O ataque (editado)
A dupla de adolescentes disparou pela calçada, seus passos ressoando sinistramente pelas ruas desoladas. Infelizmente, haviam entrado na zona abandonada do centro comercial — um cenário sombrio, convenientemente isolado, que favorecia o seu perseguidor. Amélia estava ofegante, seu peito subindo e descendo em ritmo acelerado. Ela se esforçava para não olhar para trás, mas a tentação era quase irresistível após ter testemunhado o inacreditável: o homem que os seguia havia cuspido uma substância roxa capaz de derreter um poste inteiro. Tentava freneticamente encontrar uma explicação lógica para aquilo — gases tóxicos? Mutação genética? Nada fazia sentido.
– Ele ainda está nos perseguindo... – murmurou Alex com uma urgência palpável em sua voz, puxando Amélia para um beco escuro e úmido, cheio de sombras sinistras.
– Quem é ele? O que realmente está acontecendo aqui? – exigiu Amélia, seus olhos brilhando com um misto de confusão e medo.
– Não temos tempo para isso agora! – respondeu Alex, claramente frustrado.
– Então, você vai ter que encontrar tempo! – retrucou Amélia, chutando a canela de Alex com força suficiente para fazê-lo soltar sua mão.
– Droga, você resolve tudo com violência? – esbravejou Alex, massageando a canela atingida.
– Isso soa bem hipócrita vindo de você, não acha?
– Que seja... Não tenho tempo para discussões. Vamos! – insistiu Alex, visivelmente impaciente.
– Eu não vou dar mais um passo até saber o que está acontecendo – declarou Amélia, cruzando os braços sobre o peito em um gesto de desafio e teimosia.
– Você é idiota? Acha mesmo que temos tempo para isso agora? – Alex estava incrédulo.
– Talvez eu seja idiota, mas não sou ignorante. Em menos de uma hora, um semáforo quase caiu na minha cabeça, um homem estranho nos perseguiu, e esse mesmo homem cuspindo ácido derreteu um poste inteiro! E tenho certeza absoluta de que ele estava mirando em nós! Como você espera que eu continue a fugir sem saber do que ou de quem estamos fugindo? – explodiu Amélia, suas palavras carregadas de um desespero quase palpável. Era como se estivesse presa em um pesadelo, aquele tipo em que você se sente impotente, oscilando entre a realidade e o absurdo. Ela deveria estar acordada. Isso não poderia ser real.
Alex percebeu que Amélia estava à beira das lágrimas, seu corpo tremendo como uma folha ao vento. Uma onda de culpa lavou sobre ele, fazendo-o reconsiderar suas próprias ações. Ela merecia ao menos um fragmento da verdade.
– Vou tentar ser o mais claro e rápido possível. Por favor, tente não me interromper ou pedir que eu repita algo. O que vou dizer pode soar absurdo, mas juro que é verdade. Meu pai tinha planejado uma revelação completa depois do casamento, mas parece que nem ele poderia antecipar os caprichos do destino. – Amélia olhou para Alex com uma mistura de curiosidade e apreensão.
– O homem que nos persegue é um dragão.
Alex captou o olhar de incredulidade de Amélia, algo que ele já esperava.
– Sim, dragões são reais. E não, não somos monstros escamosos que devastam tudo à nossa volta e prendem princesas em torres. Ok, talvez possamos causar algum estrago, mas, em geral, somos pacíficos.
– Somos? Podemos? Você está se incluindo entre esses "dragões"? – Amélia indagou, agora mais cética do que nunca. "Estou acompanhada por um lunático e sendo caçada por outro. Estou condenada!", pensou ela.
– Exato, eu sou um dragão. E meu pai também.
Antes que Alex pudesse dar continuidade às suas explicações, um grito agonizante ecoou pelo beco, fazendo ambos se sobressaltarem. Na entrada do beco, o homem que alegava ser um "dragão" estava ali, os observando.
– Dracorions... Finalmente os encontrei – ele sorriu maleficamente, enquanto um líquido roxo escorria de sua boca e derretia o asfalto aos seus pés. O som sibilante da substância corroendo a terra rompeu o pesado silêncio.
– Chega. Sua busca é vã. Minha família já pagou pelos seus erros! – exclamou Alex, colocando-se entre Amélia e o perigo que a ameaçava.
– Pagaram? Ainda respiram enquanto meus camaradas jazem mortos. O pagamento será feito em sangue. Sangue de Dragões Negros – respondeu o homem, retirando o capuz e revelando um rosto parcialmente queimado e desfigurado. Amélia cobriu sua boca com as mãos para abafar um grito involuntário. O único olho intacto do homem era de um púrpura intenso, com uma pupila negra e fendida como a de um felino.
"Isso é... uma lente de contato estilizada?" O racionalismo de Amélia ainda buscava desesperadamente por uma explicação plausível, embora cada tentativa parecesse cada vez mais fútil.
