Sangue frio
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O avistei do outro lado do estúdio, os olhos estavam escuros em contraste com a pele pálida, mas ele ainda sorria para mim, parecia tão amistoso que se visto de fora poderíamos dizer que éramos conhecidos de longa data, que não tinha porque eu ter medo ou me pôr na frente da minha gêmea de maneira tão protetora, que meu coração não deveria martelar de tanto medo que sentia.
Acordei desesperada quando ele pulou na nossa direção com os dentes expostos numa ameaça e eu levei imediatamente a mão até meu pescoço, um movimento automático pra me certificar que tudo não passara de um pesadelo. Suspirei e vi que minhas mãos tremiam.
— Becca?— Jasper me observava curioso sentado na cadeira da minha escrivaninha estava de pernas cruzadas com um livro que não pude identificar a capa, nas mãos.— Do que está com medo?
O olhei um pouco grogue, ele estava longe do meu alcance, no entanto, entendeu meu pedido perfeitamente vindo para meu lado quando lhe estendi a mão. Estava na minha frente tão rápido que eu nem sequer avistei um vulto.
— Tive um pesadelo estranho— e que neste momento começou a fugir de mim, me deixando mais frustrada. Suspirei e balancei a cabeça olhando para Jasper que ainda me analisava um pouco preocupado.— Está tudo bem, cachinhos.— sorri e baguncei seu cabelo macio.— Só tive um pressentimento péssimo.
— Você me chamou muitas vezes essa noite, querida.
— Você não estava lá, esse era o problema.— a preocupação tentou fincar na minha testa, mas me concentrei em Jasper, seus olhos estavam quase tão escuros quanto do homem estranho em meu pesadelo. Agarrei seu rosto o examinando de um distancia segura.
Há pouco mais de um mês que estamos saindo juntos então eu meio que estou me adaptando em ser cautelosa com os meus movimentos. É de se dar pena se eu contar o tanto de vezes que eu quis beijá-lo nesse meio tempo, mas me repreendi no ultimo instante. Ele está cada dia mais acostumado com o meu cheiro, alega, no entanto, não me deu sinal verde para que eu me aproximasse como bem entendesse.
— Terá que caçar.— concluí.
— Logo.— ele fez uma careta— Ainda não acho seguro ficar perto de você se estiver faminto, vou sair este final de semana.— ele avisou e eu fiz bico.
— Como pode não ser seguro se nós já vivemos tanto tempo colados? Ainda não se acostumou comigo?— perguntei, manhosa, ele sorriu.
— Parece que foi muito pouco tempo, passou muito rápido.— ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e olhou para a porta— Charlie está exalando estresse, te vejo na escola.— ele beliscou minha bochecha e então voou pela janela.
Bufei triste pela nossa breve separação e fui em direção ao banheiro, dessa vez cheguei primeiro que minha irmã. Escovei os dentes durante o banho e mantive o cabelo num coque baixo com preguiça de pentear. Desci e fui tomar café com meu pai que lia o jornal com a cara séria. Jasper não exagerou, ele estava exalando estresse.
— Bom dia, pai.— cumprimentei abrindo a geladeira e pegando leite para comer com cereal. Como ele não respondeu de primeira esperei pacientemente enquanto comia, Bella é igualzinha ao nosso pai, precisa processar certas coisas em silêncio antes de se voltar para falar com você.— Bom dia, pai.— repeti em voz alta enquanto me sentava na sua frente pra comer apressada meu cereal que acabei de botar na tigela. Ele me lançou um breve olhar antes de voltar a ler.
— Bom dia, Becca.— ele murmurou e bebericou um pouco de café na sua xicara de "melhor pai do mundo" que lhe dei uma semana atrás, sorri contente por ele a estar usando. Ouvi os passos pesados e arrastados de minha irmã e lhe dei uma piscadela que a fez sorrir. O humor dela está no auge da felicidade, deve ser porque Edward tem mais controle sobre si mesmo e fique próximo mesmo que isso seja uma tortura. Ele a ama, mesmo que nenhum deles vá assumir isso tão cedo. Eu fico feliz e com inveja por ela poder beijar o garoto que gosta.
— Bom dia!— ela falou e papai a olhou do mesmo jeito que tinha me olhado.
— Bom dia, Bella.— ele disse respirando fundo, dobrou o jornal e se levantou ajeitando as calças.— Devo ir agora, meninas. Becca, você cuida da casa hoje.— ele me lembrou e eu gemi em protesto.
