☙ Epílogo ☙

Epílogo | Folhas de Outono 

4 de maio de 2018

15: 54 p.m

O auditório da escola estava relativamente cheio naquela tarde de sexta-feira. Evelyn observou as pesadas cortinas cor de vinho ocultando o enorme palco e os espectadores ajeitando-se nas cadeiras, ansiosos para verem a apresentação de suas crianças.

A moça passou por algumas cadeiras, admirando os enfeites e desenhos feitos por crianças enfeitando as paredes e o teto. Coincidentemente - o que fez Eve rir - havia, em meio aos objetos de papelões pendurados, folhas de carvalho. Bem ao fundo, próximo ao palco, encontrava-se uma placa com os dizeres FESTIVAL DE OUTONO - uma semana de apresentações artísticas dos alunos. O dia mais esperado por Ernesto, sem dúvida, era o dia em que Vicente teria sua primeira apresentação de balé. Evelyn não estaria ali se não tivesse sido formalmente convidada; por mais que desejasse ir de qualquer forma.

Ela avistou Ernesto de costas, a blusa vermelha de mangas compridas e calças jeans. Eve sorriu por dentro, o coração começando a se acelerar. Aproximou-se rápido, ajeitando os cabelos instintivamente. Notou, um pouco decepcionada, que ele havia cortado o cabelo.

- Erne... - ela parou quando o rapaz olhou sobre o ombro. Havia algo diferente em seu rosto, mas Eve não sabia o quê. Ela franziu o cenho quando ele se pôs de frente para ela. Não, não era Ernesto... Mas era tão parecido que até mesmo seu coração fora enganado. A mesma cor de cabelo, mais ou menos a mesma altura; apesar da pele um pouco mais corada.

- Evelyn, certo? - o rapaz perguntou, aproximando-se para abraçá-la com um sorriso espontâneo. Definitivamente, não era Ernesto. - Eu sou Fernando. Ernesto foi comprar uma coxinha para o irmão mais novo.

- Ah - Eve desfez o abraço timidamente. - Não sabia que ele tinha um irmão.

- Ele não é de contar muitas coisas, não é? - Fernando alegou com um brilho perverso nos olhos. Ele tinha um jeito assustadoramente parecido com Giovanni; apesar de não serem parecidos fisicamente.

Evelyn não sabia dizer se aquele detalhe era bom ou ruim.

- Bem... Não. - Eve admitiu.

- Não assuste a moça tão cedo, Nando. - Eve sentiu sua respiração falhar ao ouvir a voz de Ernesto às suas costas. Lentamente, ela deu um passo para o lado. Primeiro, ficou aliviada pelo fato de Ernesto não ter cortado o cabelo. Estava com o mesmo sobretudo escuro que aparecera no Café Essência, dessa vez com os cabelos soltos e uma coxinha na mão. Ela achou impossível achá-lo mais bonito que antes, mas teve que admitir: Ernesto estava lindo.

Evelyn queria dizer olá, mas acabou dizendo:

- Olãnsj.

Ernesto entregou a coxinha para o irmão e esticou os lábios em um sorriso sutil.

- Fico feliz que tenha vindo - o rapaz disse.

- Fico feliz por ter me convidado - ela sorriu. Fernando comia a coxinha enquanto observava a cena.

- Então... - o rapaz de vermelho falou. - Vamos nos sentar?

Ernesto ergueu a mão para que Evelyn passasse na frente, e, quando encontraram um bom lugar para que pudesse ver o palco sem transtornos, ela se sentou entre os dois irmãos. A moça batia as pernas contra o chão, nervosa, ao sentir Ernesto tão próximo dela. Estava tão feliz por aquele momento que não tentou controlar-se. Agradeceu mentalmente por Sabrina não estar ali - devido a uma viagem de uma semana com o namorado, ela não poderia ver a apresentação do filho. Mas Fernando, um tio claramente dedicado e apaixonado, já preparava a pequena câmera para filmar cada detalhe.

Quando a apresentação começou, Evelyn logo identificou Vicente. Não fora difícil - ele era um dos poucos meninos sobre o palco e a única criança cega a se apresentar. Eve se impressionou com o talento e a precisão do garoto ao guiar seu par e deslizar de forma tão precisa sobre o palco. Todas as crianças dançavam perfeitamente - Eve não entendia nada de balé, mas, mesmo assim, sabia reconhecer o talento daqueles pequenos seres. Vicente parecia ser guiado por pequenas fadas da dança; tão leve quanto uma pluma, acompanhando a música clássica que ecoava pelo auditório.

Evelyn se viu engolindo as lágrimas ao reconhecer Ernesto naquela criança - e como se pareciam tanto fisicamente. Ela não precisava olhar para o lado para saber que o rapaz estava igualmente emocionado - ao contrário de Fernando, que começou a berrar e assobiar quando encerraram a apresentação.

Ernesto bateu palmas, sorrindo de orelha a orelha; e Evelyn acompanhou-o. Ela olhou para ele e, quando viram um no outro os olhos marejados, eram como se tivessem visto o reflexo de si próprio. Eve soltou uma risada sem graça, mas com um sentimento tão bom dentro de si que não se importou com mais nada.

