Inquietação

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Dave foi e voltou de seu banho tão rápido que mal me deu tempo de voltar a pensar, tempo de me afundar no sofá e levar uma surra da minha consciência maldosa.

Ele apareceu jogando gentilmente um cobertor na minha cara e se voltando para cozinha afim de pegar as xícaras gordas e vaporizando com nossos chocolates quentes. Ele fazia careta e dava passos curtos ainda que apressados olhando concentrado para não derramar a bebida ao se sentar devagarinho á uma distância segura de mim.

Eu ri. Era um gesto tão simples, tão humano.

Cuidados que outro loiro que eu conheci nunca teria. Por que ele teria medo de que o chocolate quente caísse no seu colo? Eu desviei o rosto para que Dave não notasse que meu sorriso desmanchou e massageei minhas têmporas, cansada de pensar no que não devia.

— Aqui.— o garoto me estendeu minha xícara e eu a peguei cautelosa. Dave arrumou a coberta sobre nós e jogou as pernas no meu colo enquanto se esticava para pegar o controle que estava na poltrona do lado. Eu não sei porque eu sorria, mas não conseguia parar e me sentia uma idiota por isso.

Sentia falta de sorrir, mas com Dave é tão... Natural...?

— Vai ser atividade paranormal porque sim.— anunciou ele.

— Esse filme é uma merda de tão fraco.— fiz pouco caso soprando a minha xícara, Dave me olhou devagar com cara de indignação.

— Como ousa? É um dos meus filmes favoritos!

— Fala sério!— o encarei, desacreditada.

— Ele tá, tipo, no top 10!

Eu ri bebericando um gole corajoso do chocolate quente e sentindo minha língua queimar em seguida.

— Fraquíssimo.— falei— Depois dessa eu vou embora!— fiz menção de me levantar, na brincadeira, mas Dave forçou o peso de suas pernas no meu colo e eu mal me movi.

Colocamos nossas xícaras de lado por um momento e começamos a brincar de lutinha, eu querendo sair do sofá e ele me deixando imóvel. Até ele começar a me atacar com cócegas e eu rir tanto que acabei fazendo barulho de porco. Dave parou na hora que ouviu o som e nos encaramos sérios antes de ter uma crise de riso no momento seguinte. Nessa hora ele tinha todo o tronco me esmagando contra o sofá e as mãos relaxaram na minha barriga, onde ele se apoiava para não ficar ainda mais próximo de mim.

Mas o problema é que ele já estava próximo o suficiente para eu sentir o seu calor atravessando sua camiseta e seu peito com respiração descompassada encostando no meu. A ponta de seu nariz empinadinho estava a apenas dois dedos de distância do meu.

Aquilo me pareceu tremendamente errado.

Eu já tentei, muitas vezes levar os flertes com outros garotos para frente enquanto estava na casa de minha mãe, mas todas as vezes, quando avançamos para a hora do beijo eu recuo, com medo. Eu não sei explicar melhor do que: eu sinto como se estivesse cometendo uma traição.

Mas encarando os olhos castanhos claros do garoto a minha frente eu só pensava por que não? Por que não?

Minha mente girava, buscando meios de sair dali ou de levar o ato para frente. Nada ajuda a sufocar o medo de traição. Será que se eu beijasse Dave agora, Alice veria e contaria para ele?

Eu não tinha muito tempo para decidir, nós encaramos a boca um do outro e a distância ia se diminuindo.

— Não.— eu disse, por fim. Desviei o olhar e afastei Dave empurrando-o com a mão no seu peito.— Não.— repeti, mais para mim mesma por ter sequer considerado a ideia.

— Me desculpa, eu... não me controlei.— ele corou violentamente e se sentou na poltrona, o mais longe o possível de mim.

— Não tem problema, Dave.— eu falei baixo— Eu só... não estou na minha melhor fase para isso, ok?

— Não, eu que não devia ter forçado a barra— ele balançou a cabeça sem me olhar diretamente— me desculpa eu sei que você acabou de sair de um relacionamento... praticamente.

Sorri enquanto ele baixava a cabeça.

— Eu acho melhor eu ir embora.— eu disse me levantando e calçando meus tênis de volta.

— Mas... mas e o jantar?— ele se levantou comigo, no exato mesmo momento e eu dei de ombros me sentindo pequena de frente para ele.

Ele e o garoto de ouro tem a mesma altura, interessante, comentou minha consciência com um ar sarcástico.

— Talvez outro dia.— dispensei com meio sorriso e andei na sua direção, fiquei na ponta dos pés e lhe dei um beijo na bochecha antes de ir me despedir apressada da senhora Marks e correr para casa com o rabo entre as pernas.