— Te pago vinte pratas se arrumar a casa pra mim hoje.— subornei Bella assim que o carro patrulha se afastou de casa. Bella me olhou desconfiada.
— Por que?— quis saber e eu me animei pulando pra me sentar na bancada a puxando pra perto.
— Lembra que eu te falei da cabana que Jasper me levou outro dia? Quero voltar lá hoje. Quem sabe dar uns beijinhos.— brinco, rindo sozinha.
— Você tem certeza, Becca?— ela fica receosa, uni as sobrancelhas sem entender— É que eles estão precisando caçar de novo, precisamos dar a eles um espaço. Principalmente o Jasper, já que ele não tem muito...
— Jasper não me machucaria.— a interrompi, emburrecida.
— Eu só... me preocupo, Edward me contou que Jasper é o mais novo nessa vida "vegetariana". Pra ele é ainda mais difícil do que para Edward.— ela se apressou para justificar e eu fiquei sem palavras por mais um minuto.
— Ele é mais velho que Edward....
— Mas não tem tanto controle sobre si quanto Edward.— ela me interrompeu e eu baixei o olhar segurando a onda de raiva.
— Se fosse pra me machucar, ele já teria o feito.— defendi meu namorado.
Namorado? Esta é a primeira vez que eu sequer penso nessa palavra e ela, para meu choque, não parece tão errada. O que eu e Jasper somos? De verdade? Ele ás vezes pode parecer mais meu guarda costas ou minha sombra, mas eu obviamente não o vejo assim. Ele está comigo, mas até que ponto? Fiquei congelada enquanto minha irmã chamava meu nome.
— Rebecca, o que há? Me desculpe, não fique brava comigo, eu só fiquei preocupada. Eu posso cuidar da casa— ela suspirou já pensando no cansaço, mas não foi por causa disso que eu voltei a olhá-la.
— Não fiquei brava com você, fiquei com brava com seu namorado.— "ele não sabe do que está falando" eu queria poder dizer, mas Edward conhece Jasper melhor que eu, então ele sabe sim.— Esqueça a casa, eu cuido dela, não é uma boa hora pra forçar a barra mesmo e me entregar de bandeja para um vampiro faminto.— resmunguei pulando da bancada e indo para as escadas para pegar minha mochila no quarto.
— Becca, eu não...
— Esquece, Bella.
☽
Me espreguicei do lado de Jasper na hora do lanche e apoiei a cabeça em seu ombro enquanto levava uma garfada de salada até a boca. Ele pôs a mão em minha coxa casualmente e parou de se mexer, essa é a parte mais difícil de se acostumar, essa imobilidade que para ele e sua família é tão natural.
— O que há, querida?— Jasper perguntou sentindo a atmosfera ao meu redor.— Que preocupação é essa?— ele se curvou um pouco para ver meus olhos, os cachos caindo pra frente e cobrindo minha visão. Não pude evitar de sorrir com a sua cara fofa.
— Eu estou com umas lições atrasadas— menti e Edward lançou um olhar desconfiado na minha direção depois de encarar a sua irmã, Alice, me perguntei se os meus batimentos vacilaram pra me entregar assim.— você anda me distraindo demais, cachinhos.— fiz bico, nada melhor do que contar uma mentira acompanhada de uma verdade obvia.
— Em breve vou te deixar em paz, a não ser que você não queira que eu vá agora.— foi sua vez de fazer bico e eu ri, como um cara daquela idade e tamanho poderia ser tão fofo?
— Querer e dever nem sempre andam de mãos dadas. É uma necessidade, não posso ser tão egoísta...
— Não é egoísmo se eu quiser também— ele deu de ombros e eu dei um tapa leve em seu peito, um estalo baixo que ele nem deve ter sentido.
— Não, Jazz, você não me deixaria ficar faminta pedindo pra ficar com você, você deve ir com o Cullen.— Edward franziu a testa curioso pelo modo que o chamei. Ainda estou irritada pela sua pouca fé no autocontrole do próprio irmão ter virado uma pauta a ser discutida entre ele e Bella.
— Isso é diferente, você precisa se alimentar por que se não você pode desmaiar por aí, no mínimo. Mas se eu ficar com mais fome apenas fico mais perigoso. Para você não, é claro, você é a coisa mais importante da minha vida, nunca te machucaria e isso é algo que não deve ser questionado.— ele disse e voltou a sua posição de estatua, senti uma felicidade enorme com sua declaração e um sorriso se expandiu na minha cara.
— O que você acabou de dizer?— minha voz se elevou com a risada boba que eu soltaria em breve, Jasper me olhou de canto com um sorriso maroto nos lábios desenhados.
