Capítulo 24 - Parte II
Violeta Hall está sempre sorridente, desde o momento que desceu do carro até o momento que entrou na sua sala.
No pequeno trajeto da saída do carro até entrar na sua sala no segundo andar da prefeitura levou menos que cinco minutos, três talvez.
Nesses cinco minutos (ou três) Violeta sorriu para as pessoas, cumprimentou muitas com simples acenos, e andou com elegância.
Ela sempre anda, inclusive dentro de casa.
As pessoas sorriam para ela com simpatia, quando me viam acompanhando ela, era óbvio que eles ficavam curiosos.
"Opa, aquela não é a cantora Emma Hall a filha da prefeita que simplesmente deu no pé meses depois de parir?"
É mundo, sou eu mesma.
Honestamente eu já cansei dessa história, e cansei de ser olhada por tempo demais por causa disso. Todo mundo da cidade conhece esse acontecimento, e isso parece apagar tudo que já fiz ou quem fui antes de engravidar, é como se eu só existisse no segundo que a filha da prefeita engravidou na adolescência.
Quando Violeta fechou a porta atrás de mim, e ficamos sozinhas na sua sala organizada, eu observei cada detalhe.
Continua tudo a mesma coisa, no mesmo lugar. Acho que a última vez que vim aqui foi quando estava grávida de alguns meses e ela me chamou para dizer que assim que o bebê nascesse ela poderia me arrumar um emprego na prefeitura.
Essa memória me faz lembrar do sentimento que tive no momento que ela disse aquilo.
O sentimento foi na verdade foi um questionamento: Eu vou ser isso pro resto da minha vida?
Não me leve a mal, eu admiro todas as profissões e sei que muitos trabalham inclusive com o que não quer pra sobreviver e sustentar a sua família.
Mas eu... eu não conseguia me ver dessa maneira. Só de me imaginar odiava com toda minha alma.
Eu vou ter essa vida de trabalhar na prefeitura, morar na casa dos pais do meu namorado com ele e um bebê?
Eu fui morar com Dave assim que Samuel nasceu porque nossos pais praticamente nos casaram. Disseram que tínhamos que morar juntos, não importava onde.
Podia ser na casa da minha mãe ou na casa dos Loftin, as opções eram essas.
Mas o que eu não queria era sair de casa pra morar junto com alguém. Eu amava o Dave, amava muito, mas eu sentia que era muita coisa pra ter que lidar.
Primeiro Bebê, depois morar junto com se fossemos casados? só tínhamos dezessete anos! Tudo bem que muitos casais (mais novos) resolvem morar juntos sendo bem mais novos que eu era na época, e eu não julgo (as vezes julgo sim), mas não era o que queria pra mim.
Dave queria, os pais dele queria, minha mãe queria, então a alternativa era aceitar. Mas quando aceitei resolvi ficar na casa dos Loftin.
Desde que os conheço eu sempre me senti mais confortável na casa deles do que na minha. Pensei que isso podia acalmar meus ânimos e que tudo podia dar certo, que eu iria passar pela fase ruim da minha vida emocional sem que ninguém percebesse e por fim.. seria feliz. Infelizmente as coisas não são desse jeito.
- É o seguinte, Emma - Violeta para diante da sua mesa, especificamente diante de uma pilha de papéis - Preciso que você me ajude em algumas coisas. Primeiro a organizar alguns pedidos dos cidadãos, bairros que estão precisando de algum tipo de suporte, e depois alguns assuntos financeiros...
- Está tudo nesses papéis? - pergunto
- Sim.
Olhei a sala novamente. Nunca reparei que minha mãe não tinha um computador.
- Por que nunca teve um computador? - perguntei
Ela deu de ombros
- Nunca aprendi a mexer em um.
assenti
- É tão fácil quanto um celular.
- Demorei dias só pra aprender a segurar um celular.
- É muito mais fácil de organizar, existe vários modos úteis.
- Não acho que preciso. Desde que sou prefeita, há muitos anos eu consigo lidar bem dessa maneira.
- Mas é uma maneira antiga e meio que te atrapalha se você não tiver ninguém para te ajudar.
