Nem eu

OUTUBRO

NOVEMBRO

DEZEMBRO

JANEIRO


De volta á Forks? Quem diria. Por essa acho que ninguém esperava, mas minha mãe foi bem convincente no fato de ela não me querer mais na sua casa. O frio me deu boas vindas enquanto o táxi se aproximava da placa da cidade. Fechei o casaco, cruzando os braços no banco de trás, não pude conter a ansiedade que tive com toda a proximidade do passado.

Eu não demorei em correr para Phoenix após aquele episódio. Não aguentava ficar nem mais um segundo rodeada de lembranças, rodeada da depressão de Isabella misturando-se com a minha.

Minha mãe me aceitou de volta, cheia de pena da sua filhinha de coração partido. Bella preferiu ficar presa no passado, o que é uma merda já que eu não quis insistir para nós ajudarmos uma a outra a sair da fossa. Falhei com ela nesse quesito, a abandonando quando mais precisava... que ironia, sou praticante daquilo que abomino, nunca me considerei hipócrita, mas olha... Estou de parabéns!

Bella foi um dos motivos pelos quais eu aceitei voltar e não me dei de louca e saí pela estrada pegando carona com desconhecidos até sabe se lá a onde ou o típico ir com a maré. Eu me sinto na merda, mas ainda não quero morrer de verdade.

Ajudar minha irmã a viver é um motivo, minha mãe ter praticamente me chutado de casa é outro. Meu pai implorando por socorro era mais um. Eu querer testar minha força é outro.

É, pode se dizer que eu vim mais por mim do que qualquer coisa. Eu odeio fugir das coisas e é apenas isso que eu estava fazendo nesses últimos meses. Fugindo de mim mesma, de tudo que eu senti. E ainda sinto, no caso, mas nós não falamos sobre isso. Porque ele está sempre comigo, por mais chapada ou bêbada que eu esteja.

É masoquismo voltar pro ponto onde eu sei exatamente que tudo vai vir com mais força? Talvez sim, talvez eu queira sentir alguma dor. Nada mais me entretém se não me afogar em mágoas ou me jogar de cabeça em brigas sem sentido.

A que ponto eu cheguei? Mal posso me reconhecer.

Fora a aparência, o novo corte de cabelo, as roupas mais apertadas e o vício em nicotina, eu acho que não tenho muito o quê atualizar. Estou tão vazia por dentro que as vezes me pergunto se não estou morta.

Me distraí em Phoenix como qualquer adolescente comum. Mal ficando em casa, indo á festas, bebendo escondido dos pais, chegando em casa de madrugada e um pouco alta, acordando tarde ou nem levantando da cama nos finais de semana. Mas eu não podia ficar em silêncio por muito tempo, então ou eu me jogava de cabeça nos estudos ou tomava remédios para dormir durante o tempo livre.

Minha média na escola estava surpreendentemente na mesma. O fracasso que sou agora não mudou muito o fracasso que eu era, que engraçado.

Talvez eu estivesse precisando mesmo dessa folga na minha rotina. Do tipo de rotina ao mesmo tempo acelerada e vazia. Eu estava rodeada de pessoas vinte quatro horas por dia, sete dias por semana, mas ainda assim não podia estar mais sozinha. É um sentimento cômico, não é? Tem gente ao seu redor, como que você não consegue enxergar?

Cheguei. O táxi parou e eu desci com um sentimento de cautela, o carro patrulha de Charlie não estava, eu não avisei que chegaria hoje, só avisei que estava vindo. Paguei o velho latino e peguei minhas duas malas do porta malas sozinha. Até a atmosfera ao redor da casa era péssima como se alguém tivesse morrido, então a esperança de que Bella estivesse ao menos um pouco melhor que eu se foi.

Quer dizer, eu deveria estar melhor que ela, não é? Eu saí de casa, eu vivi rodeada dos meus amigos tentando levantar minha moral. Mas eu não era eu.

Até Tara Johnson, minha amiga mais próxima de Phoenix, ficou preocupada com isso. Numa tarde de sábado, quando eu já fazia outros planos com pessoas que eu conheci em outras festas, Tara chegou ladeando dona Renée.

— Por que não ficamos em casa hoje? Podemos assistir á uns filmes de terror ou comédia, se você quiser.— Tara sugeriu se apoiando na bancada, as duas me encaravam pensativas e estava óbvio que queriam me prender ali. Neguei balançando a cabeça. Até no terror tem romantismo, eu não conseguia assistir muito tempo sem lembrar dele.

— Jogos de tabuleiro então?— mamãe sugeriu, eu simplesmente ignorei sua tentativa enquanto mandava mensagens.

— Qual é, Becca, a gente pode se divertir... menos só por hoje?— Tara questionou tomando meu celular. A olhei revoltada.