— Não faço ideia do que está falando.— ele mentiu e eu amassei a latinha de refrigerante na sua perna como fazia quase todos os dias.
— Jasper Hale! O que você acabou de me dizer?— insisti sorridente e ele riu baixo, sexy e incrivelmente lindo.
Jasper segurou o meu queixo e se aproximou com confiança. Eu não fiquei pasma quando seus lábios encontraram os meus, não, longe de mim! Apenas endureci e fiquei assim por uns segundos. Milhares de gritos internos ocuparam meus pensamentos, mas aí eu relaxei e o beijei de volta sentindo sua calmaria me abraçar.
— Adoro te deixar sem palavras.— ele sorriu malicioso ao se afastar e sussurrar em meu ouvido me causando arrepios e fazendo meu rosto ferver.
— Você acabou de fazer o que eu queria fazer a muito tempo.— sussurrei e ele me roubou outro selinho, sendo este bem mais breve que o anterior.
— Eu sei, também odiei te fazer esperar tanto.— ele sussurrou, tão perto que me perguntei se eu ainda não estava sonhando, eu enlouqueci ou ele que ouviu minha conversa com minha irmã mais cedo? Nos encaramos fixamente e eu me esqueci de minhas perguntas olhando seu rosto maravilhoso.
— Não está fazendo isso só pra me agradar, está?— seu rosto ficou sério e deduzi que eu estava certa. Afastei a mão de meu rosto e o empurrei de leve pra longe— Você ouviu minha conversa com Bella.— falei e ele não recusou, respirou fundo e encarou a mesa.
— É, ouvi.— murmurou e eu me xinguei mentalmente, agora ele se culparia por não poder me beijar também fora todo o resto que ele já teme que possa me quebrar.
— Jasper...— o repreendi, mas sei que ele não controla a própria audição.— Não precisa fazer tantos esforços pra mim, ok? Eu estou bem, estou muito feliz de te ter do meu lado.
— Mas isso não basta, não vai ser assim pra sempre, me desculpe te fazer esperar tanto.
— Jazz, não é culpa sua. É minha e dos meus hormônios, mas isso não é nada que eu não possa aguentar.— arrisquei a brincadeira, mas Jasper não reagiu. Olhei para Edward em pedido de socorro, ele compartilhava os pensamentos do irmão e então apenas balançou a cabeça negativamente pra mim, fiquei em duvida se era porque me culpava ou um aviso para dar um tempo á ele. Tentei me segurar, mas não aguentei o silêncio por tanto tempo.— Ei, ei.— foi minha fez de esconder seu rosto com meu cabelo, o encarei com um sorriso no rosto, ele demorou um pouco, mas retribuiu um pouco mais triste.— Eu amei que você tenha dado esse passo, cachinhos, mas eu vou aceitar as coisas no seu tempo, quando quer que esteja pronto, estamos entendidos?
— Ás vezes me esqueço que somos de tempos diferentes demais, a paciência que eu tenho para te cortejar me deixa desatento ao quanto esses tempos são apressados e sem amor.— ele riu balançando a cabeça.
— Por favor, não comece a falar "no meu tempo..." porque eu não quero ter que te chamar de vovô.— eu implorei e nós rimos, Edward nos acompanhou, Bella ficou confusa pela gracinha que não ouviu, mas tentou acompanhar com um sorriso.
— Acho que tataravô seria mais correto.— Edward me corrigiu e eu lhe arremessei a latinha amassada.
— Cala a boca!
☽
Na volta para casa, não tentei convencer Jasper a mudar de caminho e disse que estava com pressa para arrumar a casa.
— Te vejo lá em cima?— perguntei quando ele parou o carro na frente da minha casa.
— Becca, eu acho melhor eu ir caçar, quanto mais rápido eu for mais rápido vou voltar.— ele se adiantou, me analisava com cuidado, mas era impossível eu sequer esconder a frustração que senti.
— Promete?— fiz bico e ele pegou minha mão para beijá-la.
— Prometo, não vai nem notar que eu parti.— fiz careta e ele sorriu.
— Sabe bem que isso é impossível, eu sempre vou notar sua falta.— grunhi agarrando seu braço e o abraçando.
— Não fique triste, querida. Eu vou voltar para ti em breve.— sua atenção se voltou para o para brisa e eu já entendi o sinal só que é cedo demais para meu pai estar por perto.
