Como covarde

META DE COMENTÁRIOS: 50

Quando Isabella foi dormir, as visitas foram embora e minha mãe também, tomei a liberdade de pedir a Jasper para me levar até meu pai. Queria ver minha casa antes de sumir de novo.

Ele concordou, como sempre, me mimando. Pegou minha mão e me puxou correndo para dentro de Forks. Corremos na estrada molhada pelo leve chuvisco que caia do céu.

Chegamos em dois minutos.

Freei admirada com minha casa e o quanto ela parecia assombrada, uma energia tão mórbida que até Jasper fez a cara de horror que eu exibia mas ele se conteve melhor do que eu. Era como se eu tivesse morrido ali mesmo. A janela da sala cintilava com uma luz fraca que piscava, o murmúrio de televisão em algum jogo, abaixei-me e me aproximei da mesma com cuidado, Jasper apertou meu pulso mais forte e eu segurei a respiração. Já passava da uma da madrugada, meu pai não devia estar acordado, amanhã é segunda. Ajoelhei-me de frente para a janela, deixando da ponta do meu nariz a minha testa expostos, Jasper se sentou sem aparecer, encostando-se na parede e olhando para a rua ainda segurando meu pulso. Senti como se eu fosse uma criança teimosa que ele não pudesse perder de vista, mas tinha que me acostumar com isso.

A sensação nostálgica me atingiu de um jeito até bom enquanto eu encarava aquele cômodo tão frio. A poltrona perto da janela me deixava bem escondida, só agora eu via como ela é acabada, falando nisso, essa janela precisa ser limpa também, o chão está uma imundície!

Latas de energético, cerveja e pacotes de salgadinho no chão do lado do sofá. Charlie jogado no mesmo com a postura toda torta, e não parecia estar assistindo mesmo o jogo de beisebol. Ele bebericou mais uma lata de cerveja. Fiquei irritada, querendo entrar apenas para corrigi-lo estapeando sua mão.

Ele bufou e eu me escondi, ouvi o movimento do sofá, as molas rangendo, seu estômago se revirando, ele gemendo para se esforçar a ficar de pé, amassando a latinha após sugar a última gota e a jogando no chão com as outras. A tevê foi desligada, e eu arrisquei uma espiada, tensa. Ele deu a volta no sofá soltando um arroto alto e levantando a calça pelo cinto. Era quase como eu tinha imaginado, de um ângulo diferente e com uma energia mais pesada. Olhei para Jasper preocupada, este deve ser um péssimo lugar para ele estar, ergui o braço para acariciar seu rosto, ele sorriu com os olhos fechados.

— Me desculpa— sussurrei ouvindo meu pai subir as escadas, elas sempre rangeram tanto?

— Não, tudo bem— Jasper suspirou.

— Nós podemos ir agora, Jasper— falei, sincera.

— Não— ele insistiu, então me encarou— Eu posso ajudar.— me disse, eu franzi a testa, confusa.

— Do que está falando?

— Posso ajudá-lo a dormir, Becca. Pelo menos essa noite— ele disse se levantando. O acompanhei, ainda sem compreender.

— Como?

Jasper sorriu, levantando as sobrancelhas.

— Fique aqui, está bem?— ele beijou minha mão e correu dando a volta na casa. Repensei, ah.

Isso. Ele vai usar seus dons para acalmar meu pai. Sorri, daqueles sorrisos que agradeciam quando as palavras não bastam.

Segui o cheiro de Jasper e me deparei com a janela do meu antigo quarto aberta. Prendi o fôlego novamente, e pulei, entrando no cômodo sem dificuldade, alarmando-me com medo de disparar um alarme que ele instalou, mas relaxando quando nada aconteceu. Eu tenho tanto controle sobre tanta coisa, não dá para não me sentir incrível nesses momentos em que tudo parece tão simples e fácil.

