Estilhaços no Reino Prateado


ATRAVESSEI O CORREDOR que levava até o Salão Branco apressadamente. Quanto mais rápido eu fosse, mais rápido eu poderia voltar para minhas obrigações como Comandante. Minha Legião poderia retornar a qualquer momento, e eu queria estar nos portões para recebê-la, não presa com minha mãe e suas damas em meio a xícaras de chá, tecidos bufantes e conversas frívolas.

Era o santuário da Rainha, o Salão Branco. O piso feito de um mármore tão límpido que o reflexo de seus sapatos era visto a cada passo dado, com quatro colunas de prata e cristal que eram interligadas, formando um grande vitral do símbolo de Arasdil, indicando a utilidade para cada canto do cômodo opulento. Um para chás, outro para a leitura; além do espaço para o embelezamento e a sala para receber estilistas e costureiras com inovações para o vestuário de sua Majestade.

Ser convidada para tal lugar era uma honra imensa, reservada apenas para as damas na mais alta patente e estima da Rainha.

Mas não me lembrava de nenhum novo membro ter sido adicionado ao grupinho fechado de mamãe desde que eu era criança e, na verdade, isso era bom. Porque eu conhecia muito bem cada uma de suas amigas, e juntas elas não formavam mais que um ninho de cobras cheias de um veneno oculto, do tipo que se ocupava não em matar, mas em gerar intrigas pela Corte.

Não esperei ser anunciada, passando tão rápido pelos soldados que guardavam as portas do Salão que eles só tiveram tempo o bastante para abri-las e liberar minha entrada.

Cinco pares de olhos me encararam assim que pus os pés no recinto, me olhando com rostos totalmente treinados para disfarçar suas reais emoções.

Observação rápida sobre as damas de minha mãe:

Olivia, a Falsa-Boa. Demonstrava ser pura bondade e misericórdia, mas adorava apunhalar os outros pelas costas.

Katryn, a Golpista. Ela se aproximava de pessoas poderosas a fim de ganhar dinheiro com qualquer trabalho que pudesse oferecer a elas. Eu duvidava que houvesse um homem com o qual ela não tivesse se deitado em Arasdil - exceto o meu pai, é claro, que odiava esse tipo de gente tanto quanto eu.

Louise, a Pilantra. Tinha dívidas com todos do Reino, por isso quase nunca dava as caras fora do Salão Branco. Era uma verdadeira consumista fantasma: comprava e desaparecia sem pagar. A sua especialidade era ouvir fofocas no mercado.

E Violet, a Ardilosa. Era a pior e a que mandava em todas as outras. Artista nata no que se tratava de mentiras, intrigas e em destruir a reputação das pessoas. Ela era a definição exata de serpente real.

E havia a minha mãe, Rainha Keyse, a Controladora. Ela sabia muito bem da fama que precedia cada uma dessas mulheres, e era esperta o suficiente para mantê-las sob sua rédea. Como diz o ditado, amigos por perto e inimigos mais perto ainda.

- Vossa Alteza, que alegria tê-la em nosso Salão. - me cumprimentou Olivia, com um sorriso. - Faz meses que não a vemos. Está mais bela do que me lembrava.

Semicerrei os olhos em sua direção, sem me prender ao seu papo furado:

- Se puder me poupar de toda a sua falsa adulação, por favor o faça. - eu disse. Então encarei minha mãe, sentada no Trono de prata localizado no meio do Salão, fazendo uma rápida reverência antes de me dirigir a ela: - Solicitou minha presença, então eu vim.

- Não finja que não sabe o porquê de estar aqui. - minha mãe disse, seus olhos azuis gelo escrutinando o meu rosto. - Eu estive conversando com o Capitão Loeztern sobre você recentemente.

Ergui as sobrancelhas, fazendo minha melhor expressão de surpresa.

- Jura? É realmente algo maravilhoso fazer parte do assunto alheio. - cruzei os braços, atitude que eu sabia que ela detestava. - Posso saber sobre que parte de minha vida foi exatamente a pauta de sua conversa?

