O Surgimento de uma nova Estrela
AINDA QUE PROVAVELMENTE fosse apenas uma brecha de uma enorme porta trancada, o Príncipe de Asgoldien estava sentindo que um peso do qual nem tinha consciência de que carregava tinha sido removido de suas costas.
Quando olhou nos olhos dela, finalmente pôde ver. Estava ali: a confiança cintilando em prata e violeta nas íris de Esther. Ainda vacilante, sim, mas estava ali.
Para ele.
Khalled tocou os dedos dela com delicadeza, segurando-os entre os seus. Lentamente, para que pudesse recuar se quisesse.
Depois de um delicioso segundo de hesitação que fez com que o coração do príncipe batesse duas vezes mais rápido, Esther tirou a mão da dele.
— Você não tem que ficar. — ela disse, quase um sussurro de tão baixo. Como se testando em que tom sua voz sairia. Como se colando as partes da sua armadura de volta no lugar. —Não precisa se tornar mais alguém a mercê da maldição. Não nasceu em Arasdil; não somos a coroa a quem você deve lealdade.
— Mas você ouviu o que ela disse...
— Você não tem dever algum comigo, Khalled. Guardião ou não, eu não o obrigaria a cumprir uma promessa feita por seja lá quem for que dê as cartas na mesa daquela Cigana. — então respirou fundo, massageando as têmporas. Deus, ele pensou. Ela parecia tão cansada. Tão cansada. — Me diga o que ela falou depois que perdi a consciência. Qualquer coisa que for, eu preciso saber.
Khalled passou a mão pelo cabelo, puxando os fios para trás. Tinha finalmente ganhado a confiança dela. E não importava o que ela pensasse, ele não iria simplesmente deixá-la lidar com tudo aquilo sozinha quando podia ser uma parte importante da história.
— Que se dane — murmurou. — Ela não me disse nada, está bem?
— Como assim? — Esther perguntou, franzindo a testa. — Mas você disse...
— Sim, eu sei o que eu disse, mas o que mais você queria que eu dissesse? — colocou uma mão na cintura, gesticulando com a outra na direção dela. — Estava tentando me mandar embora, então eu falei a primeira coisa que achei que poderia usar como trunfo para fazê-la mudar de ideia!
Esther pareceu chocada por um momento, então se recuperou, dizendo:
— Você não foi muito inteligente. Eu provavelmente iria te espancar até que me contasse o que foi que ela te disse e depois te mandaria embora do mesmo jeito.
— Ha! Você pode tentar. — Khalled deu um sorrisinho.
A princesa de Arasdil semicerrou os olhos, soltando um suspiro que expressou na medida exata o quanto de sua paciência estava começando a se esgotar.
— O que você quer dizer com "pode tentar"? — antes que ele pudesse responder, ela ergueu a mão. — Quer saber? Não me responda. Eu não quero ter que bater em você antes de saber o que eu quero saber, então vou apenas fingir que não ouvi o que acabou de dizer e seguir em frente como a pessoa madura que eu não sou. — então imitou a posição na qual ele estava, pondo as mãos na cintura. — Quer dizer que ela não disse mais nada? Mais nada, nada mesmo? Simplesmente decidiu calar a matraca ininterrupta quando não parava de falar um minuto sequer enquanto eu estava acordada? Porque isso não faz o menor sentido.
— Acredite, eu sei. Mas foi o que aconteceu. Ela disse que você ainda não estava pronta para receber sua "sina" porque ainda não tínhamos "algo" de que precisávamos. E então se levantou e disse que só podia contar qual era a nossa missão quando nós dois estivéssemos "conscientes da importância dela."
— Agora soa mais como algo que ela faria. — disse Esther, revirando os olhos. — Ciganas. Irritantemente enigmáticas.
— Bem, pelo menos agora você já sabe. — Khalled disse, enfiando as mãos nos bolsos do casaco preto. — Se quiser saber mais sobre o segredo por trás da morte da sua irmã, vai precisar que eu esteja do seu lado de um jeito ou de outro. — então a encarou, a espera de uma resposta, recebendo um olhar carrancudo em troca. — Vamos, Esther, nós já estávamos juntos em uma missão, que diferença vai fazer mais uma? Você sabe que pode confiar em mim.
Foi num piscar de olhos, em um movimento que nem mesmo Khalled pôde prever, que Esther estava com as duas mãos apertando a gola de sua camisa, sibilando:
— Escute aqui. — disse, com gravidade. — Você salvou a minha vida e eu sou grata por isso, mas eu não vou aceitar ser traída. No momento em que eu sonhar que está mentindo pra mim ou tentando se aproveitar de alguma forma, eu vou...
— Me espancar, me matar, cortar meus membros fora... Já está quase se tornando uma ladainha. — o príncipe completou, envolvendo as mãos dela com as dele e desfazendo o aperto que elas exerciam em seu pescoço. — Eu não vou te trair. Pedi para que me deixasse ajudá-la porque é o que eu quero e vou fazer. Não há nada que eu esconda de você agora e não haverá nada enquanto estivermos juntos. Eu juro. Está bem?
Olhos violeta-prateados cintilaram na direção dele quando ela assentiu.