Observei meu quarto, tudo parece velho e mofado, como se há décadas eu tivesse morrido e não só há alguns meses. Não sei se tinha qualquer coisa em algum lugar diferente, não me lembro de como foi meu último dia em casa.

Está uma bagunça, isso parecia rotineiro, as cobertas na cama jogadas de lado como se eu tivesse levantado correndo. A cama encostada na parede perto da porta, a escrivaninha cheia de poeira, um caderno aberto com uma folha de admissão encima do mesmo, canetas espalhadas, quase tropecei nas minhas botas no meio do quarto, a cômoda com uma gaveta aberta, a segunda, minhas roupas ali pareciam terem sido socadas de qualquer jeito, apressadamente. Franzi a testa, querendo me lembrar, mas nada veio.

Me aproximei da minha cama e me sentei encarando o quarto com a tintura mal feita de azul claro. Aquilo foi eu.

E agora não tem mais nada a ver comigo. Uma vez minha zona de conforto, agora só um quarto qualquer. É um sentimento ruim, desconfortável.

O barulho do ronco de meu pai me desconcentrou dos meus pensamentos.

Pensei em seguir Jasper até o quarto do meu pai, mas exigiria muito de mim, o cheiro do humano vulnerável me rodeando num cômodo fechado.

Apenas saí para o corredor e parei diante da porta do quarto do meu velho. Sentei-me no chão encostando na parede.

— Você não precisava fazer isso— sussurrei para Jasper, dentro do quarto.

— Gostaria que fizessem isso por mim, se fosse ele— Jasper rebateu, no mesmo tom— Olha, eu não sei como é perder uma filha, Rebecca, mas sei como é perder você. Você pode ser difícil, mas faz uma falta muito grande quando não está.

O silêncio nos rondou, não de forma incômoda, eu sorri balançando a cabeça. Apenas o som do coração do meu pai, a sua respiração dificultada, a cama rangendo com seus movimentos sonolentos.

— Como ele está?— perguntei relutante se quero saber ou não a verdade.

— Nada bem, Becca— Jasper respondeu. É claro que eu sei— Está exausto, ele... está sentindo tudo e nada ao mesmo tempo, é difícil de explicar— ele disse. Baixei o olhar para minhas mãos e esfreguei-as nervosamente.

— E o que você está fazendo?— cochichei.

— Eu estou...— ele hesitou, procurando palavras para descrever melhor— passando um pouco do que eu me sinto para ele e tirando um pouco da sua dor. Mas têm esses sentimentos fortes, como o luto, que não dá para simplesmente apagar. Só estou ofuscando, queria poder fazer mais...

— Já está fazendo o suficiente, Jazz— interrompi seu discurso. Falávamos baixo, ainda que eu duvidasse que mesmo se gritássemos, que meu pai despertaria— Obrigada, muito obrigada mesmo— fechei os olhos e juntei as mãos, colocando-as contra a testa como se estivesse rezando.

Não é só por mim que ele está fazendo isso, e não podia me deixar mais grata. Passaríamos a noite ali, Jasper disse.

— Jasper— chamei, depois de mais um período de silêncio.

— Hm?— ele gemeu, parecia concentrado. A respiração pesada do meu pai indicava um sono profundo.

— Eu amo você— sussurrei. Silêncio total, o imaginei sorrindo.

— Eu a amo ainda mais— ele respondeu e eu segurei o riso, decidi não implicar e fazer daquilo uma competição, apenas rosnei, baixinho e nada ameaçadora, Jasper retribuiu e nós rimos sem nos ver.

Companheiro para toda a vida, é isso que ele é, o que eu preciso.

— Não.— Charlie murmurou no meio da noite, fiquei alerta pensando que ele tinha visto Jasper, mas o mesmo não saiu do quarto.

— O que houve?— indaguei, curiosa.

— Pesadelo— Jasper respondeu, parecendo cansado. Me levantei, dividida entre tirar a dor de um ou a de outro— Está tudo bem, Becca— Jasper sabe o que estou sentindo também, claro, eu só estou complicando as coisas.