– Acredita mesmo que todos os Dragões Negros são culpados pela guerra? Que não há inocentes entre nós? Que merecem a morte apenas por serem Dragões Negros? Você está tão cego pela vingança... – disse Alex, o tom de sua voz firme, inabalável até mesmo diante da aparência grotesca do seu perseguidor. – Todos nós carregamos cicatrizes. A sua dor não é mais profunda que a minha.
– Um mero filhote tentando me dar lição de moral? – o homem riu, um riso gutural e cruel. Amélia observou horrorizada como os dentes dele eram todos pontiagudos, como presas de um predador insaciável.
– Saia daqui antes que mais cicatrizes marquem o seu rosto! Eu não tive qualquer envolvimento com o que aconteceu ao seu clã; eu sequer havia nascido! E essa mulher? Ela é ainda menos culpada do que eu!
– Todos são culpados. Até a nova geração. Não permitirei que o erro do passado seja esquecido! Nunca! – Com essa declaração aterradora, o homem ficou em silêncio por um momento e então começou a engasgar, como se estivesse prestes a vomitar algo nefasto.
"Ele vai..." O pensamento de Amélia foi interrompido quando um jato de líquido roxo foi lançado na direção deles. Ela fechou os olhos instintivamente, como se o simples ato de não ver pudesse de algum modo protegê-la. Preparou-se para sentir o ardor do ácido em sua pele, mas isso não aconteceu. Ela abriu os olhos, hesitante.
– Lutar contra um Dragão Negro não é tão simples quanto parece – Alex declarou, um sorriso confiante brotando em seus lábios. Amélia teve que conter outro grito que ameaçava escapar. Uma barreira de um azul etéreo, quase como uma névoa, envolvia os dois. Ela tocou a estranha bruma e percebeu que, de alguma forma, ela parecia sólida. O ácido tinha sido bloqueado por essa proteção quase sobrenatural.
– Malditos dragões feiticeiros... – o homem rosnou, seu rosto torcido em uma expressão de fúria indomável. – Quanto tempo você acha que vai conseguir manter isso? Tenho ácido suficiente em mim para derreter essa sua barreira!
– Não, você não vai conseguir... – Com um estalo de seus dedos, Alex fez a névoa se concentrar num único ponto. A barreira se dissipou, substituída por uma esfera pulsante de energia.
– Vai me matar, então? Os Dragões Negros só sabem mesmo espalhar morte! – O homem desafiou, seu corpo começando a convulsionar como se preparasse para vomitar mais uma vez. Amélia se encolheu atrás de Alex, apreensiva.
Sem responder, Alex ergueu seu braço e manteve o punho cerrado em frente à esfera flutuante.
– Você vai morrer agora! – rugiu o homem, lançando mais uma torrente do líquido roxo venenoso.
Num gesto rápido, Alex abriu o punho. A esfera de energia disparou em direção ao líquido venenoso. Tudo aconteceu tão rapidamente que Amélia mal pôde acompanhar o evento, como se assistisse uma bola de tênis sendo lançada com força brutal contra um alvo imaginário. A esfera colidiu com o líquido e um clarão ofuscante irrompeu.
– Meus olhos... – murmurou Amélia, incapaz de enxergar. Sentiu como se estivesse flutuando, uma estranha sensação de leveza como se houvesse saltado e não voltasse mais ao chão. Sentiu mãos segurando-a e começou a se debater em pânico. – Me solte!
– Calma, pelos deuses! Vou acabar te deixando cair! – A voz de Alex a tranquilizou momentaneamente. A cegueira momentânea começou a se dissipar e ela começou a enxergar novamente. Porém, desejava não ter recuperado a visão tão cedo.
– Ahhh!? Estamos... estamos... – Amélia agarrou-se ao pescoço de Alex com tanta força que quase o sufocou.
– Acalme-se! Vou perder a concentração assim!
Eles estavam flutuando a cerca de três metros do chão.
– Isso... isso não pode ser real! – murmurou Amélia, ainda atordoada.
– Real ou não, aqui estamos – Alex resmungou enquanto delicadamente descia ao chão. Amélia ainda se agarrava a ele como se sua vida dependesse disso. – Ei, já estamos seguros. Pode me soltar agora.
Alex suspirou, resignado, quando Amélia não o soltou, paralisada pelo medo.
Nesse momento, uma caminhonete se aproximou deles e parou ao seu lado. O vidro elétrico desceu, revelando um rosto sorridente e descontraído do outro lado. Era um jovem de cabelos negros e longos, olhos azuis como os de Alex, mas com um brilho mais jovial. Eram claramente parentes.
– Oi, Alex! Perfeita noite para um encontro amoroso, não é? – riu o rapaz, aliviando a tensão com seu humor.
– Felix... Não tenho tempo para isso!
– Correto. O tempo é uma essência que não podemos desperdiçar! – A porta do passageiro se abriu com um estalo, revelando a presença de um homem imponente. Seus ombros largos e seu corpo esculpido em músculos faziam um contraste bruto com sua face, onde uma cicatriz profunda cruzava o seu olho esquerdo. Seu olho direito, no entanto, era de um azul tão penetrante que quase parecia ler a alma.
