IV - Como 𝐿𝑎 𝐺𝑖𝑜𝑐𝑜𝑛𝑑𝑎
☙ Capítulo IV | Folhas de Outono ☙
Ele estava lá novamente. Na mesma mesa e na mesma cadeira; como no dia anterior.
Dessa vez, a camisa social rosa bebê e calças jeans o deixava um pouco mais maduro e sério. Os dedos pressionavam as teclas de seu notebook conforme seu olhar era dominado totalmente pelo conteúdo a sua frente.
De repente, ele parou e olhou para Evelyn. A moça baixou a cabeça rapidamente, voltando a se concentrar em seus afazeres diários da cafeteria. Com o coração aos pulos, ela tentou encobrir o gelo que percorria seu abdômen tomando uma pequena xícara de café espresso. Eve sentiu a bebida quente percorrer sua garganta comprimida até sentir-se aquecida.
Nicole foi atendê-lo, como era de costume. Novamente um mocaccino, dessa vez acompanhado com um croissant. Evelyn pegou o croissant e Zahir preparou o café pedido. Desejou secretamente preparar aquele café, mas seria estranho pedir aquilo à colega. Ah, é que, bem, eu estou com uma estranha obsessão por aquele estranho de rosa. Por isso, quero eu mesma fazer esse mocha. Gosto de sentir o cheiro de chocolate, também. Será que ele é tão louco por coisas doces quanto eu?
Sem conseguir evitar, Eve olhou novamente em sua direção. Tentou varrer o ambiente com os olhos casualmente, mas sua íris congelou-se naquela figura novamente. Uma das mãos agora estava pousada em na perna. A outra, manuseava o aparelho. Quando Nicole chegou com o seu pedido, ele fechou o notebook e deu um rápido aceno em agradecimento. Sem sorrir. Sem parecer se importar com nada ao redor a não ser seu café e seu pequeno pão.
Evelyn virou-se de costas e começou a organizar o balcão. Não era legal ver as pessoas comendo, por mais que ela quisesse vê-lo comendo. Talvez fosse prudente observá-lo pelo menos um pouco, pois quem sabe assim ele pudesse quebrar aquele encanto mastigando com a boca aberta ou, quem sabe, arrotando.
A moça contornou o balcão, ficando de costas para ele. Havia um espelho vertical na parede oposta, o que possibilitou uma visão menos direta. O rapaz comia e bebia de forma tão elegante e calma que toda a sua teoria do arroto foi por água abaixo. Se Evelyn realmente tinha uma queda por aquele homem que nem sabia o nome, tudo piorou significamente após a primeira mordida no croissant - e seu olhar escuro encontrando os dela diretamente no espelho. Mais uma vez, Evelyn se sentiu vulnerável e inesperadamente eufórica. Não conseguia desgrudar os olhos do espelho e do par de olhos cor de chocolate que a fitava em qualquer ângulo que fosse. A moça sentiu-se incapaz de determinar que tipo de emoção transpassava por aquele rosto polido em mármore.
Evelyn estava diante da própria Monalisa.
- Não precisa esfregar mais isso - Zahir entrou a sua frente, tapando a visão do espelho e do rapaz. Os dedos de Eve apertavam exageradamente o pano de limpeza sobre o balcão. - A'udhubilLah*! Parece que você viu um fantasma.
- Não é nada - a moça disse, sabendo que era péssima para disfarçar qualquer tipo de emoção. - Só estou pensando.
- Eu não perguntei nada - Zahir observou, apertando delicadamente a ponta de seu nariz. - Sua maluca.
Eve riu nervosamente, ignorando a sensação irritante na barriga. Rael agora observava-a atentamente com uma expressão estranha. A moça o encarou, arqueando a sobrancelha como se dissesse: O que foi?
Rael exibiu os dentes em um sorriso debochado e levou dois dedos aos olhos. Estou de olho em você.
- O quê?! - seu semblante era de dúvida. Tentando soar calma, continuou: - Não estou fazendo nada.
Rael revirou os olhos, virando-se de costas para ela. Estava tudo muito silencioso demais - o que era normal na cafeteria. Ou era apenas impressão? O som dos motores dos veículos que passavam pela rua permanecia. A música de fundo continuava tocando, baixa e suave.
Eve olhou para trás. O rapaz já havia pagado a conta e se preparava para ir embora. Colocou o notebook dentro de uma pasta escura e, sem olhar para trás, dirigiu-se para a rua. Mas tão cedo, Evelyn pensou, um pouco desesperada. Será que eu o assustei? Sou uma idiota!
Discretamente, ela foi até a varanda e organizou casualmente uma das cadeiras; observando-o de soslaio ao longe. Já do outro lado da rua, o rapaz parou frente a um carro cinza e pegou a chave. Aquele carro... Evelyn tinha certeza que havia visto aquele carro antes. Era a mesma mercedes-benz que havia visto na rua quando estava no restaurante com Alice. Ou Zahir estava certa e ela era uma maluca?
A moça não tirou os olhos do carro até tornar-se um ponto cinzento em meio ao asfalto.
- Você me ajuda e eu te ajudo - Eve reprimiu um grito de espanto quando ouviu uma voz grave atrás de si. Colocando a mão sobre o peito, ela se virou rapidamente e quase torceu o tornozelo.
