Duelo de Espadas e Derramamento de Vinho
POR MAIS INCRÍVEL que parecesse, Khalled não estava nem um pouco surpreso por encontrar a garota que roubara seu cavalo com tamanha destreza em meio a uma festa da mais alta sociedade de Arasdil.
O que o deixara realmente chocado fora descobrir que a tal garota era ninguém menos ninguém mais do que a filha do Rei, a única herdeira do Trono. Não que a ideia de que ela fosse uma nobre não tivesse passado por sua cabeça, mas uma princesa?
E o modo como ela falava? Como caminhava de forma destemida, como se portava no meio daquelas pessoas... Era tão altiva. Tão arrogante. Tão furiosamente independente, dona de si. Khalled se via cada vez mais fascinado por ela.
Esther não sabia ou não se preocupava em disfarçar suas emoções nem um pouco, de modo que ele sabia muito bem que ela devia estar achando dele um completo idiota.
— Estou cansada disso aqui. — disse ela, de repente, balançando a taça de vinho que segurava com estranha leveza, observando o líquido girar de um lado a outro. — Não há nada de interessante para fazer. Acho que vou embora.
— Por que não fica e dança comigo?
Ela ergueu o queixo, estreitando o olhar. Khalled achou graça. Parecia que sua pergunta a havia deixado contrariada.
— Eu não gosto muito da sua ousadia... — ela começou, antes que ele a interrompesse:
— Por quê? Só quem pode ser ousada é você? Só você que pode dizer o que lhe dá na telha?
A princesa deu um pequeno sorriso, desta vez claramente divertida pelo que ele dissera.
— Eu gosto das coisas do meu jeito, você deve ter notado. — falou, bebericando o vinho antes de continuar: — E eu gosto de saber o que as pessoas pretendem quando começam a se... como devo dizer? Se empenhar em tentar manter uma conversa comigo quando eu estou obviamente nem um pouco interessada.
E tão direta.
Khalled sorriu, dando um passo na direção dela, ficando um pouco mais próximo do que seria considerado respeitável.
— Você tem alguma coisa que me fascina. — disse ele, resolvendo ser completamente sincero. — Algo... não sei. Diferente. Sua personalidade. Sua presença. Sua maneira de ser me intriga tanto quantos seus olhos cor de violeta prateada.
Ela manteve o rosto inexpressivo ao ouvir tudo o que ele dissera, mas a taça tremeu em sua mão, mostrando o que ela tentava esconder: a declaração dele a tinha deixado abalada.
E ela não gostara disso nem um pouco.
Esther o olhou fundo nos olhos, tão intensamente que Khalled achou que fosse possível que ela pudesse perfurá-lo se continuasse muito mais.
— E você... Príncipe. — ela estava debochando dele. — Você tem alguma coisa que me irrita. Não sei. Alguma coisa no modo como você fica aparecendo de repente na minha vida e consegue atrapalhar meus planos só com a sua presença. Você acha que eu sou uma princesinha que vai cair tão fácil assim nesse seu papo de fascínio? Eu tenho dó de você.
— Por acaso fiz algo que a ofendeu? — Khalled perguntou, franzindo a testa.
— Você me ofende. — disse ela, cerrando os dentes com impaciência.
— Agora acho que finalmente te entendi. — o Comandante de Asgoldien balançou a cabeça, como se tivesse compreendido qual era a do jeito defensivo com o qual ela o estava respondendo. — Você é uma daquelas pessoas tristes que possuem diversas facetas para não deixar com que os outros percebam o quanto é infeliz, não é? Já conheci a Esther violenta, a provocativa e a arrogante; qual será a próxima?
Ao erguer o olhar para a princesa de Arasdil, Khalled se arrependeu imediatamente do que dissera. Apesar de ter dito em tom de brincadeira, estava claro que ela não tinha visto a mínima graça na piada. Antes que ele pudesse ao menos dar um sorriso para aliviar a tensão entre os dois, Esther ergueu a taça que segurava e derramou todo seu conteúdo sobre a cabeça do príncipe, gesto que chamou a atenção de todos ao redor deles, gerando um burburinho de surpresa que ecoou pelo Salão inteiro.
— Sinta-se honrado. — ela disse, sorrindo com doçura. — Como a pessoa infeliz e cheia de facetas que sou, acabei de criar uma nova: a que vai arruinar a sua vida.
