Desculpas
Silêncio em absoluto. Se podia ouvir um inseto voando pela a sala. Amélia observava sua xícara de café intocado. Na verdade sua visão desceu para os seus pulsos que detinham as marcas das cordas deixando uma impressão roxa em sua pele alva. Seu corpo ainda estava tenso, sabia que uma hora ou outra iria desabar, mas sua preocupação ainda não tinha se findado, tinha que saber se Felix e Alex ficariam bem.
"Isso tudo é minha culpa..." Pensou.
– Cuidado. – Mãos seguraram a sua xícara, só então notou que suas mãos tremiam e o líquido escuro agora salpicava e escorria pela a porcelana.
–D-desculpe. –Levantou os olhos para agradecer quem tinha lhe ajudado, era Leonard que apresentava um sorriso amigável em seus lábios.
–Está tudo bem. Quer alguma coisa para os seus... –O rapaz apontou para os pulsos machucados de Amélia, esta tentou puxou a manga da camisa para escondê-las.
–Obrigada, mas... Estou bem. –Disse em um sussurro.
–Eu me lembro da minha primeira missão solo. –O dragão púrpuro que se chamava Bolt falou, só então que a humana notou que ele estava sentado confortavelmente em uma poltrona a sua frente – Eu devia investigar uma ocorrência de brigas que ocorriam em bares recorrentes, havia o boato que uma pessoa escapou de uma destas brigas com feridas sérias provocados por ácido, a polícia começou a investigar e se fosse um dos nossos seria um grande pé no saco, digo... –Coçou a bochecha – Seria inconveniente. Logo fui mandado para observar os bares.
–E o que ocorreu? –Inqueriu Amélia, pelo menos a história a fazia esquecer um pouco do que estava ocorrendo com ela.
–Digamos que descobri que realmente fora um dragão solitário que estava fazendo toda essa zorra... Eu tentei contê-lo. Mas eu era novo e louco para provar meu valor para o meu clã decidi fazer tudo por minha conta. Logo o persegui antes de informar meus superiores, no final, eu consegui contê-lo, porém acabei por cair no tuneis de captação de esgoto da cidade. Pode imaginar como foi o resultado final, não é? O cheiro de merd... Digo... O cheiro ruim ficou impregnado a minha pele por quase uma semana inteira, além de nossa raça ter o privilégio, ou nesse caso o maleficio, de termos narizes muito sensíveis...
Leonard soltou uma risada abafada.
–Pelo visto, você não aprendeu nada ao longo destes anos. Como por exemplo seguir ordens.
–Eu sigo as suas ordens, basta saber como dá-las. –Piscou provocador Bolt, o dragão vermelho ficou, literalmente, a cor que representava a sua raça – E se eu ganhar alguma recompensa ao final do cumprimento da tarefa...
–Ok! –Leo o interrompeu totalmente embaraçado – Creio que essa história toda deve ter alguma moral. Obviamente, não está tagarelando essas coisas para nós entreter...
–Sim, obvio que tem. Não seja idiota. –Tales tinha se intrometido na conversa, o jovem lançou um olhar crítico por sobre Amélia que engoliu em seco e abaixou os olhos encarando a sua xícara.
– Na verdade, a moral seria: todos nós erramos, principalmente quando não temos experiências. –A humana levantou subitamente a cabeça para encarar o outro dragão que piscou para ela com um sorriso cordial nos lábios – Devemos aprender com nossos erros e não afundarmos em culpa ou ressentimento. A segunda moral é: na próxima não erre novamente.
–Não vai haver próxima vez. –Agora era a vez de Arthur se interpor, Amélia podia sentir a força naquelas palavras – Eu agradeço a sua ajuda, senhor Bolt. Por sua assistência nas docas, mesmo que não fosse sua responsabilidade.
– Não precisa agradecer! Mas pelo o visto, isso que vocês estão envolvidos também, de alguma forma, envolve a minha investigação. Logo seria a minha responsabilidade.
–Como assim? –Pablo, que estava, a momentos atrás, andando de um lado para o outro na sala, parou e encarou o dragão purpura, depois seu olhar se direcionou a Leonard que por sua vez, engoliu em seco – O quanto você sabe, exatamente...