— Eu já tenho planos.— anunciei me levantando e lhes dando as costas. Peguei minhas chaves de casa indo em direção a porta da frente.

— Fala sério, Rebecca, eu não te conheço mais!— Tara disse, me seguindo com o olhar indignado. Eu travei com a mão na maçaneta, sua fala não me atingiu em cheio porque era novidade, eu não sou cega, eu me conhecia. Me atingiu porque eu estava deixando todo mundo ao meu redor cansado. Apesar de estar magoada eu não queria magoar todo mundo, lá no fundo eu só queria que alguém me mostrasse o caminho de volta pra superfície.

Por um momento eu quase chorei, quase cedi naquele dia mesmo. No entanto respirei fundo e abri a porta.

— É. Nem eu.— foi o que eu respondi antes de ir curtir a vida. O dia estava ensolarado, eu não tinha tempo pra lamentar.

Suspirei alto enquanto o táxi se afastava, me abandonando no meio fio. Praticamente arrastei-me para a entrada sem conseguir evitar as lembranças de outros tempos. Que estranho, parecem que esses quatro meses foram uma eternidade enquanto eu estava em Phoenix, mas ali, na porta de casa de meu pai o tempo não mudou nada.

Apertei a campainha, me sentindo ridícula logo em seguida, esta é minha casa. Entrei antes que os passos lesados de Bella terminassem de descer as escadas. Ela parou ao me ver, dois degraus antes do fim.

— Você está péssima.— comentei abrindo um meio sorriso, puxei minhas malas para dentro e fechei a porta abraçando minha gêmea quando ela correu para mim. Ainda a segurando, a encarei. Ela está a péssima mesmo, sem cor como um leite azedo, não tinha sequer brilho nos olhos. Pensei que não estivesse muito diferente, apesar de tudo. Mas ainda somos pessoas diferentes.

— Maneiro.— comentou ela também com um meio sorriso e apontando para meu cabelo. Eu o cortei nos ombros e raspei na lateral.

— Nem me fale.— suspirei.— Como você está?

— Inconsciente, assombrada. E você?

— Perdida, sufocada.— ri sem humor e Bella me acompanhou. Segurei seu rosto olhando fixamente seus olhos castanhos.— Desculpa ter ido embora.

— Se eu fosse capaz de ir, também iria.— ela deu de ombros.

— Papai pediu socorro para mamãe e vice versa.— falei cruzando os braços.

— Fiquei sabendo.— ela disse colocando as mãos nos bolsos da calça moletom cinza que vestia— Você anda vivendo demais.

— E você, de menos.— reviramos os olhos.— Quer trocar de lugar?

— Sim.— respondeu ela, prontamente, não desconfiei, afinal a sua vida devia estar um inferno.— Ando precisando de um pouco de adrenalina.

Sorri.

— Se você não exagerar, eu não conto pro papai.— alertei-a e carregamos minhas malas escadas acima.

— Ah, Rebecca, eu meio que estou dormindo no seu quarto agora.— Bella me disse assim que comecei a girar a maçaneta, encarei a porta brevemente.

— Ótima ideia.— disse e seguimos para a próxima porta. O quarto de Bella era mais estreito que o meu, ainda que do mesmo tamanho. A cama é perto da porta coisa que eu logo mudei arrastando-a até a parede. Até a janela era no mesmo lugar que a minha. Isso me irritou profundamente, no entanto não tinha como mudar tudo.

Fiquei horas arrumando minhas coisas, sozinha. Não que fosse muita coisa, eu só queria enrolar mesmo. No fim, com as malas já esvaziadas e guardadas embaixo da cama, eu me joguei sobre a mesma e suspirei alto. Encarei o teto, com um arrepio leve percorrendo meu corpo conforme eu lembrava do que eu queria enterrar a sete palmos do chão.

Eu lembrei do meu choro, da dor — que ainda me acompanha — nascendo. As coisas que ele me disse vívidas na minha mente, um assombro que eu tinha medo de nunca superar. Eu podia ver seu rosto e ouvir sua voz com perfeição, mas elas já não se encaixavam. Era como se ele falasse que não me amava num sábado que íamos para a cabana e passaríamos o dia jogando jogos de tabuleiro, rindo quando o outro perdia e não aceitava. Ou numa quinta feira que ele me presenteou com uma rosa amarela e um sorriso nos lábios.

Suas palavras não fizeram sentido no dia que ele me deixou, e nem fazem sentido agora. Parte de mim não quer acreditar que ele nunca me amou.

Ele me amou, sim. Mesmo que só por um momento. Fiquei irritada com meus próprios pensamentos, eu ainda estou em negação, e isso é humilhante. Eles foram embora, eles não vão voltar.

Vai ser como se eu nunca tivesse existido.

