VIII - Se espalham como areia

Capítulo VIII | Folhas de Outono 

Ernesto Hernández. Aquele nome ressoava na cabeça de Evelyn há dois dias consecutivos; perturbando até mesmo seus sonhos. Ela revivia a conversa que tivera com Giovanni a cada minuto, como se pudesse evitar esquecer tudo o que foi dito - por mais que fosse impossível esquecer qualquer coisa que o envolvesse.

Pela milésima vez, ela pegou o celular na mesinha ao lado da cama e abriu o Google. Fazia ainda mais frio naquele domingo, o que a fez se sentir ainda mais deprimida e entediada. Pela primeira vez, odiava não ter que trabalhar aos domingos - pois ela sabia que Ernesto também frequentava a cafeteria aos domingos. Apenas um dia sem sentir aquela presença era desesperador para ela.

Evelyn realmente sentia-se como uma viciada em drogas.

Sentando-se na cama, ela observou as letras coloridas do navegador antes de digitar novamente: Ernesto Hernández. Por mais que o nome fosse um tanto peculiar, apareciam muitos Ernestos e alguns Hernández - a maioria deles, estrangeiros. Desejou saber qual revista ele trabalhava; algo que pudesse levar a alguma informação a mais - ou quem sabe uma foto. Com certeza Giovanni sabia.

Após abrir aproximadamente vinte páginas no Google e alguns perfis de Facebook, ela desistiu. Largou o aparelho sobre a coberta e respirou fundo. Havia algo pesado em seu peito - a exaustão causada pela sua mente acelerada não ajudava a fazê-la se sentir melhor. Mas ela sabia que, no dia seguinte, aquele peso desapareceria em seu peito para fazê-la elevar em direção às nuvens.

A moça se lembrava perfeitamente da primeira vez que se apaixonara. Ela tinha treze anos. O garoto, Yan, estudava na sala vizinha. Ao contrário de Evelyn - uma garota nada popular que sempre sofria bullying por ser uma magrela de óculos - esse garoto era popular e bonito. Muito bonito. Eve diria que era o mais bonito da escola; o que o deixava muito próximo a todas as garotas possíveis. Porém, ao contrário do que conta os clichês adolescentes, o garoto popular nunca olhou para a garota esquisita da sala vizinha.

Isso quase nunca acontece.

Evelyn ainda se lembrava de andar pelos corredores e observá-lo de longe - sempre agradecendo aos óculos pela visão nítida de seu garoto. Os cabelos castanhos escuros jogados na testa, a pele levemente bronzeada e sorriso travesso. Yan estava tão distante dela que, mesmo aos treze anos, a moça estava ciente que aquilo nunca iria acontecer. Eve se sentia feia, incapaz e era tímida demais para ao menos tentar cumprimentá-lo.

Exatamente como estava acontecendo anos depois. Eve ainda parecia ser aquela menina submissa, invisível e insegura. E ela se sentia uma droga por isso. Evelyn queria ser mais corajosa, mais segura de si - não apenas para tomar atitudes como aquela, mas para tudo que exigia dela um pouco mais e maturidade. Afinal, ela era praticamente uma jovem adulta.

Ela não percebeu que estava prestes a chorar quando Augusto bateu à porta do seu quarto, fazendo-a volta ao presente.

- Abra - ela disse, jogando-se contra o colchão e cobrindo-se até o pescoço.

- Eve - o irmão entrou no quarto. Oliver o seguiu, saltando para a cama de Eve com o rabo empinado. - Encontrei-me com Alice quando voltava do mercado. Ela disse que chega em cinco minutos.

Evelyn suspirou, esfregando os olhos.

- Eu disse a ela que não estava afim de sair hoje...

- É verdade o que estão falando? - Augusto perguntou, sério. Eve ficou tensa de imediato. É sobre o Ernesto, um desespero tomou conta dela. As pessoas sabem. As pessoas sabem...

- O quê? - ela perguntou, olhando preocupada para o irmão. Sem tentar disfarçar sua tensão, ela jogou a coberta para o lado.

- Que você está tendo um caso com um tal de Giovanni - o irmão expôs. O queixo de Eve caiu, mas nada saiu de seus lábios. - Bem, não tem problema nenhum nisso, é claro. Eu só queria saber. Sempre fomos sinceros um com outro e...

