Capítulo 19 - Parte II

- Arruma suas malas e me encontra hoje mais tarde, você vai morar comigo no meu antigo quarto - Eu falo para Carry que arregala os olhos

- Vão dividir um quarto? - Marcos sorri maliciosamente

Eu revirei os olhos

- Já dividimos mais que um quarto - respondo

- Vamos ter que dormir na mesma cama, de novo? - perguntou ela

- Eu compro outra pra você, se você se sentir melhor.

- Melhor que dormir no chão ou ao seu lado, me desculpa mas você ronca.

Eu sorri

- Tenho um sono pesado, você não pode me culpar.

- Mas espera... Você voltou pra sua casa? - Joana perguntou confusa. Marcos e Carry me encararam da mesma maneira, loucos para entender

Eu dei de ombros

- Normal. - respondo

- Não, não é normal ainda mais sabendo que Bruno deve estar furioso com você. - Joana diz

- Eu não me importo, aquela casa também é minha.

- Ou seja, você se enfiou lá dentro? - Marcos questiona

- Não me enfiei em lugar nenhum, Marcos. Eu apenas tomei uma decisão importante. Preciso disso.

- Bom, então boa sorte - disse Marcos, com a mão no meu ombro - Seu irmão não é fácil, principalmente com raiva.

- Não ligo para o Bruno - Falo

- Alguém aqui liga - Joana diz, e cutuca Carry com o cotovelo. Carry fica vermelha, arregala os olhos e tenta ficar séria em questão de dois segundos, três no máximo.

- Não sei o porquê vocês falam isso. Eu nem o conheço.

- Mas quer. - Respondeu Joana

- Ele é muito mau humorado. Quando nos conhecemos mal trocamos palavras.

- Ele estava agindo daquele jeito por minha causa. Ninguém sabe como ele será com você sem minha presença.

Ela deu de ombros, fingindo não ligar.

- Ele é mau humorado desde sempre, Carry. Mas é uma pessoa incrível. - Eu falo um fato

- Ok, ok, a gente se encontra mais tarde! - ela diz vermelha, tentando se afastar. Eu sorrio, minha assistente tímida é algo novo pra mim.

- Eu vou embora, a gente se vê gente. - Eu digo e me despeço de Joana e Marcos.

Quando sai da casa deles para caminhar pelas ruas da cidade, não só sai de barriga cheia como com uma sensação boa.

Sensação boa de que tudo iria dar certo.

E vai dar, pelo menos eu espero.

Conforme eu ia caminhando pelas ruas, pude admirar aquele dia e momento. Para as ruas estarem tão vazias, significa que as crianças estavam na escola ou em casa fazendo coisas que crianças fazem.

Algumas senhoras estavam conversando em suas portas, algumas acenavam pra mim (Não conhecia, mas acenava de volta) e outras cochichavam.

É óbvio que por ser filha de Violeta Hall, a prefeita, todos conheciam a história da filha que engravidou aos dezessete anos e abandonou todo mundo, para logo em seguida de tornar alguém conhecida nacionalmente pela voz.

Sei que todos pensam que fui embora por causa do meu sonho de me tornar uma grande artista mundialmente.

- Vem comigo - Ouço uma voz.

Aquela voz.

A única voz que eu reconheço mesmo que esteja a quilômetros de distância. Mesmo que esteja do outro lado do planeta. Mesmo que não esteja falando diretamente comigo, eu sempre vou reconhecer a voz dele.

Eu lembrei da sua voz, dos seus beijos, do seu carinho, do seu amor, todos os dias. Não houve um dia que não pensei nem que por 1 segundo em Dave Loftin.

Ele ergueu a mão pra mim, parado na minha frente. Seu rosto sério, sua expressão indecifrável. E ele, como sempre, bonito.

Muito bonito.

Seus fios castanhos escuros estavam bagunçados, imagino que não tenha perdido seu costume de passar a mão neles a cada dois minutos. Seus olhos da mesma cor, estavam bem mais escuros que me lembro.

- O quê? - consegui perguntar, ter seu corpo tão próximo do meu e sua mão estendida pra mim me faz pensar se por um momento não estou imaginando coisas.

- Vem comigo, Emma.

- Pra onde?

Ela não responde, apenas pega na minha mão e eu sinto um choque. Um choque de sentir seus dedos nos meus mais uma vez.

Dave me puxa e andamos apressadamente até um carro preto. Não me pergunte qual marca, tipo ou modelo. Eu não entendo nada sobre carros e nem finjo entender.

Dave parou ao lado desse carro e abriu a porta do passageiro para mim. Eu entrei sem nem ao menos questionar nada. Ele deu a volta e abriu a porta indo pro lado do motorista.