Mamãe estreitou os olhos.

- Não gosto quando usa esse seu tom de ironia comigo, Maria Esther. - ela advertiu.

Revirei os olhos.

- Ora, mamãe, por que não somos mais práticas? - indaguei, gesticulando na direção dela. - Você quer que eu saia do Comando no Exército.

Ela balançou a cabeça em concordância, nem um pouco surpresa por eu já estar a par de seus planos.

- É isso mesmo. Essa sua época de brincar de soldado já passou. Você tem dezenove anos agora. É uma mulher. E é princesa. Está mais que na hora de começar a se comportar como tal. - pontuou, cada frase soando se fosse algo fora de discussão.

- Eu nunca vou deixar minha Legião para ser princesa. - dei um passo em sua direção, sentindo um formigamento costumeiro tomar a cicatriz em meu ombro. - Estou ciente de ser mulher desde que nasci e isso não me impediu de chegar até aqui. Você não vai ditar o que eu vou ou não fazer. Eu não sou mais criança.

Todas as mulheres presentes na sala escutavam tudo com bastante atenção, não querendo perder um detalhe do embate entre Rainha e Comandante que acontecia ali.

- Exato. - minha mãe disse, inclinando a cabeça para o lado como se estivesse considerando minha declaração. - Você não é mais criança. Seu pai e eu só permitimos que fizesse parte do Exército por causa da morte de Angeline, como uma maneira de...

Assim que o nome de minha irmã foi pronunciado, tudo voltou: nós duas brincando juntas no Jardim, sua voz chamando o meu nome, o sentimento de amizade verdadeira que havia entre nós sendo rompido por uma dor sufocante, estraçalhado pelas garras de uma fera que semeou a morte na vida de toda a nossa família.

Fechei os olhos, sentindo as lágrimas se acumularem.

- Não a use como desculpa para me forçar a ser algo que não sou. - sussurrei.

- Mas é isso que você está fazendo, Esther! - a voz de minha mãe ecoou tão alta que estremeci. - Você não nasceu para isso. Não é o seu destino.

- O meu destino era ter morrido no lugar dela! - gritei, sentindo meu coração bater forte contra o peito, o sangue pulsando com força contra meus ouvidos. - Será que você não entende? Não quer que ela seja vingada? - perguntei, a raiva tomando forma em meu ser.

Pela primeira vez, minha mãe pareceu sem palavras.

Ao me dar conta do que eu havia dito, respirei fundo, tentando me recompor.

- Eu não vou abandonar minha posição. - falei, resoluta. - E esta é minha decisão final.

- É mesmo uma pena. - disse ela, me olhando com seriedade de seu Trono. - Porque a partir deste momento, eu, Rainha Keyse de Arasdil, declaro que você, Princesa Maria Esther Kihastian Arasdilany, está banida de toda e qualquer atividade que tenha ligação com o Exército do Reino da Espada de Prata e de suas responsabilidades como Comandante da Destruição. Eu a destituo de seu cargo e dispenso você de suas obrigações.

- Você não pode fazer isso comigo. - cuspi, o formigamento em meu ombro assumindo a intensidade de fogo contra carne viva. - Fui eu quem criou essa Legião. Fui eu quem fez nosso Exército carregar a honra que leva consigo hoje. Fui eu.

A expressão da Rainha era de total indiferença.

- Está dispensada, Maria Esther.

O rugido que escapou de minha garganta foi semelhante ao de uma fera faminta, assustando a minha mãe e suas damas. Antes que eu pudesse sequer pensar direito no que estava fazendo, desembanhei a espada do suporte em minhas costas, arremessando-a em direção ao vitral de Arasdil, que explodiu em milhões de pedaços no exato instante em que a lâmina encontrou o vidro.

Os gritos das mulheres correndo para longe da chuva de estilhaços afiados do vitral arruinado foi a última coisa que eu ouvi antes de dar as costas e me retirar do Salão Branco.

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