- Augus... - Evelyn finalmente conseguiu dizer. Ainda perplexa, ela soltou uma risada seca e incrédula. - Quem disse isso?

- Alice me disse. Mas todo mundo está comentando. - Augus contou. - Mas você sabe que não acredito em tudo o que dizem por aí. Se for mentira...

- É mentira - Eve agora estava séria. - Sim, eu saí com ele para almoçar uma vez. Mas não temos nenhum caso. Ele está apaixonado por outra pessoa, e eu estava ajudando-o. - ela riu novamente, sem humor.

- Que merda - Augusto sentou-se na cadeira da escrivaninha. - Eu sabia que havia algo de errado nessa história. Boatos se espalham como areia.

Evelyn passou a mão no rosto. Sua intuição lhe avisou que havia algo de errado em almoçar com um cara como Giovanni, mas ela ignorou totalmente. Achou, como sempre, que ninguém prestaria atenção nela. Bom, talvez não tivessem prestado mesmo - mas Giovanni não passaria despercebido. É claro que as pessoas pensariam bobagem.

- O que mais estão falando? - ela perguntou. - Já estão dizendo que transei com ele?

- Oh, eu não duvido... - o irmão murmurou. - Afinal, pelo que estou sabendo, o cara é bonitão. Por acaso é filho daquele cara... hmm...um tal de Castelli? Sandro Castelli, acho.

- Eu não sei. Mas se é um um cara rico que provavelmente fala italiano, deve ser - Evelyn disse. O interfone tocou segundos depois, e Augusto levantou-se.

- Deve ser Alice. Digo que você não está? - ele perguntou.

- Não. Deixe-a entrar - Eve fez um gesto com a mão, cedendo. Era melhor esclarecer toda aquela confusão à amiga antes que ela transformasse tudo em uma grande fanfic e espalhasse ainda mais aquela mentira. Além do mais, não adiantaria dizer que Evelyn não estava em casa: Alice saberia que não era verdade. Eve nunca saía aos domingos; sobretudo no frio.

Ela se preparava para confrontar a amiga quando se deu conta, subitamente, que estava deixando um fato importante perde-se em meio àquela situação. Sentindo-se como se tivesse levado um soco no estômago, ela pensou em Nicole.

Evelyn já estava ciente que boatos aconteciam a todo momento e que era preciso tomar cuidado - especialmente em uma cidade relativamente pequena. Mentiras como aquela não abalariam a vida de Evelyn, muito menos de Giovanni - mas, se Nicole soubesse (o que era provável) tudo poderia acabar muito mal. Para Evelyn e para Giovanni.

E, se Nicole ficasse aborrecida com ela, Eve não tiraria sua razão. Quem ela era para sair com o cara que sua colega de trabalho estava gostando? Se Evelyn ao menos estivesse avisado... Ela não queria perder a preciosa amizade de Nicole.

E se Ernesto soubesse? Não, ele não se importava nenhum pouco com ela. Logo dispensou aquela possibilidade - havia outras pessoas as quais tinha que se preocupar.

Evelyn pegou o celular rapidamente e mandou uma mensagem para Nicole. Seus dedos estavam suados pelo desespero que lhe abateu.

- Eveeeeelyn! - ela escutou a voz estridente e empolgada de Alice do outro lado do quarto. Eve encarou o ponto que indicava se a mensagem havia sido recebida ou não. Nicole não havia recebido nada ainda.

Então, Alice surgiu como um furacão prestes a destruir seu quarto por inteiro.

- Alice, antes que... - Eve tentou dizer.

- Evelyn! Ele é um gato! - a amiga interrompeu-a, gritando e girando pelo quarto com o celular na mão. - Achei o Instagram; não sei porquê eu não o conhecia antes. É bem popular! Aliás, por que você não o segue?

Ela colocou o aparelho na cara de Evelyn, que teve que afastar o rosto para ver melhor. O perfil do Instagram de Giovanni estava aberto a sua frente, e o botão de Seguindo indicava que Alice já o acompanhava. Acima do nome Giovanni Castelli, o sorriso travesso em sua foto de perfil certamente chamava atenção. Tinha cem mil seguidores e mais de quinhentas fotos postadas. Um verdadeiro garoto-bonitão-influenciador da internet. Na biografia, havia os seguintes dizeres: 24 YEARS. TAURINO.

