XXIII - Uma breve e doce mentira

Capítulo XXIII | Folhas de Outono 

Evelyn não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Como uma piada sem graça e atrasada de primeiro de abril, ela custou a crer em seus próprios sentidos. Ernesto estava ali, fazendo uma brincadeira de mal gosto com sua própria presença - por mais que ele não soubesse disso - como se nada tivesse acontecido. Para ele, não acontecera mesmo. Mas para Evelyn...

A moça perdera as contas de quantas vezes chorou durante as noites ou perdera o sono pensando naquele maldito. Desde o dia em que ele desaparecera completamente até aquele momento, Eve demorou para aceitar o inevitável: Ernesto nunca mais apareceria novamente e não se importava nem um pouco com ela. Aquilo doía em uma intensidade inexplicável. Aceitar o fato, portanto, a ajudou a seguir em frente e enxergar a verdade por completo. Continuou trabalhando normalmente no Café Essência - sem conseguir evitar procurá-lo a cada rosto que avistava. Esquecer-se do que havia sentido era impossível, mas ressignificar e aprender com aquela situação dolorosa era a única alternativa viável.

Eve sentia que algo havia mudado dentro dela, mas não conseguia saber o quê. Ernesto fora como um forte vendaval que chegou repentinamente e bagunçou toda a sua casa e seu jardim. Evelyn fora obrigada a colocar as coisas novamente no lugar, organizando-as da melhor forma e jogando fora coisas que ela não mais usaria em sua vida. Agora, o vendaval havia voltado; e ela queria se certificar que tudo estava devidamente no lugar.

Não estava. Como uma breve e doce mentira - pois, no momento em que o viu, não conseguia acreditar que fosse real - Ernesto surgira caminhando lentamente em sua direção. Evelyn demorou alguns segundos para reconhecê-lo de fato. Seu rosto era o mesmo: pele pálida, sobrancelhas finas, a boca rosada e as firmes maçãs do rosto. Entretanto, sua face parecia mais clara e expressiva. Uma barba rala e escura nascia na lateral do rosto, e seu cabelo havia crescido tanto que estava preso em um coque frouxo.

O coração de Evelyn falhou com aquela visão. Ela não podia deixar com que ele fosse destroçado mais uma vez - não quando ainda estava cheio de cicatrizes. Sua reação inicial foi de espanto. Depois, seu peito começou a saltar e todo o seu corpo aqueceu-se. Por mais que sua razão tentasse convencê-la de que estava tudo sobre controle, as emoções tomaram conta dela. Um tremor transpassou por seu corpo, sentindo-o se aquecer. Como, depois de tanto tempo, aquilo ainda acontecia?

A raiva fora a única saída para o seu coração desesperado. Sentindo-se descontrolada, Evelyn sentiu uma irritação tão profunda de repente que ela seria capaz de quebrar todas as xícaras personalizadas com mensagens de amor e bondade da cafeteria. Lucas lhe daria uma bronca, mas ela não se importava. Precisava descontar aquilo em algo. Ernesto não ajudava: estava mais sorridente e mais a vontade que o normal. Ou pior - estava mais próximo que o normal. Havia cumprimentado a todos, menos ela. A olhara de soslaio; como era o esperado, só para depois ignorá-la por completo.

A atenção que deu a Nicole e Zahir fora ainda mais irritante. No fundo, Eve sabia que se tratava de ciúmes. Um ciúmes um tanto infantil - afinal, aquelas eram as suas amigas e Ernesto era casado. Ela não tinha o direito de sentir aquilo.

Evelyn desejou secretamente que ele se engasgasse com aquele pão de queijo.

Antes de ir embora, ele a encarou como se quisesse uma explicação para a origem do universo. E depois, com a mesma naturalidade que pregou seus olhos no dela, Ernesto virou as costas e saiu da cafeteria. Talvez fosse aquilo que a fez agir - ou olhar malicioso de Giovanni, claramente se divertindo com o plot twist de uma história que ele mesmo ajudou a desenrolar.

- Se eu fosse você, ia atrás dele - o rapaz fez uma bola com o chiclete azul que mascava. Jogando o avental abruptamente sobre o balcão, ela empurrou Giovanni e saiu do café.