— Rebecca! Becca!— alguém me sacudiu com uma voz de desespero e eu me debatia para sair da água, eu estava revoltada com aquele fim de mundo sempre parado, eu queria me afogar, queria sair dali, queria que tudo acabasse. Acordei num choro intenso e vi Bella me encarando séria, eu sou o reflexo dela de dias atrás.— O que houve? Eu nunca te ouvi gritar assim...

— Eu acordei o papai?— perguntei fungando e olhei pela janela, está escuro lá fora. Eu passei o dia todo correndo, tinha se passado duas semanas desde que eu tinha estado com Dave e o evitava desde então. Eu estou exausta, meu corpo pede pausa e minha mente é uma tormenta. Quando cheguei da escola em casa tomei remédios para dormir, esperava que eles ao menos me livrassem do pesadelo. Mas não.

— Ele ainda não chegou, são nove horas.— Bella fechou a porta do meu quarto e apagou a luz me empurrando para o lado para se enfiar debaixo das cobertas comigo.

— M-me desculpa.— eu pedi soluçando e voltei a chorar, seria irônico se eu conseguisse me afogar ao menos com meu próprio choro.

— Desculpa pelo quê, Rebecca?— Bella e eu nos deitamos uma de frente para a outra e ela botou mechas do meu cabelo para trás da minha orelha.

— Me desculpa por não ser tão forte, por não ser seu apoio ao invés de deixar Jake cuidar de você.— eu senti meu peito doer e senti como se estivesse sendo enforcada, era um sufoco enorme e eu só queria gritar e gritar sem parar.

— Está tudo bem, Rebecca. Nós estamos passando pelo mesmo processo. Não é como se você precisasse ser mais forte por mim.

— Eu tenho que ser... sou a irmã mais velha.— minha voz saiu trêmula e Bella esperou eu me recompor o suficiente para a encarar.

— Você não vai nunca superar o fato de ter nascido dez minutos antes de mim?— ela brincou e eu sorri fraco por um instante insignificante.

— Eu não aguento— soluço— mais, Bella! Ele disse que não me amava... Estou começando a pensar que talvez seja verdade.

— Como é que é?— Bella me encarou confusa e eu permaneci em silêncio— Mas que... mentira deslavada!— ela ficou genuinamente irritada.

— Acho que não foi real... nada do que ele me disse. Mas— soluço e fungada— por que ele faria isso? Por que mentiria com essas palavras?

— Talvez ele quisesse que você o odiasse.— Bella sugeriu.

— É babaquice— falei depois de cogitar a ideia por um minuto— ele sabe que eu não o odiaria. Mesmo que por um segundo...

— Não o odiou?

— Só por um mísero segundo.— admiti com uma risada fraca— Mas logo voltei a amar ele com todo meu ser... ele me machucou pra caralho. Como ninguém nunca tinha feito antes.

— Pior que James?— brincou ela e eu ri.

— James foi uma ondinha fraca comparada ao Tsunami que...— me calei e depois bufei irritada, eu não preciso ter medo de um nome, é só um nome!— Jasper causou.— acrescentei talvez tarde demais para a frase fazer algum sentido, mas sabia que Bella entenderia.

— Você... me culpa por ter cortado o dedo naquele dia?— perguntou Bella, cautelosa.

— Por que eu faria isso? Eu não culpo ninguém.— eu disse a verdade, nunca me passou pela cabeça culpar Bella.

— Eu pensei que sim.

— Por que pensou isso?— perguntei, ofendida.

— Porque você foi embora.

— Eu pensei que tivesse entendido que eu precisava sair.

— Eu sou egoísta, Rebecca... Eu queria que estivesse aqui. Talvez tivéssemos melhorado mais rápido.

— Talvez não.

— É, têm razão.

—...

—...

—...

— Por que— suspiro— você não vem comigo e com Jacob para andarmos de moto amanhã?

— Já terminaram de consertá-las?

— Jake é bem empenhado.— pude sentir o sorriso em sua voz. É bom ver o quão bem Jake faz a ela.

— Charlie vai nos matar se descobrir.

— Com certeza.

— É uma péssima idéia.

— Sei disso.

— Sabe como é. Garotas emocionalmente instáveis. Motos instáveis. A gente pode se machucar feio.

— Não discordo.

— Eu topo.

— Maravilha.


Estava na hora, Isabella dirigia conforme Jacob apontava um lugar seguro para praticarmos "nossas habilidades de pilotos". O dia estava relativamente bom, Jacob falava animadamente sobre piadas internas com minha gêmea, eu não tentei perguntar sobre o que cada uma significava e respeitei o espaço deles concentrando-me na paisagem. Eu estava espremida contra a janela enquanto Jacob estava sentado entre nós muito confortável, aquele armário que eu queria chutar pra parte de trás da picape.