- Obrigado por ter vindo - ele repetiu baixinho, inclinando-se em direção a orelha da moça. A plateia gritava e aplaudia conforme as crianças cumprimentavam o público.

- Obrigada por isso - Evelyn olhou para Vicente, o collant azul marinho destacando-os dos demais. Confetes laranjas espalharam-se pelo ar, envolvendo os pequenos dançarinos e dançarinas; que agora pulavam e acenavam para os familiares.

A cortina começou a se fechar, e os aplausos diminuíram. Fernando deu um último grito orgulhoso e encerrou a filmagem. Ernesto levantou-se da cadeira, baixando a mão em direção a Evelyn.

- Venha conhecê-lo - o rapaz disse, as palmas viradas para baixo. Eve ergueu o braço, sentindo sua mão pousar sobre a dele. Tentou aproveitar ao máximo a sensação de tocá-lo e sentir a pele contra a sua. Quando levantou-se, afrouxou a mão para que ele pudesse soltá-la, mas isso não aconteceu.

Ernesto guiou-a por entre as cadeiras até estarem distantes da plateia. Desceram uma rampa em direção ao camarim, onde alguns pais já aguardavam. As crianças estavam reunidas ali, algumas já no colo de seus responsáveis.

Fernando passou correndo por Evelyn e Ernesto, agarrando o sobrinho antes que o pai pudesse fazê-lo. O menino gargalhou, agarrando-se nos ombros do tio.

- Papai? - o menino chamou. O rapaz soltou a mão de Evelyn; mas ela não se lamentou. Fora por uma boa razão.

- Estou aqui. - Ernesto aproximou-se, roubando-o de Fernando e lhe dando um beijo na bochecha. - Estou orgulhoso de você. Não diga aos seus colegas, mas você foi o melhor.

Vicente abriu um enorme sorriso. Evelyn se viu fazendo o mesmo, contagiada pela alegria da criança.

- As pessoas gostaram. - ele afirmou. - Gritaram muito!

- Pode ter certeza - Ernesto olhou para o irmão de soslaio. - E como gritaram.

- Faço o que seu pai não tem coragem de fazer, garoto - Fernando bagunçou o cabelo do menino.

- Quero que conheça alguém, Vicente. - Ernesto disse, aproximando-se de Evelyn. A moça olhou para o menino novamente. - Evelyn também te viu dançar.

- Olá, Vicente - ela disse. O menino ergueu a mão, e Eve permitiu que ele tocasse em seu rosto. Seus dedinhos macios e rechonchudos fizeram cócegas em seu nariz e testa, mas Eve gostou da carícia.

- Oi, Evelyn. - Vicente deu um sorriso tímido. - Você usa óculos grandes.

- Sim. - Eve riu. - Eu uso óculos grandes.

- Tio Nando - o menino voltou-se para o tio. - Você tem que ver a minha maquete.

Fernando puxou-o de volta para si, acenando para o irmão.

- Vicente está me convidando para ver a maquete - ele disse, girando com o menino no colo conforme se afastava pela rampa. Vicente ria.

- Não faça isso, ele vai vomitar - Ernesto advertiu, revirando os olhos. Evelyn riu mais uma vez. Quantas vezes ela havia feito aquilo naquele dia?

- Vicente é lindo e talentoso - Evelyn falou - Se parece muito com você.

- Obrigado. - ele disse, ainda mais orgulhoso. - Meu irmão também se parece comigo, mas não sei se é boa coisa.

- Seu irmão é peculiar - Eve reprimiu outra risada. - Mas eu prefiro...

Evelyn calou-se, se arrependendo por ter iniciado aquele argumento. A cada dia que passava, ela se via cada vez mais confortável de expor seus sentimentos a ele através de palavras - e às vezes falava demais.

- O quê? - Ernesto aguardou a resposta, curioso.

- Você é... - Eve pigarreou. - Mais introvertido. Um pouco como eu, sabe. Gosto do seu jeito.

- Ah - o rapaz balançou a cabeça. - Isso não é estranho?

- Não. Nenhum pouco - ela sorriu. - Eu diria que é....encantador.

Pela primeira vez, Ernesto teve dificuldade de dar uma resposta. Confuso, ele piscou os olhos. Evelyn viu suas bochechas ficarem róseas - era a primeira vez que a moça o via corado.

A luz alaranjada do palco iluminava seus rostos; como se eles fossem, agora, a principal atração do festival naquele momento.

- Vamos ver a maquete do meu filho - Ernesto decidiu, apontando para a rampa que levava para fora do auditório.

Eve concordou, acompanhando-o; os ombros tão próximos que quase se tocavam. Ela não desejou mais que aquilo, pois estar tão próxima dele já era o suficiente. Aquilo era algo inimaginável há alguns meses atrás. Agora, Evelyn podia tocá-lo, dizer um olá, sentir seu cheiro de shampoo e o adocicado aroma de café e chocolate exalando de suas vestimentas.

Nenhum dos dois sabia dizer o que aconteceria em seguida. Mas, certamente, seria a história de amor mais desejada por um coração - que em uma tarde de março apaixonou-se profundamente pelo desconhecido.


FIM.

Finalizado em: 9 de outubro de 2020.

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