Ela pensou um pouco
- Eu sei que você tem razão, Emma. Mas eu não tenho tempo de aprender a mexer em um agora.
- Quer que eu te ensine?
- Você sabe mexer nisso?
- Você acha que eu e pessoal cabulava aula de vez em quando pra irmos onde?
- Você nunca me disse. Eu só recebi as ligações da professora falando que você não compareceu aquele dia e no dia anterior, pra logo depois saber que você estava fugindo da escola pelo menos um dia a cada três semana. - Ela diz com desgosto. Evito um sorriso, belos tempos. - Onde vocês iam?
- Íamos para a casa do Jeremy ficar navegando na internet.
- Por que não fazia isso em casa? você tinha um computador.
- Toda vez que eu ligava cinco minutos depois desligava sozinho.
- Sério? - franziu a testa - Nunca reparei.
- Porque você nunca quis aprender a mexer. - respondo
- Tá certo, vou comprar um e você me ensina - disse ela se sentando na sua mesa e pegando uns documentos para analisar, claramente dando um basta naquele assunto.
- Tudo bem - Eu digo, o celular dela recebe uma mensagem, antes que ela possa pegar consigo ver a foto do seu papel de parede que não foi por acaso que chamou completamente minha atenção.
Ela e Samuel estavam abraçados. Ela tinha um sorriso discreto, e ele o sorriso mais grande do mundo.
Me sentei na sua frente e peguei papéis na enorme pilha em cima da mesa, fazendo o que de fato vir fazer. Ajudar a organizar toda essa bagunça.
- Eu pensei que você que tinha escolhido o nome do Samuel - Ela disse de repente - Não sabia que tinha sido o Dave.
Passei a língua pelos lábios, dando de ombros. Não sou boa com nomes para absolutamente nada.
Quando encontrei a Scarlet nas ruas e ela de repente começou a seguir, mesmo eu expulsando ela a todo custo, e por fim aceitei que aquela gatinha gorducha não ia sair do meu pé tão facilmente, simplesmente coloquei seu nome de Scarlet, porque a encontrei em frente de um lugar chamado: "Scarlet café".
- A ideia do nome veio de Dave - Eu respondi ela - Acho que ele quis homenagear meu pai depois de me ouvir falar dele várias vezes. - explico
- Você sempre foi apaixonada pelo seu pai - Ela diz, e ficamos em silêncio.
Separei seus pais em três novas pilhas. A primeira; Contabilidade. A segunda; algo relacionado a algum cidadão em especial (seja pedido, carta, etc). Por último mas não menos importante; coisas relacionadas aos pequenos bairros da cidade, incluindo relatório de obras públicas, ou algo que precisa de atenção imediata.
- Quais nomes você pensou pra ele enquanto estava grávida? - ela perguntou do nada
- Eu não pensei. - fui sincera
Ela levantou o olhar pra mim
- Sempre me perguntei se você ter negado Samuel com todas suas forças teve a ver comigo. - Disse, me deixando completamente, paralisada
- Como é? - pergunto para ver se entendi direito
Agora foi a vez dela dar de ombros. E incrivelmente, apesar do gesto descontraído, olhando em seus olhos eu consigo ver o que a muito tempo não vejo em Violeta Hall.
Tristeza.
- Você sabe, Emma. A gente sempre teve brigas, desde antes de Samuel nascer. Você era muito birrenta, eu queria ser dura para tirar isso de você então talvez possa ter passado a impressão que não te amava igual amo o Bruno.
Não respondi
- Você desprezar seu filho me faz pensar que você fez isso por causa de mim.
- Chega, Violeta. - peço
- É o que eu penso, desde que foi embora. - diz ela
- Você pensou errado. - Falo, olhando fundo nos seus olhos - Eu não desprezei o Samuel, eu desprezei a idéia de ser mãe, a maternidade, a vida que eu teria e a idéia de ser alguém que nunca quis ser.
Ela ficou em silêncio, esperando eu botar tudo pra fora de uma vez. Ok, está realmente na hora de colocar todas as cartas na mesa.