— Quer dizer que somos amigos agora, certo? — Khalled arriscou, dando um sorriso de lado na esperança de fazer com que seu nervosismo não ficasse ainda mais visível.
Esther ficou calada por apenas alguns segundos, mas para Khalled foi como se uma eternidade tivesse se passado.
— Eu acho que sim. — ela murmurou, sem olhá-lo nos olhos.
O comandante de Asgoldien franziu a testa.
— Espere, você tem certeza ou não? —ergueu as sobrancelhas. — Porque quando digo que quero ser seu amigo, Esther, não estou querendo dizer ser só seu parceiro em suas armações. Seremos amigos de verdade. Amigos mesmo, do tipo que dividem os problemas e que apoiam um ao outro. — respirou fundo. — E então, você quer ser minha amiga?
— Eu já disse que quero, por que você tem que fazer tanto drama? — ela finalmente ergueu o olhar, exasperada. — Posso estar quase sempre sozinha, mas você não é o primeiro amigo que eu tenho. Eu disse claramente que quero ser sua amiga, então por que a necessidade de me explicar o significado de amizade? Você é tão irritante! — exclamou, dando as costas para ele, mas não rápido o bastante para que o príncipe deixasse de ver a coloração avermelhada subindo pelo pescoço e rosto dela.
— Não acredito — ele ecoou, realmente descrente.
— Não acredita em quê? — questionou ela, ainda de costas.
— Você está... está com vergonha. Está com vergonha por causa do meu pedido de amizade. — falou, achando a ideia de tê-la deixado constrangida com um pedido tão simples completamente adorável.
— O quê?! Não estou, não! — negou com veemência, elevando a voz. — Você se acha!
— Me acho mesmo. E você está com vergonha. Está com o rosto todo vermelho, quem quer enganar? —indagou, puxando-a pelo ombro para que olhasse para ele. Um inevitável sorriso de orelha a orelha se formou no rosto de Khalled ao vê-la da cor de um tomate. — Quer dizer que ficar seminua na minha frente tudo bem, mas dizer que é minha amiga é demais pra você? É tão cheia de surpresas, a minha princesa. — ele provocou, se obrigando a não trazer de volta a perigosa imagem que foi vê-la saindo do lago naquele dia.
— Eu não sou sua princesa. E sobre ficar seminua, faça-me o favor! Como se nunca tivesse visto um par de seios. — Esther revirou os olhos novamente.
— Não como os seus, se me permite dizer. — o príncipe acrescentou solenemente.
— Por Deus, como pude me envolver com alguém tão sem-vergonha? — ela perguntou para si mesma, enquanto puxava seu sobretudo verde-musgo do encosto da cadeira e o vestia.
— Foi você quem pediu sinceridade. — Khalled deu de ombros, atento ao processo que ela realizava em fechar todos os botões da roupa, ponderando se tocava ou não no assunto: — Sobre ontem à noite, quando te chamei daquele jeito... Por que foi como se você tivesse visto um fantasma?
Ele observou Esther enrijecer o corpo drasticamente em questão de segundos.
— Em primeiro lugar, por que foi que você me chamou daquele jeito? — perguntou ela, em voz baixa.
Um arrepio subiu pela espinha de Khalled, um aviso de que seja qual fosse a resposta que desse, teria de ser inegavelmente verdadeira. Tinha o pressentimento de estar vivendo um momento definitivo, e apesar de não saber o motivo, suspeitava que a mulher a sua frente também se sentia da mesma forma.
— Seu nome significa "estrela." — disse o príncipe, apesar de ter certeza de que ela sabia. — E por trás do violeta dos seus olhos, independente de você concordar comigo ou não, parece que há milhares de pequenas estrelas. Eu só... — limpou a garganta, querendo afastar o calor que agora ameaçava tomá-lo. — Só expressei o modo como a via. Como uma estrela retirada do céu. E você é tão forte e tão pequena que... — sentiu o rosto queimar. — Me desculpe, mas isso é tão constrangedor. Eu não a chamo mais assim se te incomodar.
Por um longo tempo, ele pensou que ela não diria nada. Já podia sentir o arrependimento tomando-o quando, para sua surpresa, Esther tocou seu braço, o olhar brilhando com as lágrimas que segurava.
— Minha irmã. Ela me chamava assim também. Antes de... morrer. — engoliu em seco. — Ninguém mais sabia. Me assustei quando ouvi alguém se referindo a mim dessa forma depois de tanto tempo.
— Eu não fazia a menor ideia.
— Nem teria como. — ela piscou algumas vezes, afastando as emoções que lutavam para ganhar espaço em suas feições. — Não é algo ruim. Só algo que não ouço há muito, muito tempo.
— Então... — o príncipe começou, incerto se ainda deveria perguntar. — Eu tenho sua permissão?
Esther olhou nos olhos dele e o que Khalled viu dentro do violeta dos dela quebrou qualquer tensão que houvesse entre os dois. Foi como se estrelas cadentes, cometas e a luz mais brilhante da lua estivessem voltados na direção dele.
Como se fosse tudo.
— Você a tem. — ela disse, e então abriu a porta do gabinete, recebendo uma lufada de vento vindo de fora.
Aquele fora um momento que significara tudo para ela também.
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