–O que sei? Não muito... Só coisa que posso deduzir. –Disse isso tocando o nariz e exibindo um sorriso confiante – Eu confio muito no que farejo, senti o odor de dragões negros e aí eles estão. Sinto também cheiro de outro tipo de dragão que eu não consigo desvendar o tipo...- Coçou o queixo, os outros membros da sala se entreolharam surpresos – Nas docas, uma coisa ocorreu, aquele dragão verde não tinha cheiro nenhum! Eu só invadi o local por sentir cheiro de bombas e pólvora. Isso não é normal: um dragão sem cheiro. Para mim, isso já levanta diversas suspeitas. O que ocorreu com o membro da minha raça foi estranho, o que está ocorrendo aqui também é igualmente estranho... Uma coisa eu aprendi ao longo da minha vida, que eventos como esse que acontecem no mesmo local não podem ser coincidências.
–Mas isso só são suposições. –Interrompeu a jovem dragão purpura – Não tens nenhuma prova concreta, logo não somos obrigadas a ficar aqui...
–Ah! Deixa de ser do contra Scarlet! O dragão púrpuro que estamos investigando só deve ter vindo aqui, pois como eu, conseguiu farejar os dragões negros!–Voltou seu olhar para Arthur –Sem ofensa, muitos dos meus irmãos de raça não são muito fãs de dragões negros.
–Não ofendeu, sei destas animosidades.
–Pois bem, alguém queria que ele farejasse os dragões negros. Pelo menos essa é minha teoria.
–E para que? –Agora era a vez de Tales questionar.
– Ele, digo o dragão verde, ele parecia querer capturar o Alex e Felix... Ele falou algo que deve-se controlar o poder... Falou muito sobre como os dragões negros são poderosos demais, mas não deveriam ser eliminados e sim... Doma-los. –Falou Amélia, meio incerta se devia ou não adentrar naquela discussão.
– Controlar? Domar? – Pablo falou com um tom enojado – Nenhum dragão deve controlar o outro. Isso é uma lei dentro do nosso povo!
–No passado, antes do feitiço que nos fez ter forma humana, era comum dragões mais fortes escravizarem os mais fracos... – Informou Leonard.
–Nessa época dragões também comiam dragões mais fracos! Canibalismo não é algo que fazemos a séculos! Isso é passado e história! –Rosnou o líder dos dragões vermelhos - Não existe qualquer justificativa para os atos deste dragão verde e essa organização que ele representa!
– Filho, controle-se, você está quase ativando o alarme de incêndio. –Advertiu Theodor, de fato, Pablo estava emitindo fumaça pelas narinas.
–Desculpe...- Falou, passando as mãos pelos cabelos –Eu só queria ter chegado antes que Felix e Alex...
–A culpa, realmente, não é nossa. –Tales disse novamente lançando um olhar para Amélia –Se alguém não tivesse se metido em assuntos que não entende...
–Ei! Já chega! –Leo emitiu um rosnado para o irmão.
–Ele tem razão. –Agora era a vez de Scalet falar – Não o repreenda, sei que todos aqui pensam basicamente o mesmo: a culpa foi desta humana.
Amélia teve muito esforço para controlar as lágrimas que tomavam seus olhos. Não queria chorar na frente deles, não queria parecer fraca. Sim, tinha errado, mas não fez de forma intencional! Queria ajuda-los!
–Me corrige se tiver errado, mas foi por causa da Amélia que conseguimos não só o humano-caçador como também encontramos o dragão verde, se não fosse por ela o que teríamos? Um carro semidestruído que conseguimos no departamento de polícia? Sim, ela pode ter errado em agir sozinha, mas não podemos negar o resultado final de toda essa confusão! –Declarou Erich, para a surpresa de todos, já que o dragão normalmente ficava calado durante esses tipos de discussões – Agora vamos para com toda essa merda de melodrama, ok? O que está feito, está feito!
– Gostei dele! Tirou as palavras da minha boca, grandão! –Disse Bolt batendo palmas.
Arthur parecia discordar daquele pequeno discurso, mas antes que pudesse falar algo a porta da frente foi subitamente aberta.
–Amélia? Arthur? Vocês estão aqui? –Era Olivia.
"Agora sim eu estou encrencada..." Suspirou a humana se resignando com o seu destino.
–Quem a chamou aqui? –Inqueriu o chefe dos dragões negros olhando para dos na sala que em resposta deram os ombros ou negaram com a cabeça.