— Meu pai?— perguntei num sussurro e Jasper assentiu saindo do carro, coisa que estranhei já que ele evita meu pai a todo custo. Ele deu a volta no carro e abriu a porta pra mim— o que você está fazendo?
— Calma.— uma onda de tranquilidade atravessou meu corpo e eu repreendi Jasper com o olhar.
— Você sabe que não gosto que mexa com minhas emoções, cachinhos.— puxei seus cabelos e ele sorriu.
— Seu pai está parado. Edward, me mantenha informado.— ele pediu educadamente e voltou a me olhar.— Becca, eu vou ter que ir um pouco longe desta vez, mas vou tentar voltar antes que você vá dormir.
— Mas assim você não terá se alimentado o suficiente.
— Não.. mas eu vou embora em breve, seu pai que vai precisar de mim.— ele gesticulou, atento, os olhos escuros indo da estrada e de volta pro meu rosto.
— Meu pai?— fiquei mais confusa, apesar de tão calma que poderia boiar num oceano agitado e ainda sorrir.
— Seu pai perdeu um amigo próximo hoje, por isso está voltando mais cedo, ele vai cuidar do funeral e pode estar muito sensível, Edward está me dizendo e como eu te conheço bem você vai sentir o dobro da dor dele, não vou poder ficar longe por muito tempo preocupado com você. Preciso que me prometa que vai aguentar até eu chegar.
— Quem morreu?— assim que perguntei senti um nó na garganta, meu pai está parado, ele avisou, então provavelmente estivera chorando e está procurando se controlar pra não assustar a filha sensível demais. Isso é fácil de reconhecer, meu pai é muito cauteloso com meus sentimentos.— Billy?— se fosse Billy eu com certeza ficaria mais triste ainda, ele é importante pra Charlie e foi importante para mim quando eu era menor, agora que nos distanciamos e eu nem fui ver ele... o que eu faria? Será que Jake está bem? Antes de eu insistir na pergunta Jasper pegou meu ombro intensificando a onda de tranquilidade e eu respirei fundo.— Não faça isso, quando você for o vazio vai ser pior.— pedi e ele se controlou um pouco.
— Não foi Billy, meu bem. Fique ao lado do seu pai, ele está bem cansado.— Jasper me abraçou e eu retribui hesitante, procurando lembrar dessa proximidade.— tenha cuidado com as palavras, seu pai é forte mas está em duvida se vai aguentar segurar uma mascara muito tempo, ele vai dispensar vocês logo.— o loiro instruiu e desmanchou o abraço pulando por cima do carro rapidamente e entrando. Vi Bella descer o carro de Edward um segundo depois e nós duas nos aceleramos a entrar sem olhar para trás.
— Charlie triste? Eu nunca o vi triste, não vou saber como lidar, Rebecca.— minha irmã falou andando de um lado para o outro, tive de agarrar seus ombros tentando me manter calma mesmo que já tenha sentido a onda de Jasper se afastar.
— Calma, vamos precisar agir como se não tivéssemos nenhuma noção. Deixe que eu falo, finja estar ocupada com alguma coisa, você é uma péssima mentirosa, hm...— olhei ao redor passando as mãos nos cabelos pensativa— sobe e toma um banho, eu vou estar assistindo tv, não fale a não ser que eu lhe dirija a palavra, aja com ele como devemos agir com você, deixe que ele fale, e se não tiver vontade, fiquemos quietas mas do lado dele a todo instante.
— Você se programa assim pra falar comigo quando estou triste?
— É claro, agora vá, ele já está aqui.— a empurrei quando ouvi o carro patrulha de Charlie estacionar na frente de casa, Bella correu fazendo barulho e eu torci para que meu pai não notasse a agitação, pulei no sofá e liguei a tv num canal qualquer mudando toda hora como sempre faço até ouvir a porta abrir e fechar. Me virei depressa e sorri para a cara cansada dele com um pouco de pesar, é difícil ver ele com os olhos inchados e vermelhos— Pai? O que houve?
O lábio inferior do meu velho tremeu e eu me pus de pé rapidamente indo com pressa para o seu lado.
— Pai?— toquei seu braço e ele cobriu a boca com um punho fechando os olhos com força, por que meu lado racional evapora diante de cenas como essa? Todo o sangue frio que eu tinha evaporou a partir do momento que eu vi o meu pai chorar— Pai, o que houve?— minha voz era mais que preocupada, eu sabia que iria chorar com ele em instantes, meu pai me abraçou, sei que o gesto era mais para esconder o rosto de mim e eu retribuí.
— Waylon está morto— meu pai sussurrou— meu amigo de infância está morto.
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