Por fim, estávamos sozinhos naquele espaço tão pequeno.

Ele não olhou pra mim, ao invés disso eu que olhei pra ele.

Eu o vi segurando o volante, sem nem ao menos ligar o carro para ir para qualquer lugar. Ele segurava no volante, como se precisasse se segurar, como se precisasse se prender a algo para se manter seguro.

E por um instante acho que precisa.

- Aconteceu alguma coisa Dave? - pergunto segundos depois

Ele respirou fundo antes de falar, ainda sem olhar pra mim.

- Tem alguns caras na cidade perguntando por você. Acho que são jornalistas.

- Como é? - pergunto um tanto aflita - Ninguém sabe que sou daqui.

Ele assente

- Mas sabem que fez um show de uma última hora. Estão perguntando para as pessoas como foi o show e se te viram. Algumas pessoas disseram que te viram andando pela cidade. Acho que deveria tomar cuidado.

Então olhou pra mim

- Já que seu empresário disse na televisão que você está numa ilha tirando férias.

Eu respirei fundo, sentindo as batidas no coração. Parecem tão altas que por um momento fico envergonhada com a ideia de Dave ouvir.

E não, meu coração não está tão disparado com a idéia de paparazzis estarem atrás de mim. É claro que isso me preocupa, mas nesse momento não. Meu coração está disparado com um pensamento que afinal é bem realista, porque está acontecendo agora mesmo, de que estou mais uma vez na companhia de Dave.

Mais uma vez tão próxima.

Mais uma vez me sentindo aquela garota apaixonada. Basta só ficar na presença dele.

- Obrigada - Eu digo, para a surpresa dele. Ele não responde, mas pelo menos já está olhando pra mim.

Olhando muito bem pra mim.

Tentando fugir de seu olhar, eu observo o veículo que estamos. Eu disse que era pequeno mas parece um pouco maior agora.

Limpo, e com o cheiro do Dave. O cheiro dele não muda, é um cheiro bom. Um cheiro que até Samuel tem.

- É seu? - Eu perguntei. Ele ainda não me expulsou do carro, já é um passo.

- É. Comprei faz um ano.

- É a sua cara.

Ele apertou os lábios antes de completar

- Comprei do velho Joe. Parece que o filho dele comprou outro melhor e resolveu dar esse para o pai.

- O velho Joe não dirige faz anos! - eu digo

E eu vi. Eu vi um sorrisinho em seu rosto.

- Por isso que ele vendeu. Parece que o filho é ocupado demais para perceber isso.

- Que filho estúpido. - Eu digo

- Concordo. - disse ele

Então, mais uma vez, ficamos em silêncio. Os dois se olhando, e eu pude ver uma faísca.

Não é uma faísca de raiva. De Desprezo. De ódio. É uma faísca de um sentimento. Totalmente contra tudo o que Dave mostrou desde que voltei.

Parecia saudades, unicamente saudades.

- Acho melhor eu ir - Eu disse, engolindo em seco. Nossa aproximação é boa pra mim mas ao mesmo tempo tão perigosa.

Tão cheia de adrenalina.

Mas me faz querer respirar. Eu sinto que consigo respirar de novo, com calma e no meu ritmo, só de olhar pra ele.

Dave segurou meu pulso me impedindo de fazer qualquer movimento para sair do carro. Eu encarei ele, ele encarou sua mão em meu pulso. Então soltou e perguntou:

- Por que você ainda está aqui na cidade, Emma?

- Acho que... acho que tem tantas respostas para essa pergunta que nenhuma delas me parece a certa.

- Você realizou seu sonho, você é famosa. Não tem porquê estar aqui se está feliz onde quer que esteve.

- Acha mesmo que estive feliz? - pergunto, ele fica em silêncio me encarando com aqueles olhos.

Aqueles olhos de quem diz que quer descobrir todos os meus segredos.

- Emma Larson é feliz, Emma Hall não.

- O que quer dizer?

- Quero dizer que, aquela garota que canta para centenas de pessoas, dança até ficar soada, até sentir o corpo formigando, é feliz quando faz tudo isso porquê se encontra. Se encontra na própria melodia, se encontra no próprio ritmo, e encontra sua voz. Quando eu estou cantando, fazendo o que sempre gostei, eu sinto que tenho voz.

- Você quer dizer que Emma Hall nunca teve voz?

- Eu sou Emma Hall, Dave. Emma Larson é apenas a pessoa que precisei criar para poder gritar pro mundo quando sentisse vontade.

Ele suspirou, os olhos que estavam tensos ficando aos poucos, brilhantes.

- Acho interessante como a gente sempre conseguiu fazer isso.

- Isso o quê?

