eu estava pensando em como começar isso

das criaturas mais lentas, destaca-se eu. esbaldo-me nas dores que virão, sendo assim as tralhas passadas não costumam puxar-me as pontas dos pés durante a noite. só que o vazio assolou. um dia peguei-me chorando escutando uma canção. eu nunca choro por identificação, mas daquela vez rolou. bateu forte em mim, como se tivesse sido golpeado num ringue. e foram vários golpes... eu chorei sem querer, nunca quis chorar por situações reais. às vezes nosso corpo nos trai.

nunca que iria culpar-te pelos meus problemas, tampouco irei me pôr como vítima. não sou religioso nem acredito muito em signos, mas há um lado supersticioso meu que diz que algo pairou sobre nós e que era para acontecer. era para acontecer a despedida, aquela que nem sabíamos que era a última vez. eu nem lembro mais se você beijou-me ou não. se abraçou-me ou não. se acenou-me ou sorriu ou apenas gritou... ou não. não lembro. e está tudo bem. as minhas três horas diárias de sono me fazem esquecer até se tomei remédio pela manhã, então não vou cobrar-me. um dia desses desmaio. mas o foco não é esse. é sobre você.

é como se sem você comigo eu fosse a pessoa mais triste do mundo. não sou miserável, mas me sinto como um. rastejando entre as semanas, buscando uma sobrevivência a pulso num mundo asqueroso que eu nunca pedi para nascer. eu não pensava nessas coisas com você. deve ser porque éramos jovens. mais jovens do que agora. talvez nossos únicos problemas fossem reclamar sobre o excesso de alho do lanche e como aquele picolé de coalhada era repulsivo. nós ríamos. eu ria tanto. mas tanto. mas tanto. sinto falta da minha barriga doer dessa maneira.

porque, coincidentemente, as coisas na minha vida tomaram um rumo confuso desde a sua partida. eu tenho medo de você esquecer de mim. tenho medo de não ter valido à pena. eu não tinha tantas inseguranças como agora. às vezes penso em voltar ao passado, naquele tempo, talvez até antes, bem antes, encontrar ainda vivos os que se foram, encontrar você, e meus óculos antigos, e minha mochila de bolinhas, e o estojo do ben 10 que meu pai comprou — porque ele sempre fazia isso: me comprava coisas ditas como "masculinas" para afagar seu desejo de ter um menino. embora eu refira a mim no masculino e tenha agido de acordo com o roteiro estereotipado de um durante anos, quando eu estava com você. você não ligava para isso, para minha calça larga, a desordem do meu cabelo ou meu linguajar astuto. éramos dois lados da mesma moeda.

eu tenho medo de voltar a todos esses anos, pois foram neles que adquiri os traumas. eles me formaram hoje. é que não entendo. eu era alguém completamente diferente junto a você e, de repente, depois que você se foi eu me tornei alguém que não sei nem quem é. veja só como cresci. você também cresceu. e quando nos falamos, é pra dizer que estamos com saudades. eu disse por todos esses anos que sentia sua falta. mas não dessa maneira. parece que a falta faltou até agora. neste exato momento.

eu não conheço mais você, como você tá? mudou assim como eu? não consegue dormir antes das quatro, que nem eu? ou também tem dois estados de espírito: desinteresse e obsessão? você odeia o estado tanto quanto eu? você ainda lê livros eróticos? porque eu parei. eu parei. parei pra pensar sobre você e como nós nos distanciamos. é que eu não gosto de palavras como "eu te amo" ou "sinto sua falta", quando não parece que estamos sentindo, e sim tentando provar ao outro que existem. você aparece no meu aniversário todo ano. apareço no seu aniversário todo ano. ainda fazemos isso. e dizemos que nos amamos. porque eu te amo. mas não quero mais dizer. parece que estou tentando provar algo inexistente, pois não faço nada que demonstre. eu só sinto, bem quieto aqui, encolhido na cama, encarando a parede escura. me desculpa por ser assim. eu era tão extrovertido com você. hoje em dia minha fobia social me impede de fazer exatamente tudo.

anos foram o suficiente para a falta assolar. não só a sua, mas de outras pessoas também. fico meio sem ar, detesto chorar por coisas banais. eu conheci um punhado de gente depois de ti. mas não me sinto confortável com nenhuma delas. e eu me lembro que, da última vez que nos encontramos, eu me senti tão em casa que cuspi todos os meus segredos na tua cara. você riu. nós rimos. eu ri. a barriga doeu. fazia tempo que isso não acontecia.

toda vez que pensei em desistir, pensava em como você reagiria ao saber pelos meus pais. ou talvez pelos meus amigos mais próximos. eu não quero te causar nenhum mal. mas é que certas coisas acontecem mesmo. às vezes estamos apenas vivendo nossa vida do nosso jeito, e sem querer influenciamos a de outrem. não acredito ter sido coincidência eu ter padecido logo depois de você partir. não foi por ti, porque, como dito, eu não tinha assimilado sua ida. as coisas desmoronaram. você ainda está de pé?

senti-me substituído inúmeras vezes. não que eu não esteja acostumado... é algo natural para mim. mas é que não substituí você, teu espaço ainda está vago. e me pergunto se vou viver assim, dançando pela vida sentindo-me desconfortável em qualquer lugar e com qualquer pessoa, rindo apenas por simpatia, conhecendo pessoas e não vendo a hora delas partirem. eu fui muito, muito lento para perceber que você não está mais aqui. e eu minto para os meus amigos dizendo que ainda falo com você.

espero que aconteça tudo de bom na sua vida, assim como na minha também. que nos choquemos dentro de um ônibus outra vez. ou que possamos pôr o papo de anos em dia. talvez eu possa te contar as coisas que sinto e deixo de sentir, se conseguiria lhe descrever todas as sensações que me fazem desejar nunca mais acordar. eu te escutaria dizer as sensações que te fazem querer acordar. porque se eu tô mal, eu espero que você esteja bem. bem, muito bem. eu realmente espero.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top