar as portas. Eles queriam que meu pai fechasse a sua escola. Já haviam o alertado por diversas vezes sobre a consequência de persistir e não lhe darem ouvidos.
Eles estavam decididos nesse dia, a encerrar a carreira do meu pai na mesma doutrina suja que ele ensinava. Ou seja, iriam matar o meu pai na base da pancadaria e covardia com os próprios ensinamentos que ele usou em prol de ensinar a maldade.. Meu pai me mandou ir para longe e me esconder. Obedeci sem questionar. Vendo eles o atacaram sem dó. Meu pai bloqueava todas as suas investidas e sempre lhes acertava alguns golpes. Eles já estavam cansados daquela luta que não passava de ataque e defesa. Ela não fluía. As forças ali eram compatíveis. Aquilo não levaria a lugar nenhum.
Um dos homens me encontrou escondido entre as lixeiras e me capturou. Disse que iria me matar na frente de meu pai. Isso fez com que ele perdesse a concentração. Um dos seus agressores desembainhou uma espada e logo ele foi atingido na panturrilha. O sangue marcou a pele exposta pelo corte lateral da lâmina afiada provocando um grito de dor. Isso fez meu pai baixar um pouco a guarda. Eles conseguiram acertar alguns golpes nele o levando ao chão em suma tortura. Começaram a espancá-lo já sem defesa com pisões e chutes por todo corpo, ignorando aquilo que eles mesmo ensinavam no caratê. Aquilo, na verdade, já não era mais caratê. Era puro desespero e ódio. Queriam o ver morto a todo custo. Não importava se para isso tivessem que usar a desonra da doutrina.
Meu pai se virou para mim e enquanto ainda apanhava, cobrindo a cabeça com os braços, gritou:
__ Dione, seu covarde! Toque alguma coisa com essa maldita gaita, quem sabe talvez com isso eles desistem de me espancar. - Era uma ideia tola.
__ Seu irmão tem apenas 13 anos, mas se estivesse aqui no seu lugar, eles não teriam chance. Ele luta mil vezes melhor que esses maricas! - assim que falou levou um soco mais forte no estômago o fazendo calar.
Comecei a tocar uma música triste. Ao ouvi-la, eles pararam o espancamento. Meu pai ficou surpreso não acreditando que aquela ideia ridícula estava dando certo. A melodia era realmente linda. Não era uma música que eu conhecia. Estava criando ela na hora. Minha primeira composição. Meu protesto a toda aquela selvageria e dor. Um ato desesperado de conter aquela violência. Aquilo os tocou de alguma forma. Ficaram por alguns segundos me olhando quando de repente, o que portava a espada sacudiu a cabeça negativamente em protesto, voltando a realidade, e sem nenhuma piedade, traspassou a lâmina no estômago do meu pai.
Interrompi a música e engoli em seco. Toda dor e revolta que aquela cena me provocou. Uma lágrima rolou dos meus olhos vendo a decepção estampada no semblante do meu pai.
__ Continue tocando filho! Não pare! Não pare! Não pare! Continue, continue, continue tocando essa bela música. Aquela melodia foi a última coisa que queria ouvir antes de sua morte. Voltei a tocar. Ele continuava me ordenando a tocar, enquanto era perfurado pela espada, até morrer de olhos abertos me encarando. Interrompi a música, baixei o instrumento e caí de joelhos ao chão. As lágrimas começaram a escorrer pela minha face sem controle. Nunca chorei tanto em toda a minha vida...
__ Nossa Dione que história! Você perdeu o pai de uma forma horrenda no dia do seu aniversário. - Comentou Lisa impressionada cobrindo a boca com espanto.
__ Não costumo comemorar mais essa data. Só me dou conta porque Marina não a deixa passar em branco. Ela sempre me presenteia e finjo estar feliz. - Dione deu de ombros. Não gostava de lembrar do seu passado.
__ Ela está certa. Eu também não deixarei passar em branco. Aliás, quando é? - Lisa já pensava em como preparar uma festa surpresa para ele.
__ Isso não tem relevância.
__ Se você não gostava de lutas, porque aprendeu a lutar?
__ Não queria passar por isso novamente. Nunca mais queria ver alguém que amo sendo morto daquela forma e não poder fazer nada.