Queria que ele pudesse roubar minha memória, como fez com tudo que tinha de mim.

Saí do quarto rapidamente, pegando um casaco preto que eu deixei encima da cadeira da escrivaninha. Desci as escadas e vi Bella inclinada na mesa de centro da sala, fazendo algum dever.

— Quer sair comigo?— chamei, quase que prevendo sua resposta, ela continuou escrevendo por mais um segundo antes de levantar a cabeça para me olhar.

— Eu tenho dever.

— Ainda vai ter no final do dia, quem liga?— andei até ela puxando-a para cima, ela soltou seu lápis.

— E aonde é que vamos, oh, deusa da diversão?— indagou ela, revirando os olhos.— Estamos em Forks.

— Temos a picape, pelo amor de Deus não me faça te dar um tapa na cara. Vamos fazer compras em Port Angeles.

— Eu odeio compras.

— Eu também. Mas ainda vamos. Estava pensando em pintar os quartos de uma cor viva, céus, esse lugar parece uma casa de repouso só que mais deprimente.


— Vamos, rosa ou roxo?— incentivei Bella, apontando os potes de tinta, tinha acabado de dispensar o atendente.

— Não gosto dessas cores.

— E eu não gosto de você, mas olha que eu tento.— ela riu e eu me senti bem, iríamos devagar mas eu ainda ajudaria Bella a melhorar, nós só temos uma a outra agora, afinal.— Vamos, Belinha..

— Não me chame assim, eu me sinto uma cachorra.— ela me cortou e eu sorri de canto— Eu senti sua falta.— ela admitiu, olhando para as latas fingindo escolher uma cor. Acariciei seu ombro, não gostamos de demonstrar muito afeto em público.

— Eu sou a típica insuportável que todo mundo reclama, mas não vivem sem.— gabei-me e ela levantou um pote de tinta verde, me olhou sugestivamente e eu ergui a mão fazendo um sinal de mais ou menos.

— Tem razão, você é insuportável.— ela colocou o pote de volta no lugar e eu suspirei derrotada.

— Tá bem, não é um tom de vômito.— fiz careta rindo um pouco— E se...— pensei um pouco olhando as tintas e peguei um pote de tinta branca.— desenharmos algo com a tinta branca, hein? Você sabe que eu sou uma ótima desenhista.

Bella riu, a mão ainda sobre a tampa do pote de tinta verde claro. Ela bateu o indicador na tampa, pensativa.

— Eu não te deixaria desenhar na minha parede nem que você me pagasse.— zombou e meu sorriso vacilou um momento com a familiaridade da piada, limpei a garganta e desviei o rosto antes que Bella notasse minha careta de tristeza.

— Vamos, Bella! Eu estou entre um azul claro como os meus olhos— fiz um gesto teatral em direção ao meu rosto. Bella me olhou desconfiada— ou um preto bem macabro tipo a minha alma.

— Pensei que íamos aliviar o clima mórbido.— lembrou-me e eu abri um sorriso plastificado.

— Azul ou roxo?

— Rosa.

— Não é uma opção.

— Amarelo?— tentou ela e sua boca logo se torceu como se ela tivesse imediatamente se arrependido pelo que falou.

— Eu não gosto dessa cor.— respirei fundo tentando fingir que não havia sofrido outra oscilação.— Azul então. Sabe, só para me lembrar do meu amor próprio!— respirei profundamente e pegamos as tintas levando-as ao caixa.


— Desde quando você fuma?— Bella me perguntou ao me encontrar nos fundos da casa, joguei o cigarro no chão e pisei nele para apagá-lo, não queria que Bella descobrisse tão rápido mesmo que eu não estivesse tão escondida. Suas roupas estavam manchadas de tinta verde e tinha até umas gotinhas frescas no seu cabelo.

— Vivendo demais.— falei como um lembrete e soltei a fumaça pelo nariz e pela boca numa bufada.

— Eu quero.

— Nem pensar.— a repreendi na hora.— Se chegar perto dessa merda— apontei para a bituca aos meus pés— eu quebro seus braços.

— Por que você pode e eu não?

— Não seja infantil. Acha que eu iria querer minha irmã viciada?

— Trocar um vício pelo outro, grande diferença.— ela rebateu.

— É... Mas um não apaga o outro.— a encarei séria. Ficamos quietas por um minuto.

— Tome um banho, Charlie chega em meia hora.— Bella disse, tirando a tinta dos dedos com a unha do dedão.— Eu só iria te pedir ajuda com uns desenhos, mas esquece, eu me viro.

Assenti, me virando para entrar na casa.

— Você vai... parar com os cigarros, não vai?— ela perguntou.

— Não prometo nada.— respondi sorrindo de canto e voltei para dentro da casa.

Eu cansei de promessas.

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