— Becca— meu pai chamou, rouco, como um eco a voz de Jasper. Inflei as narinas, ficando imóvel, pesadelos comigo, é isso que o impede de dormir? Me ajoelhei diante da porta, tocando a mesma, tentada a abri-la— Não, minha menina— ele soluçou, gemeu e a cama rangeu quando ele se agitou.

Saí da casa como uma covarde. A principio, disse a mim mesma que não queria mais causar nenhum tormento a Jasper que já estava cuidando do meu pai, mas depois eu admiti. Eu não quero enfrentar esta dor.

Jasper me encontrou no meio da floresta, a um quilômetro da casa do meu pai, apenas pela manhã. Não trocamos uma palavra sobre a minha fuga. Apenas demos as mãos e corremos.

Quase não houve despedida com a família Cullen. Não queríamos fazer cena e, honestamente, eu preciso ficar a sós com Jasper, voltar ao mundo de faz de conta. Mas antes de irmos, pedi o telefone de Alice emprestado.

Ela nos acompanhou até o limite de Forks, animada com a nossa perspectiva do futuro e falando o quanto estava ansiosa para nos ver novamente.

Nos deram roupa e dinheiro e eu me senti como uma ex-drogada saindo da reabilitação por um momento enquanto Emmett tirava as piadas da minha mente. Vida nova, eu só tinha que me certificar de uma coisa.

Alice me olhou séria ao me passar o aparelho, como uma censura, Jasper franziu a testa, mas ao ver os números que eu estava discando sua confusão se foi e ele revirou os olhos.

Liguei para Edward. Ele atendeu no quarto toque.

— Sim?

— Isabella está acordada?— perguntei.

— Sim— ele respondeu.

— Não faça nada que me obrigue a voltar e arrancar sua cabeça, você entendeu?

— Sim.

— Ótimo, espero que esteja sendo sincero. Distraia ela, deixe-a exausta, mas não faça merda, Edward. O casamento foi lindo, por sinal— mudei o tom, de ameaçadora para animada.

— Sim, Alice— ele respondeu com certo tédio, imaginei que estava fazendo cena porque Bella estava encarando.

— Cuida dela, por favor— pedi.

— Sempre— ele respondeu.

— Boa viagem.

— Pra você também— ele respondeu, e eu desliguei entregando o telefone para Alice.

— Não, fica com ele— ela me empurrou o aparelho de volta— Vocês não podem mesmo ficar?— Alice fez bico. Eu e Jasper nos olhamos, brevemente. Ele me encarou com segurança, aparentemente lendo meus pensamentos.

— Não sei se dá para mim, Alice— respondi, franzindo a testa— Se der... me passe notícias do meu pai, por favor.

— Sim, claro— ela balançou a cabeça imediatamente.

Sorri e a abracei.

— Até mais, chefona— nós rimos. Jasper e Alice se abraçaram, ele beijou o topo da cabeça dela ao se afastar, sorriu e pescou minha mão.

— A gente se vê, praga, obrigado por tudo— diz. Alice sorri radiante e então faz careta.

— Ah, pelo amor de Deus, Jasper!— ela disse com nojo. Olhei para Jasper confusa, e ele apenas me lançou uma piscadela, malicioso. Demos uma risadinha cúmplice.

— Aonde?— perguntei me aproximando mais um pouco.

Alice gritou e nos estapeou.

— Vão embora antes que eu vomite! E fora de Washington!

— Olha aqui, querida, ele é meu marido e a gente transa sim!— provoquei, Alice nos chutou para longe e nós corremos rindo.

— Para onde quer ir primeiro, amor?— Jasper pergunta.

— Texas não— digo.

— Texas não— ele concorda, balançando a cabeça— Quer apostar corrida?— sugeriu, animado.

Abri um sorriso largo e olhei para frente, deixando meu instinto competitivo me dominar.

— Come poeira— eu disse e corri o mais rápido de consegui.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top