__ Quer dizer que sua arte é o caratê?
__ Não totalmente. Aprendi a lutar sozinho. Fui um garoto de rua. Tive que aprender a me virar sozinho desde muito novo. Sempre tive um instinto de sobrevivência. Tenho o meu estilo próprio de luta. Um pouco de cada arte. Até mesmo a nossa origem, a capoeira.
__ Posso imaginar as coisas que teve que enfrentar pra chegar até aqui. - a voz dela era consoladora. Parecia uma música aos seus ouvidos. E talvez, por isso se sentisse tentado a gostar tanto dela.
__ Eu, eu... eu devia ter aprendido lutar quando fiz três anos, como meus irmãos, mesmo que eu não conseguisse impedir sua morte, meu pai morreria com orgulho de mim... - Falou Dione olhando para baixo, não querendo que lisa visse uma lágrima que acabou escapando dos seus olhos. __ Pelo menos ele veria que tentei salvá-lo.
__ Você lutou sim Dione, só que do seu jeito. Você tentou salvá-lo com a sua música e quase conseguiu... - Falou ela segurando suas mãos sobre a mesa.
__ Meu pai morreu me achando um fracassado. Eu sou a vergonha da família... - Comentou com os olhos lacrimejando.
__ Não diga isso meu amor... você é um grande homem. Seu pai teve orgulho de você sim. Ele se orgulhou de ver tocando sua música. - Falou Lisa indo até ele lhe abraçando. Dione escondeu o rosto no peito da moça e ela lhe beijou o topo da cabeça.
__ Nunca pensei que o veria chorando.
__ Eu não estou chorando... - Falou limpando os olhos com as costas das mãos.
__ Pare de querer se mostrar sempre forte e ignorar o que sente! Você não é uma máquina. Você é um ser humano. Você sente dores, fica triste e tem o direito de chorar também.
__ Você está certa. Eu não me importo de chorar em sua frente.
__ Onde está o restante de sua família? Seus irmãos, sua mãe...
__Eu perdi todos eles. Eles decidiram vingar a morte do meu pai. Foram lá e mataram o pai de um dos mestres. Houve retaliação. Eles mataram meus irmãos e a minha mãe.
__ Nossa! Nem sei o que te dizer...
__ Não precisa dizer nada. Eu já vinguei a morte deles... - Falou erguendo o rosto e olhando sério para a garota que lhe olhou espantada. __ Matei todos os três com a mesma lâmina que meu pai foi morto. Ainda quer ir embora comigo depois de saber disso?
__ Bom... Você estava desesperado não é? Você pode não acreditar em mim, mas eu lhe entendo.
__ Não entendi nada... - Falou ele com a voz mais firme. __ Você não precisa entender nada. - Disse se levantando abrupto.
__ O que foi meu amor?! - Questionou ela assustada.
__ Vou embora e você vai ficar quietinha aqui. Vou acabar com aquele velho e você vai seguir a vida com a sua mãe. - Falou colocando a mão sobre a mochila.
__ Dione, eu não estou entendendo...
__ Você é uma garota inteligente. Estude. Estude muito. Seja uma detetive. Encontre um rapaz que você ame e que te mereça e se case com ele.
__ Quem você pensa que é para dizer o que devo fazer com a minha vida?
__ Eu só quero que você entenda que não sou o homem adequado para estar ao seu lado. Eu queria, mas não posso tê- la. - Falou triste e com os olhos lacrimejando.
__ E a minha vontade, não conta? Pouco importa pra mim, o que você fez ou deixou de fazer. O que importa é daqui a diante. O que passou, passou... eu te amo, será que ainda não enxergou isso! - Disse ela se aproximando dele, segurando o seu rosto com as duas mãos e lhe dando um selinho desesperado e demorado. Dione segurou em seus dois braços lhe afastou e disse:
__ Você não vai querer estar do lado de um homem que matou a própria esposa!
Lisa lhe olhou com espanto. Sentiu um arrepio percorrer por todo o seu corpo. Ficou sem reação diante daquela bombástica revelação.
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