- Eu... - Evelyn começou, ainda surpresa com toda aquela história absurda. Ela nem sabia que Giovanni era tão famoso na internet (e, provavelmente, desejado por grande parte dos seguidores). - Eu não estou saindo com ele.

- Ah, Evelyn! Por favor, não tente disfarçar - ela se sentou na cama ao seu lado. - Eu sabia que você estava apaixonada por alguém. E agora eu entendo o seu sorriso idiota. Que homem!

- Alice, eu não estou saindo com ele. - ela repetiu. - Eu saí para almoçar com ele uma vez. Uma vez! Sem segundas intenções. - dessa vez, ela não quis mencionar que ele estava apaixonado por outra pessoa. Eve sabia que a amiga seria capaz de ir no inferno para descobrir quem; e ela não queria expor Nicole.

Alice soltou uma gargalhada, sem acreditar.

- É sério? Você saiu com um cara desses...Sem segundas intenções? - ela abriu uma foto recente de Giovanni em uma praia. Sem camisa, ainda mais bronzeado e com as covinhas ainda mais visíveis. Aquele ordinário era bonito, mas Evelyn não conseguia sentir nenhum pouco de interesse por ele.

Seria difícil convencer Alice.

- É sério. - ela encarou os olhos azuis da amiga, passando-lhe toda a honestidade que conseguia. Mas nada estava favorecendo Evelyn. Não podia contar que estava interessada em outra pessoa; não ainda. - Eu juro. Nós estávamos...conversando.

- Não me faça de idiota. Como foi? Ele te beijou? - ela perguntou freneticamente, balançando o ombro de Evelyn.

- Não. - Evelyn cerrou os dentes. - Eu já disse que não tenho nada com esse cara. Ele é meu freguês, e estávamos falando sobre negócios. Você sabe que quero mudar um pouco. Inclusive de emprego - ela mentiu, quase rindo de sua astúcia. Ela não sairia da cafeteria tão cedo. - Giovanni pode conseguir uma vaga na empresa do pai dele pra mim.

Alice finalmente desfez a expressão eufórica. Baixando os ombros, seus olhos fitaram o aparelho em sua mão. A foto de Giovanni e seu tanquinho impecável ainda estava estampado na tela.

- Ah - a amiga soltou. - Ele não é mesmo o seu tipo, né? Você disse que gosta de homens menos musculosos.

Evelyn deu de ombros e não disse mais nada. Sustentou o olhar de Alice por mais alguns instantes, como se quisesse convencê-la que aquela história era uma loucura.

- Bem, isso quer dizer que ele está livre? - ela abriu um sorriso malicioso, e Evelyn revirou os olhos.

- Não. - Eve disse com convicção. - Ele namora.

- E a namorada dele sabe que você sai com ele?

A moça virou o rosto, engolindo em seco.

- Ela com certeza não se importaria. - ela disse, tentando convencer-se daquilo.

Eve olhou discretamente para o celular ao lado da cama, esperando ver alguma notificação. Viu-se ainda mais aflita para falar com Nicole.

Na próxima vez, Evelyn disse para si mesma mentalmente. Seja menos inocente. As pessoas são perversas.

- É uma pena, de verdade. Achei que finalmente viria minha amiga desencalhando. - Alice murmurou, erguendo-se e passando as mãos na calça jeans. - Vou almoçar no Delonix hoje. Quer ir?

- Não, obrigada. - Eve negou. Alice acenou em despedida, ainda visivelmente desapontada pela desilusão que lhe atingira.

Oliver, sentado em sua estante, soltou um miado agudo e pulou sobre a cama. Seus olhos dourados fitaram Evelyn com inocência. A moça sorriu e abraçou-o, cheirando seus pelos constantemente limpos. Pelo menos, gatos não fofocavam sobre a vida de seus humanos.

Eve passou toda aquela tarde de domingo irritada e aflita. Irritada com as pessoas por serem tão intrometidas e ignorantes; aflita por não poder contar toda a verdade - pois ainda não sabia como lidar com ela.

Giovanni lhe mandara uma mensagem horas mais tarde: Vc viu? Viram a gente estreando o motel novo da cidade!

Como sempre, ele parecia estar se divertindo. Evelyn, por outro lado, queria poder explodir a cabeça de alguns imbecis com um taco de baseball.

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