O maldito coração disparava mais uma vez (dessa vez pelo susto, apesar do rapaz enxerido ser bem atraente). Giovanni usava uma blusa listrada preto e branco com os quatro primeiros botões abertos, exibindo seu peitoral definido e liso. Um suave cheiro de perfume feminino e shampoo exalava do rapaz.
- Caramba, Giovanni - ela murmurou. - Faça algum barulho antes!
- Caramba, Evelyn! - o rapaz a imitou, abrindo um sorriso exageradamente largo. - Você está tensa. Quer uma massagem?
Evelyn afastou-se um pouco e observou-o. A blusa enfiada dentro das calças jeans e os sapatos mocassins fazia-lhe parecer um garoto propaganda da moda vintage. Os cabelos levemente molhados deixava seus cachos um pouco mais escuros.
Giovanni não parecia-se nada com o jovem rapaz que frequentava a cafeteria no intervalo do trabalho.
- Gostou? - ele deu uma volta, girando os calcanhares em uma dança esquisita. - Estou de folga. Vim ver Nicole, já que ela não responde as minhas mensagens.
- Talvez não deva insistir. - Eve aconselhou, observando com desânimo as folhas que já se espalhavam pela varanda. Ela ergueu a mão para pegar a vassoura no canto e começou a varrer.
Giovanni ficou parado no mesmo lugar, as mãos no bolso e uma expressão pensativa. Ele fez uma bola com o chiclete que mascava e olhou para dentro da cafeteria, provavelmente procurando Nicole. Ouviu-se um som de bola de chicletes ser estourada.
- Escuta, Evelyn... - ele se aproximou dela, falando baixinho. - Eu e ela... somos muito diferentes. Mas, mesmo em pouco tempo, aprendi muito com ela.
Eve parou, apoiando-se no cabo da vassoura. Encarou 0 rapaz, que estava tão próximo que podia sentir o hálito de menta dele.
- O que você quer? - Eve perguntou, já sabendo de suas intenções.
- Você a conhece mais do que eu - ele disse. - Sei que os caras como eu geralmente são uns babacas. Eu sei. - ele assentiu, passando a mão na testa. - Tipo, o cara hétero, rico e branco que fica exibindo o relógio rolex sobre o volante de um porsche qualquer...
- Tudo bem, tudo bem - Eve interrompeu-o fazendo um gesto com a mão. - Entendi. Você não é esse cara. Quero dizer, você é hétero, branco e rico mas não... - ela encarou e apontou para seu pulso. - Isso é um rolex? E você tem um porsche.
- Droga - ele colocou uma das mãos no quadril e expirou. - Mas, olha, eu não tiro foto e posto no Instagram.
- Certo, você não é babaca - Eve assentiu. - O que você quer que eu faça? Achei que estava indo bem com Nicole.
- Nosso primeiro encontro foi um desastre. - Giovanni contou. - Sinto que agora ela está me evitando. Ela diz que gostou do encontro mesmo que a gente tenha parado na delegacia, mas... - ele gesticulava, nervoso. - Nossos mundos são tão diferentes. Quero mostrar a ela que não sou um idiota. E eu só tenho uma chance, pois não quero ser insistente. Por mais que eu seja louco por ruivas.
Evelyn maneou a cabeça.
- Tudo bem. Vou tentar convencê-la que você não é idiota - ela disse, não fazendo a menor ideia se aquilo era verdade ou não. Ela não conhecia Giovanni o suficiente para ter certeza de qualquer coisa. Sabia de poucas coisas sobre aquele rapaz: trabalhava na empresa do pai, era rico e aparentemente viciado em cafeína.
- Obrigado, obrigado - ele juntou as palmas das mãos e fez uma reverência exagerada. - Se a convencer a sair comigo de novo, eu te conto sobre ele.
Giovanni deu uma piscadela e afastou-se. Eve endireitou as costas e observou-o acenar para Nicole. Dessa vez, ele não iria pedir nenhum café.
De quem Giovanni estava falando, exatamente? Ele...?
- Mas o que... - sua fala solitária se perdeu quando olhou para a avenida. Quando compreendeu a quem Giovanni se referia, tentou procurá-lo para maiores explicações; mas o rapaz já tinha ido embora.
Evelyn odiava ser tão curiosa. Principalmente sobre ele.
Ela ainda não conseguia explicar o que sentia por aquele rapaz desconhecido. Recusava-se a pensar que havia se apaixonado por alguém que nem sabia o nome.
E se Giovanni realmente o conhecia... Eve juntou rapidamente as folhas no canto e observou Nicole recolher as xícaras vazias sobre uma das mesas. Como o rapaz podia ser tão baixo a ponto de chantageá-la? Contudo, ninguém tinha nada a perder. Ela só tinha que convencer a colega a dar uma chance a um jovem apaixonado por ruivas. Uma ruiva, especificamente.
De repente Eve foi tomada por um insaciável desejo de saber tudo que pudesse sobre La Gioconda enigmática que gostava de mocaccino e croissant. Ela tentava acreditar que aquele era apenas um interesse passageiro. Esperava que logo se esqueceria daqueles olhos e sua presença tornaria-se indiferente para ela.
Naquele momento, entretanto, Evelyn não conseguiu ignorar o que se passava dentro de si. Ela tinha que saber ao menos o seu nome.
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*Expressão islâmica para demonstrar espanto. "Eu busco refúgio em Deus."
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