A mata verde corria pela janela, era um dia típico, nublado e frio, eu estava prestes a me perder em pensamentos quando Bella freou bruscamente.

— Não!— ela gritou tirando o cinto e descendo do carro.

— O que foi!?— eu e Jacob gritamos, alarmados e a seguindo.

— Ali!— ela apontou para um penhasco á nossa frente, eu vi um garoto já chegando á água e cobri a boca assustada ao ver que seus amigos riam da situação.

— Que porra é essa!?— indaguei e eu e minha gêmea olhamos indignadas para Jacob que começou a rir. Ele estava encostado na picape de braços cruzados e sorriso maroto.

— Eles só estão mergulhando do penhasco, garotas.— Jake revirou os olhos— É diversão, La Push não tem shopping, sabiam?

— Mergulhando?— Bella repetiu, confusa e eu voltei a olhar o grupo no topo do penhasco, mais um pulava e girava no ar com a torcida dos outros.

— É muito alto.— comentei surpresa por ver que eles estavam vivos e brincando na água— Deve ter uns trinta metros.

— É.— Jacob começou a falar quando voltamos para o carro, agora eu ia no meio— A maioria de nós prefere lugares mais baixos, mas esses caras são uns imbecis, querem se exibir mostrando serem durões, fala sério, a água deve estar congelando.— Jacob falou com desprezo como se aquilo o ofendesse pessoalmente.

— Você disse nós.— eu falei o censurando com o olhar.

— Você pula do penhasco?— Bella o encarou do mesmo jeito.

— Claro.— ele sorriu e eu revirei os olhos, depois fala que os outros são exibidos, quanta hipocrisia!— É divertido. Assustador, mas uma ótima fonte de adrenalina.

— Hm, Jake, precisa me levar para mergulhar.— Bella disse olhando para o penhasco onde um terceiro cara se afastava se preparando para correr e se arremessar.

— Parece mesmo divertido.— dei de ombros e olhei para Jacob em busca do seu sorriso topa-tudo. Mas não. Ele nos olhava com reprovação.

— Agora mesmo Bella queria chamar uma ambulância para Sam.— ele lembrou.

— Quero tentar.— Bella fez gesto para sair do carro mas eu agarrei seu cabelo a puxando para dentro.

— Agora não.— eu a repreendi— Está um frio do caralho.

— Sim, Bella, vamos esperar um dia mais quente.— Jacob me apoiou conforme Bella me encarava com certa raiva.

— Está bem.— ela revirou os olhos e fechou a porta— Mas quero ir logo.

— Vocês são tão estranhas as vezes.— Jake revirou os olhos.— Vamos testar as motos ou não?— ele perguntou antes que eu rebatesse qualquer coisa em minha defesa. Bella ligou a picape e voltamos a estrada.

— Quem são aqueles caras?— Bella perguntou após um pouco de silêncio.

Sem entender o porquê, eu me sentia desconfortável sentada entre eles.

— A gangue de La Push.— Jake respondeu quase rosnando. Eu ri.

— Vocês tem uma gangue?— brinquei e Jake revirou os olhos com um sorriso reprimido.

— Não assim— ele corrigiu— Eles são mais como inspetores da escola enlouquecidos. Não começam brigas, eles mantém a paz.— ele bufou— Há certo tempo, tinha um cara que vendia drogas para os mais jovens daqui de La Push, ele era grandalhão e assustador. Mas então a informação chegou a Sam Uley e seus discípulos e eles o expulsaram de nossas terras...

Foi uma boa ação, por que Jake parece tão incomodado?

— Eles todos só querem saber de nossas terras e o orgulho tribal... Está ficando ridículo. O pior é que o conselho os leva a sério, chamam eles de os "protetores" ou coisa assim.— Jake continuou, sua raiva ficando maior.

— Você não gosta muito deles.— Bella concluiu.

— Por quê?— perguntei-lhe— Não parecem estar fazendo nada de ruim, só são uns santinhos irritantes.

— Irritante é uma boa palavra.— Jake concordou— Eles agem como se... Sei lá. Como uns selvagens brutamontes. Uma vez no semestre passado, eu estava com Embry e Quill, e eles chegaram na loja. Sam, Jared e Paul.— ele nomeou— Quill disse alguma coisa, vocês sabem, ele tem uma língua grande e aquilo irritou profundamente Paul. Os olhos do cara escureceram, ele ficou ofegante, se tremendo e ele mostrou os dentes... Foi bizarro, mas aí Sam se colocou na frente dele, colocou a mão no peito dele e simplesmente balançou a cabeça, Paul o olhou por um minuto e ficou manso. Sinceramente foi como se Sam o estivesse contendo para que Paul não acabasse com a gente... Mas fala sério, Paul nem é tão grande quanto eu ou forte quanto Quill. Acho que qualquer um de nós daria conta dele.