- Falar de algumas coisas com tranquilidade. Ao mesmo tempo que é impossível falar sobre outras sem que haja sentimentos ruins no ar.

- Verdade.

mais um longo e temível silêncio. Tantas coisas a dizer e nem eu e nem ele encontra um modo de verbalizar, de expor.

- Eu quero me aproximar dele, Dave. - Eu disse, esperando que ele visse a sinceridade em meu olhar

Ele passou a língua pelos lábios, eu podia ver suas emoções se mexendo nervosamente e seus sentimentos em conflito.

Consigo ver a razão e o coração entrando em debate. Como consigo ver? minha razão e meu coração vivem debatendo, brigando e se exaltando.

- Não posso, Emma - Ele disse passando as mãos pelo rosto - Não posso deixar você magoar ele do mesmo jeito que me magoou.

Assenti, cuidadosamente. Odeio que ele tenha razão. Eu não tiro a razão do seu medo. Consigo ver ele imaginando eu e Samuel próximos para logo em seguida eu sumir, desaparecer de repente.

- Eu prometo não fazer isso - Falo

Ele nega com a cabeça, diversas vezes.

- Entendo seu medo, Dave. E você está certo, mas quando eu fui embora há anos ele era um bebê, pensei que ele ficaria melhor sem mim. Eu ainda acho que é melhor sem mim, mas agora tive a oportunidade de conhecer ele, eu quero conhecer ele de verdade.

- Por que você achou que Samuel ficaria melhor sem você? você é a mãe dele.

- Exatamente. Eu sou a mãe que não gosta de ser mãe. Eu sou a mãe que detestou cada segundo da gravidez e cada segundo da maternidade. Eu sou a mãe que tinha vontade de chorar quando aquele pequeno bebê chorava, porque odiava tudo aquilo.

- Como... eu não sabia disso. Por que você não me contou?

- Iria adiantar alguma coisa?

- Ir embora não adiantou nada! Samuel cresceu, Emma, você quer se aproximar agora? só agora?

- Tem muitas coisas que você não entende e não sabe, Dave!

E como esperado, o clima mudou. Estava tranquilo, agora não está mais.

- Por que você não explica, Emma? Para de falar que as pessoas não entende! O que foi que aconteceu que te fez ir embora? que te fez me abandonar?

- Não estou pronta para contar agora.

- Tem a ver com o que quer que sua mãe esconde?

- Tem.

- Eu não posso te deixar ser próxima do Samuel se você não abre a porra do jogo!

- Eu queria abortar, tá bem? - exclamei, agora que falei em voz alta, sentindo vergonha.

- Como é? - perguntou de olhos arregalados

- Eu não estava preparada, Dave. Eu tinha só dezessete anos. Tá bem que muitas meninas engravidam com quatorze, quinze, dezesseis mas eu? eu nunca quis ser mãe, eu tinha planos pra minha vida. Queria faculdade, queria carreira de cantora, queria ser feliz com minha vida e com você. Era só o que eu queria.

Ele inspirou fundo, posso ver seu coração batendo tão rápido quanto o meu. Mas agora que comecei, não posso parar.

- Quando eu descobri que estava grávida a primeira coisa que fiz foi chorar, todos os dias durante um mês. Eu só te contei um mês depois, porque antes disso, a Violeta descobriu porquê achou o teste na minha gaveta. Ela me bateu muito. Ela nunca tinha levantado a mão pra mim, naquela noite ela me bateu e me xingou de todos os nomes possíveis. O Bruno não estava em casa, então ele nunca soube disso.

Olhei para minhas mãos, envergonhada e continuei:
- Ela disse que eu teria que viver com aquilo. Eu disse que não queria ter um filho, que queria abortar, eu não queria ser mãe. Ela não falou nada, no outro dia ela disse que tudo bem, poderia abortar mas não podia contar pra ninguém porque todos iriam me julgar. Eu fiquei super ansiosa por um semana, pronta para tirar aquilo de mim, e quando finalmente chegou o dia, ela cancelou. Ela disse que conversou com o padre ele disse que eu tinha que ter meu filho porque era um presente divino de Deus. Ela simplesmente decidiu por mim, ele decidiu por mim, e a minha opinião sobre ter um filho ou não foi completamente ignorada.

E como esperado, minhas mãos começaram a tremer. Lembrar me trás dor.

- Pensei que poderia aceitar tudo aquilo, que poderia aceitar que teria um filho e que minha vida iria mudar completamente. Se outras garotas conseguem ser mães, independente do quão novas são, por que eu não conseguiria? Se todo mundo ficou feliz, por que eu não conseguia? por que todo mundo apoiou e sempre esteve ao meu lado e eu sentia que estava sozinha? vazia? perdida? por que toda maldita noite quando eu acordava de repente e observava o tamanho da minha barriga maior a cada dia, eu chorava?