- Nós duas sempre brigamos, mãe, porquê você sempre colocava tudo em cima de mim. "Emma, lave a roupa", "quando chegar da escola limpe a casa toda" enquanto isso o Bruno saia com os amigos e voltava a hora que quisesse, ou, ficava deitado jogando vídeo game e quando eu ia falar pra você, você simplesmente respondia que era normal, porque eu era a mulher da casa e Bruno só um moleque.
Ela ergueu uma sobrancelha
- Quando meus amigos davam algum tipo de festa, fosse aniversário ou algo do tipo, quando me chamavam pra sair, você nunca me deixava ir. Eu tinha que ficar em casa trancada, sem poder fazer nada que quisesse. Quando eu fazia essa tal birra que você está falando você colocava o Bruno pra ir comigo, como única condição pra sair. Você tem idéia do quanto eu me sentia mal? mulher o bastante pra ser empregada dosmética dentro da minha própria casa mas criança o bastante pra não poder sair se vocês não estivessem perto?
Ela continuou me encarando
- Isso me fez sempre me sentir um pouco desprezada e presa dentro de casa. Por que você acha que nunca te contei que estava afim de um garoto? ou que perdi o BV? ou que me diverti tal dia ou algo muito fora do comum possa ter acontecido?
Ela permaneceu em silêncio
- Eu escondi meu namoro de você, escondi que queria ir na casa dos meus amigos de você, escondi bastante coisas de você porque você nunca me deu um pingo de liberdade. Ao contrário do Bruno que podia sair e entrar quando quisesse, podia sujar um copo que não tinha a menor obrigação de limpar, podia entrar com quantas pessoas na maioria garotas dentro de casa sem que você ligasse... caramba - respirei fundo, o coração batendo forte - Você me prendeu muito, e isso me tirou toda a tranquilidade que pensei que poderia ter com você de falar sobre qualquer coisa. Muitas coisas poderiam ser evitadas, inclusive a minha gravidez se você fosse a minha mãe e não minha inspetora a cada cinco minutos!
- Está dizendo que a culpa é minha de você ter engravidado? - pergunta boquiaberta
neguei
- Não. Mas não tem um dia da minha vida que eu não me pergunto quais decisões eu teria tomado na minha vida se tivesse tido uma mãe presente e não uma inspetora de que tipo de mulher eu deveria ser, o que deveria aprender e o que deveria fazer. Eu engravidei, e aconteceu. Mas naquele momento como em outros da minha vida eu precisava da minha mãe, e não de alguém me dizendo o tempo todo que tinha que arcar com as consequências dos meus atos e ser uma mulher adulta que deveria casar de uma vez e ter sua própria casa.
- Emma...
- Vamos colocar alguns pontos importantes aqui, por favor - Eu interrompi seja lá o que ela fosse dizer: - Você ter me prometido que me deixaria abortar, e logo depois de conversar com o padre e me negar isso, me magoou bastante. Eu querer não ter filhos não tem nada a ver com você ou com a minha criação, eu não queria ter filhos porquê não me via como mãe, não gostava da idéia de alguém dependendo 100% do tempo de mim, não gostava da maternidade em si, não gostava de muita coisa e principalmente a idéia que mesmo com meu filho nos braços não teria um dia da minha vida que eu não desejaria ter abortado a tempo. Eu sei que é duro ouvir isso, mas ninguém merece vir ao mundo sabendo que sua mãe pensa como seria o mundo dela sem você.
Ela continuou ouvindo
- Quando o Samuel nasceu, eu não amei ele, Violeta, e me senti a pior pessoa do mundo por causa disso. Eu tentei de tudo, mas não deu, cada dia que passava eu sentia pena dele de sair de alguém como eu. Me sentia um monstro por todos estarem felizes por meu filho e eu não.
- Nossos problemas sempre foram pela forma que você me criou sim, mas principalmente por você me querer colocar num mundo completamente machista em que tinha que aceitar as coisas sem poder discordar, porque caso contrário eu era muito "birrenta". Isso é um ponto. Outro ponto completamente distante é que... depois que o Samuel nasceu tudo piorou, ninguém via, mas piorou. Eu chorava muito, me sentia a pior pessoa do mundo, me sentia complemente morta. Eu tive que ir embora, mãe. Eu estava por um triz de perder uma parte de mim que já estava quase no fundo do poço. Então quando fui embora, eu percebi e senti uma coisa.