– Quem...? – indagou Amélia, sua voz tingida com um misto de curiosidade e temor. Os últimos acontecimentos a tinham deixado alerta para mais inimigos, talvez outros cuspindo ácido.
– Eu sou o primo do Alex, meu nome é Felix. E o colosso aqui é o nosso tio Erich! – O jovem ao volante tinha um sorriso desarmante e os mesmos olhos azuis de Alex. – Viemos resgatar vocês.
– Chegaram atrasados – Alex rosnou, abrindo a porta traseira da caminhonete para que Amélia pudesse entrar. No entanto, ela continuava grudada em seu pescoço como uma lapa. Não havia outra opção a não ser entrar no veículo com ela.
– Que casal mais fofo! – Felix provocou, os olhos brilhando de divertimento.
– Cala a boca! – esbravejou Alex.
– Chega de imaturidades, vocês dois! – Erich repreendeu. Sua voz profunda fez os dois jovens se calarem instantaneamente e baixarem a cabeça em submissão. – Alex, reporte a situação.
– Vim buscar Amélia para levá-la de volta para casa. Mas fomos interceptados por um Dragão Púrpura. Eu sei que é proibido usar nossos poderes em território humano, mas ele nos atacou com ácido! Eu tive que reagir!
– Você nos colocou em risco! – O tio soltou as palavras como lâminas afiadas.
– E o que você sugere que eu devesse ter feito? Um Dragão Púrpura não deveria nem estar aqui! – Alex retrucou, tentando desviar o olhar da cicatriz do tio, uma lembrança dolorosa da guerra entre os clãs de dragões que havia ocorrido anos atrás.
– Deve ser um desgarrado – sugeriu Felix, seu tom mais ponderado agora.
– Ele tinha o rosto desfigurado. Provavelmente é um veterano da guerra... – adicionou Alex.
– Vou cuidar deste inseto – anunciou Erich, já se afastando do veículo.
– Espere, Tio! – Felix o chamou, desesperado – Lembre-se: não devemos matar outro dragão!
– Eu não vou matá-lo. Apenas vou conversar com ele, usando os meus punhos – o dragão mais velho revelou um sorriso ligeiramente sádico, mostrando seus caninos afiados.
– E você reclama de mim por revelar nossa posição? – Alex observou seu tio se distanciar, incredulidade marcando suas palavras.
– Ele vai se conter... só precisa usar o Dragão Púrpura como um saco de pancadas para aliviar o estresse! – Felix disse com um tom jocoso, ligando o motor da caminhonete e começando a se afastar do local.
– Os Dragões Vermelhos não vão gostar disso. Este território é deles!
– Verdade, mas parece que eles não estão fazendo um bom trabalho de patrulha – Felix cantarolou, a animação retornando à sua voz. – E como está minha nova "priminha"? Ela está ferida?
Alex quase se esquecera da garota em seu colo. Olhando para baixo, percebeu que ela adormecera — ou talvez tivesse desmaiado. Não podia culpá-la; ela havia testemunhado eventos que desafiavam toda a lógica humana. Havia muito o que esclarecer, e o peso da incerteza apertava seu peito: E se ela não aceitasse a verdade?
– Seu pai sempre pode fazê-la esquecer, sabe? – Felix falou, como se estivesse sondando os pensamentos mais profundos de Alex.
– Meu pai vai dar a ela uma chance. Assim como fez com a mãe dela. Você sabe o quanto ele detesta usar seus poderes para invadir a mente alheia. Deixa-o física e emocionalmente esgotado. E substituir memórias é um processo intrincado; qualquer erro pode ter consequências terríveis. – A mão de Alex percorreu, com um toque quase reverente, os cabelos castanhos e encaracolados da garota.
– Imagino que seja algo complicado. Não gostaria de ter tal poder. – Felix respondeu, um toque de alívio em sua voz.
– Dizem que o poder que você desperta reflete sua maturidade e capacidade mental. Então, você nunca teria algo tão complexo quanto o poder do meu pai. – Alex rebateu, seu tom levemente sarcástico.
– Ah, o "coração de gelo", sempre tão conveniente! Mas pelo que vejo, nem todo o seu coração está congelado. – Felix sorriu pelo retrovisor, observando Alex que ainda acariciava a garota, como se tentasse oferecer algum conforto através do toque. Alex retirou abruptamente sua mão.
– Isso não significa nada. Ela é insuportavelmente tagarela, e este é um dos raros momentos de silêncio. Você não faz ideia do que é conviver com ela! – Alex tentou justificar, seu rosto revelando uma mistura de defensividade e irritação.
– Quem pediu explicações? Eu certamente não. Relaxe! – Felix soltou uma gargalhada, lendo facilmente o nervosismo de Alex, e ligou o rádio do carro. Mesmo ao som de uma melodia eletrônica pulsante, Alex não conseguia relaxar. Seus pensamentos vagavam, reexaminando os eventos recentes. A guerra talvez tivesse acabado, mas suas sombras os seguiam para onde quer que fossem. Bear Creek deveria ser o começo de uma nova vida, um refúgio, um lar. Mas estava claro que haviam se enganado.
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