Naquele momento, meus olhos já estavam cheios de lágrimas. Seja bem vinda, Emma fraca Hall.

- Pensei que assim que Samuel nascer tudo ia passar. Que quando eu olhasse pro rosto do meu filho toda dor e sofrimento iria ser automaticamente recompensado, não é isso que dizem que acontece? mas por qual motivo assim que eu o vi pela primeira vez senti que preferia estar morta?

- Emma...

- Você estava tão feliz com o Samuel. Meu irmão, meus amigos, a cidade inteira dizendo que meu filho era lindo e que seríamos muitos felizes que senti que não podia falar pra ninguém. Eu pensei em me matar, Dave, tantas vezes que perdi a conta.

Ela apertou suas mãos uma na outra, enquanto eu tentava controlar o tremor das minhas.

- Minha mãe acha que fez o certo. Pra Deus e pra mim. Mas ela fez o certo pra ela. Ela ignorou meu medo, meu desespero, minha opinião sobre parir ou não. Ela nem quis uma segunda conversa comigo, ela decidiu e pronto. O que ela decidiu era o certo e o que eu queria era o errado.

- Olha pra mim, Emma

- Eu não quero que sinta pena de mim, Dave. Não preciso da pena de ninguém, eu só... só precisava que tudo aquilo parasse. Cheguei a um ponto que eu não conseguia sentir minha respiração, não conseguia chorar, não conseguia nem ao menos sofrer porquê me sentia morta por dentro.

- Você não foi a única que sofreu quando Samuel nasceu, Emma. Todos fizemos sacrifícios.

- Eu sei que não fui a única, por isso eu me sentia muito pior. Me sentia mal por todo mundo, por mim até mesmo por ele. Samuel merecia mãe melhor, uma pessoa que gostaria de ser mãe dele. Você merecia namorada melhor, que suportasse tudo isso e meus amigos mereciam amiga melhor, que soubesse dar...

- Não, Emma! - Ele exclama me interrompendo - Eu não merecia namorada melhor, eu merecia uma namorada que abrisse o jogo comigo! Por que você não me contou?

- Por que eu achei que você nunca iria me entender! Principalmente porque eu via a morte como melhor solução. Não via sentido viver uma vida que sentia que não era minha, ou viver uma vida que sentia que não era vida. Eu precisava que tudo isso parasse.

E tudo bem, eu dei um fim ao meu desabafo. Eu abri o coração, abri minha mente e falei a verdade.

Falei tudo que guardei por anos.

Pela primeira vez em tanto tempo me sinto aliviada por finalmente ter falado. Por finalmente sentir que posso gritar, não importando se alguém vai me ouvir ou não.

- Acho melhor eu ir - Eu disse, limpando as lágrimas que caíram.

- Espera - Ele disse, chamando minha atenção. Ele ficou em silêncio, e então eu vi. Vi lágrimas escondidas que ele piscava tentando mandar embora. Ele respirou fundo, posso notar que tenta acalmar suas emoções depois de tudo que ouviu. Tudo que nunca tive coragem de dizer. - Eu tô indo buscar Samuel na casa dos meus pais, quer ir junto?

Eu arregalei.

Eu ainda acho que Samuel merece uma mãe melhor, mas eu quero ser próxima.

Eu quero conhecer Samuel Hall Larson Loftin.

Então concordei. Dave falou para eu colocar o cinto e fomos embora.

A verdade é que; minha mãe e o padre representam a sociedade. A sociedade que diz que se você abriu as pernas você tem que parir, porquê é presente de Deus ou uma decisão sua que você terá que arcar com as consequências.

É sim um presente de Deus, quando a mulher quer ter um bebê. Criança nenhuma merece vir ao mundo e saber que sua mãe não te quis ou não deixa de pensar uma vez no dia dela o quanto a vida dela teria sido melhor se não tivesse engravidado.

Mas a verdade é que ninguém liga. Ninguém liga se a mulher sofre, se a mulher não quer ter filhos, se a mulher está prepada.

eu sei o quanto doeu.

O quanto doeu tudo. O quanto doeu minha saúde mental principalmente.

Só eu sei a intensidade do meu sofrimento.

Só eu sei o quanto a decisão da minha mãe me machucou. Ela me observou todos os dias, ela era a única que sabia o que eu queria e o quanto estava infeliz.

Mas pra ela não importava. Eu tinha que cumprir meu papel de mulher e de mãe.

Ela só não contava que eu iria me perder no meio do caminho.

E pra ser honesta, nem eu.

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