–Eu a chamei. –Ariana tinha entrado na sala acompanhada da Olivia e ela não estava só. Sion, agora vestido com um casaco negro com um capuz, a qual escondia parcialmente seus cabelos prateados, além disso vestia jeans azulados e tennis, parecia um adolescente normal a não ser pelo leve brilho que sua pele alva emitia – Não acho certo deixa-la de fora enquanto a família dela esteve em perigo.
–Perigo? Que tipo de perigo? –Olivia olhou para Arthur e depois para Amélia –Onde está Alex e Felix?
Sion, vendo que tinham desconhecidos fazendo parte do grupo, logo se escondeu por trás de Ariana.
–Por todos os deuses antigos... –Balbuciou Bolt –Ele ... Ele é um...
–Não pode ser! Um dragão branco?! D-deveriam estar extintos? –Scarlet também estava surpresa, primeira vez que a expressão do seu rosto mudou irritada para abismada, em poucos segundos. Amélia já estava pensando que aquela garota só tinha um tipo de expressão facial, pelo visto tinha se enganado.
–Olivia... Eu...- Arthur começou a tentar explicar.
–Foi minha culpa. –Disse a jovem adolescente se levantando do sofá – Eu quis ajudar a investigação, quis participar de alguma forma... Uma das minhas amigas disse ter avistado homens estranhos no caminho dela para a escola, a descrição parecia bater com aqueles que atacaram o Sion, resolvi ir investigar. Pensei, primeiro, em confirmar que eram de fato eles e não dar um alarme falso sem necessidade... Mas tudo se complicou quando o dragão verde apareceu e... Eu sinto muito!
–O meu deus... –Olivia foi até a sua filha e abraçou –Querida, você não precisa provar o seu valor... Não é mesmo Arthur?
O dragão negro, relutante, se aproximou da dupla e deu um cafuné em Amélia.
–Sua mãe tem razão... Cada um exerce a sua função dentro dos limites de suas habilidades. Você é um membro importante de nossa família, não pode se por em perigo desta maneira. Família significa união, não é uma competição e muito menos devemos medir o valor dos nossos membros.
–Me desculpe... Sei que está bravo comigo. –Murmurou, envergonhada.
–Eu estava mais preocupado do que bravo... Desculpe se levantei a minha voz com você e...
Amélia negou com a cabeça e sorriu.
–Não, tudo bem... Um pai deve agir deste jeito, não é?
Arthur, de início ficou sem palavras, mas depois sorrio e por fim tomou coragem e abraçou as duas humanas.
–Pessoal, sem querer interromper o momento reconciliação, mas aonde está o Sion? –Perguntou Leonard olhando para os lados.
–Ele estava aqui a momentos atrás...-Disse Ariana.
–Droga! Aquele idiota! –Rosnou Tales já saindo da sala e correndo pelo corredor.
–O que houve? –Theodor estava confuso com todo aquele alvoroço.
–Sion...Ele vai tentar curar Alex e Felix! – Concluiu Amélia assustada, o pequeno dragão branco desmaio na última vez que usou seu poder e Tales nem estava tão ferido assim, imagine a quantidade de energia que ele deveria utilizar para curar os dragões negros... Ele poderia morrer!
Todos pareciam ter chegado na mesma conclusão, menos os dragões púrpuros que ainda estavam confusos observando aquele alvoroço. Contudo, o grupo não precisou iniciar a busca, pois Tales já retornava a sala com o dragão fugitivo jogado no ombro como fosse um saco de batatas.
–M-me solta! Eu só quero ajudar! –Choramingou Sion.
–Ajudar como? Se matando?
Sion não respondeu, estava fazendo beicinho quando fora jogado, com delicadeza, no sofá. Tales sentou ao seu lado, o braço caindo sobre os ombros do menor.
–Para que serve o meu poder se não posso usá-lo? –Cruzou os braços diante do peito, furioso.
–Com o tempo e treinamento você poderá ampliar a sua resistência e energia, mas agora... Não é momento ideal para exercer o seu poder de cura. –Explicou, paciente Arthur.
Sion soltou um suspiro e parecia ter aceitado a sua situação.
–Agora só devemos esperar que os médicos de nosso clã exerçam o seu trabalho. –Disse Theodor – Vamos esperar, os garotos são fortes e ainda mais, não esqueçam que dragões são resistentes! Não sucumbimos tão facilmente.
"Assim espero..." Pensou Amélia olhando para o corredor que levaria ao quarto aonde a dupla estava sendo tratada e medicada.
"Alex...".
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