- O quê?
- Eu me amava, e amava o Samuel sim. Do meu jeito, mas amava. Fui embora porque o meu eu precisava disso, e também porque aquele pequeno bebê não merecia aquela garota do seu lado, ele merecia vocês. Merecia o Dave, os Loftin, você e Bruno. Ele merecia amor, carinho e não arrependimentos.
Então eu vi, os olhos de Violeta Hall marejando.
- Eu sinto muito, Emma. Eu sinto muito por ter sido tão dura com você, não fazia ideia que se sentia assim.
- Tá tudo bem, já passou.
- Eu sinto muito principalmente por você ter passado por tudo isso e eu ter ignorado, não sabia que teria consequências tão ardentes. Pensei que aquilo tudo iria passar.
- Você sabia, não é?
- Sabia - concordo, honestamente - Sabia que você estava mal, mas sempre pensei que você conseguiria passar por isso. Até o dia que Dave me ligou dizendo que você deixou um bilhete no meio da noite dizendo que estava indo embora.
Os olhos dela transbordaram
- Eu deveria ter dado importância ao seu sofrimento.
Meus olhos ardiam, implorando para chorar.
- Eu quero arrumar as coisas, mãe - confesso - Não sei como, não sei de que jeito posso arrumar. Mas é por isso que estou aqui, eu não posso viver o resto da minha vida fugindo de tudo isso.
- Você está se saindo muito bem, Emma. - Ela se levantou, vindo até mim e um pouco receosa disse: Me perdoa?
Eu demorei para assimilar suas palavras, mas quando finalmente entendi que ela realmente disse aquilo, eu simplesmente me levantei da cadeira e a abracei.
- É claro que te perdoo, mãe.
- Você não faz ideia do quanto é bom ouvir você me chamando de mãe de novo.
Eu sorri lentamente
- Só me faça um favor, Emma. Seja presente na vida do Samuel, seja como mãe ou... amiga. Mas seja presente na vida dele.
- Eu não sei se estou preparada para isso, mas... Mas eu vou ser tudo o que ele precisar, prometi para ele e para mim mesma.
Ela sorriu pequeno e logo depois fechou o sorriso
- quero pedir desculpas também por ter prometido te ajudar e depois mudado de ideia.
- Você está falando do...
- Do aborto. - Ela engoliu em seco, envergonhada? - Sabe por que mudei de ideia de última hora? nao foi só porque conversei com o padre e ele me disse que era uma bença de Deus, o que Samuel realmente é. Mas porquê fiquei com medo de alguém descobrir sobre isso e nossa família ficar com o nome sujo.
Minha boca secou, observando ela dizer com tanta naturalidade que me impediu de concertar algo que sabia que ia me destruir por medo de manchar o nome da família... porra! Tá de sacanagem!
respirei fundo, deixando de abraçar ela por um segundo.
Eu sei que a vida é complicada, e eu já sofri demais para viver nesse impasse com todo mundo aqui. Não quer dizer que eu venha futuramente a perdoar tudo que me magoa, mas agora, eu decidi pela primeira vez,
respirar fundo de novo e deixar esse detalhe que me afetou muito... no passado.
Eu engoli.
Vai ficar intalado na minha garganta por muito tempo, mas... agora o que eu mais preciso é concertar as coisas e ter paz interior.
É só o que preciso no momento. Paz interior.
- Emma - ela chama me acordando do meu quase transe.
- Não quero conversar sobre isso. - Eu digo - Por favor, não vamos conversar sobre isso.
Ela concordou, um pouco indecisa
- Quando eu menti para todos falando que as bandas do show beneficente tinham cancelado só para poder atrair você pra cá, não foi só porque você é uma ótima cantora, Emma - Ela entrelaçou suas mãos uma na outra - Mas porque eu queria a minha filha de volta. Eu sei que você pode ter pensado que todo mundo ficou melhor sem você, mas a verdade é que todo mundo ficou pior sem você. Então concerte tudo isso, e seja... seja bem vinda de volta.
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