- Eeei! - ele reclamou. - Sem matar o sujeito!

Eve ignorou-o e seguiu com passos duros em direção à rua. Ernesto já havia atravessado a avenida em direção ao carro estacionado. Distraidamente, o rapaz tirou o casaco que usava, revelando uma blusa preta. A moça reparou que seu seus ombros estavam maiores que o normal.

Evelyn fechou a cara, ignorando o borbulhar enervante em seu estômago.

- Ei! - Ernesto virou-se para confrontá-la no momento em que ela teve coragem de gritar. Seu rosto surpreso a encorajou a continuar: - O que você está fazendo aqui?

- Por quê...? - ele ergueu as sobrancelhas. Era impressão ou ele estava debochando dela? Evelyn sentiu um bolo se formar na garganta. Ela não podia chorar; não na frente dele.

- Por que você me fez o favor de aparecer de novo?

Ernesto deu um passo para trás, um pouco assustado.

- Eu senti falta daqui - ele respondeu. - E, além do mais, é um lugar público. Não sei o que tem contra mim, mas tenho o direito de frequentar onde eu quiser. Sinto muito.

Evelyn trincou o maxilar e engoliu em seco. O modo como ele falava, tão frio e sem parecer se importar com que ela sentia, a machucava. Por outro lado, sua expressão desconfiada a deixava confusa.

- Grosso - ela vociferou sem pensar. - Não entendo porque fui me apaixonar por um imbecil. Você não é mesmo nada do que eu imaginei que era.

- Desculpe, o que você disse? - Ernesto inclinou-se para frente, confuso.

- Você entendeu - Evelyn murmurou. - Não importa mais. Eu cansei. Eu só te peço um favor, Ernesto... Não volte mais aqui. Por favor.

Ernesto baixou a cabeça e riu. Evelyn fitou aquele sorriso branco e espontâneo - tão raro naquele rosto de pedra - e os fios soltos e curtos no pescoço. Como se já não bastasse, Ernesto mordeu os lábios como se para impedir sua própria boca de se movimentar.

Evelyn teve vontade de beijá-lo ali mesmo - mas, pelo bem de sua dignidade, ela não faria isso. Sabia que eram suas emoções e a forte atração que sentia por ele falar mais alto. Eve não precisava de mais rejeição.

- Certo. Eu posso voltar amanhã? - ele perguntou. - Para me despedir do meu café favorito. Há tempos não tomo meu mocha.

Evelyn abriu a boca para responder, mas não conseguiu. A raiva que outrora sentira aos poucos fora substituída por afeição. Uma luta interna entre razão e o coração desenrolava-se dentro de si.

- Eu... - ela tentou dizer, mas o olhar de Ernesto sobre ela a deixava desconcertada. Eve desviou os olhos. - Hã...

- Posso...? - ele perguntou.

Sua razão estava perdendo mais um confronto impossível. Sem saber o que responder e como reagir, ela fez o que os mais corajosos soldados fariam: fugiu. Evelyn quase tropeçou nos próprios pés ao girar os calcanhares e voltar apressadamente à cafeteria.

Eve se envergonharia por aquela atitude horas mais tarde - mesmo sem saber o que ela responderia. No fundo, ela não queria que ele desaparecesse novamente - ao mesmo tempo, não queria que aquele ciclo se repetisse. Eve já podia sentir os pontos se desfazendo. Arrependeu-se de não ter apanhado os pedaços de seu coração e ter feito um churrasco.

Sentindo-se perdida e confusa, ela ergueu o pescoço em direção à avenida e viu o carro cinzento sumir de sua vista. E avistar aquilo foi, mais uma vez, como se tivesse arrancado um pedaço de sua pele.

Evelyn ergueu a cabeça e respirou fundo. Ela não podia se deixar levar por aquela situação novamente. Por isso, ao chegar em casa, pregou os olhos nos livros e cadernos e só parou de estudar quando anoiteceu. Recusou-se a pensar em qualquer coisa que lembrasse Ernesto - e ela conseguiu por um tempo.

Até que, inevitavelmente, seu inconsciente a levou até ele.

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