— Sam não é velho demais para esse tipo de coisa?— Bella perguntou após balançar a cabeça concordando com as palavras de Jake.

— É. Ele devia estar na universidade, mas ficou. E ninguém deu a mínima, mas quando minha irmã recusou a bolsa e se casou, nossa, todos surtaram como se fosse o fim do mundo. Mas, ah, não, Sam Uley nunca faz nada de errado.— Jacob falava ultrajado.

— Tudo é bem irritante e estranho mas não entendi porquê você leva tanto para o pessoal.— Bella lançou um olhar demorado para Jake ficando atenta ás suas expressões e um momento eu tive medo de o carro se desviar demais.

— Você perdeu a entrada.— Jake falou em meia voz.

Ficamos em silêncio, ele obviamente nem um pouco afim de abrir o bico, indicou aonde poderíamos parar e depois descemos.

Jake pegou as motos sem pedir por nossa ajuda, não me surpreendi pela sua força considerando que ele nunca negou os esteroides anabolizantes.

— Prontas?— perguntou ele com um meio sorriso. Ele colocou a vermelha com Bella e a cinza comigo. Me senti mais animada com o desafio e sorri, talvez fosse isso que eu precisava, desafios.— Vamos começar devagar.— Jacob disse tentando tranquilizar Bella.

— Jake...— Bella chamou, hesitante.

— Sim?

— O que realmente está incomodando você? Sobre Sam. Tem mais alguma coisa?

Jake suspirou. Eu observei a interação dos dois, tentando me manter interessada.

— É só... o modo como eles me tratam. Me dá arrepios.— fiquei cautelosa, o típico sentimento protetor que tinha com Bella. Jake é como meu irmãozinho irritante.— Sabe, o conselho deve ser composto de iguais, mas se houvesse um líder seria meu pai. Nunca entendi porque o tratam desse jeito. Porque a opinião dele é a que mais conta. Tem alguma coisa a ver com meu bisavô, Ephraim Black, foi algo com o último chefe que a tribo teve. Deve ser por isso que ouvem meu pai. Mas eu sou como todo mundo. Ninguém me tratava de um jeito especial... Até agora.

— Então... Sam te trata de um jeito especial?— perguntei confusa.

— Ele me olha como se esperasse algo de mim. Como se um dia eu fosse me juntar á gangue idiota dele. Ele presta mais atenção em mim do que nos outros caras. Isso me deixa fodido.

— Olha a boca, mocinho.— repreendi-o e ele fez uma careta engraçada para mim.

— Não tem que se juntar a nada.— Bella disse, num tom quase colérico, a olhei surpresa, mas não comentei nada.

Eu me apoiei na moto a olhando ansiosa enquanto os dois se mergulhavam num silêncio gritante.

— Não é só isso.— Bella quebrou o gelo.

— É o Embry.— ele disse num suspiro e a cara contorcida numa tristeza— Ele têm me evitado.

— Têm passado tempo demais comigo.— Bella rebateu.

— Não é só isso, não é só comigo, ele tem evitado Quill e todo mundo. Faltou uma semana na escola e quando tentávamos falar com ele em casa, ele não estava.— Jake balançou a cabeça— Quando voltou ele parecia nervoso, apavorado. Mas ainda assim não falou conosco.

Eu e Bella trocamos um olhar preocupado, Jake está mesmo sendo perturbado por esses caras.... Quem eles pensam que são? Só de ouvir a situação, está me dando nos nervos.

— E agora, do nada, vejo que ele estava no penhasco com Sam. Eles incomodavam mais Embry do que á mim. Estou preocupado. Paul foi assim no começo, exatamente assim. Não tinha nenhuma amizade com Sam, mas na volta as aulas ficou na cola de Sam como se Sam fosse seu dono.

— Já comentou com Billy sobre isso?— perguntei-lhe com pena.

— Já e ele disse coisas sem sentido e inconclusivas... O que é que eu faço? Sinto como se devesse descobrir o que há com Embry, mas ele não quer ser achado... Tem alguma coisa muito errada.— Jake concluiu, é ruim ver ele tão distante, esse assunto o abala de verdade.

— Não se preocupe.— Bella disse se aproximando de Jake e lhe abraçando— Vai tudo ficar bem, e se não ficar você pode vir morar conosco...

— Eu arranjo um espacinho no pé da minha cama— eu interrompi Bella brincando enquanto os dois se abraçavam, o clima ficou estranho porque eu sabia que estava sobrando, como sempre. Eu sou uma intrusa.

— Vai se fuder.— Jake respondeu e riu, eu sorri observando os dois e suspirei.

— Vamos que a aprendiz aqui quer acelerar!

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