Khalled estava boquiaberto, com o vinho ainda escorrendo pelo seu cabelo, as gotículas pingando em seus ombros e manchando o terno sob medida que ele usava.
— Como assim? Nem trocamos nossos votos e você já me odeia? — ele tentou manter a compostura e levar tudo na esportiva, enquanto tirava o lenço que carregava no bolso e enxugava o excesso da bebida do rosto e de seu paletó.
— Cale a boca. — ela sibilou.
Como foi que eu me meti nessa encrenca?, Khalled se perguntou. Aquela mulher era louca de pedra. Ele nem mesmo tivera a intenção de irritá-la e já tinha se tornado alvo da loucura dela!
Eu tenho dó de você.
Ele que tinha! Dó de todas aquelas pessoas que teriam uma lunática como rainha.
— Quer saber, você é doida. — ele disse de uma vez.
— Você ainda não viu nada. — ela zombou.
— Já chega! — a Rainha interviu, indo para o lado de Esther, segurando-a pelo braço. — Vossa Alteza, queira perdoar-me pela minha filha, ela não está tão sóbria quanto deveria.
O Rei, chegando logo atrás, foi na direção de Khalled, lhe estendendo mais um lenço para substituir o que ele usava, agora já totalmente sujo. O príncipe balançou a cabeça em agradecimento, tomando ar antes de olhar para a Rainha, que tentava arrastar Esther para fora do Salão de Baile.
— Vossa Majestade, eu que peço perdão. — ele começou, quase não acreditando em si mesmo por estar fazendo aquele papel por uma garota que mal conhecia. — Fui um tanto indiscreto com sua filha e devo tê-la ofendido de alguma maneira. A responsabilidade é toda minha. — completou, fazendo uma reverência respeitosa o bastante para demonstrar sinceridade.
Do lado oposto ao dele, Esther parecia estar espumando de raiva. Quem ele pensava que era? Por que estava querendo tanto pagar de bom moço? Por que não jogava logo de uma vez toda a culpa para cima dela como todos faziam? Não que alguém fosse duvidar. Afinal, ela era sempre o problema, ele era só um figurante no fiasco que fora aquela noite.
Que imbecil, ela pensou, revirando os olhos com toda a cena.
Pois bem, se ele queria transformá-la na mocinha, então seria assim.
— Indiscreto?! — Esther exclamou, no seu melhor tom de menina puritana. — Você praticamente tentou abusar de mim!
Com a experiência que tivera com Khalled, a princesa de Arasdil pensou que novamente ele viria a se desculpar ou ficaria completamente sem palavras com a acusação. Mas o que ela não esperava, era que ele fosse contra atacá-la de uma forma tão ardilosa quanto a que ela usara contra ele:
— Eu não ia comentar em respeito a sua honra, Vossa Alteza, mas já que tocou no assunto, que seja dita a verdade. — ele começou, falando mais alto para que todos ao redor pudessem ouvir. — A princesa Esther quis me seduzir, me propondo que a seguisse até seus aposentos, e eu, como o cavalheiro que sou, não aceitei. Ela, sentindo-se constrangida e furiosa pela minha rejeição, derramou, como vocês podem ver, sua bebida em cima de mim.
Agora Esther queria esganá-lo.
— Seu... — ela começou, antes que sua mãe a puxasse para trás com mais força, fazendo um sinal para que os guardas se aproximassem.
— Levem-na para o seu quarto na Torre Leste — ordenou, logo em seguida olhando para Khalled: — E Vossa Alteza, mil perdões pela minha filha, como eu já disse...
O Rei Marcus ergueu a mão para silenciá-la, gesto que não fazia havia anos.
— Você. — apontou para Esther, depois encarando Khalled com a mesma expressão e olhar sérios. — E você. Isso não acaba aqui. Amanhã discutiremos sobre o que será feito sobre isso.
E pela primeira vez desde o início da discussão, os olhos do príncipe e da princesa, ambos comandantes e soldados por determinação e mérito, se encontraram, ambos vendo o mesmo sentimento estampado nas íris um do outro:
Medo.
Medo de terem acabado de se meter em algo muito maior do que uma simples vingança caprichosa.
Algo pior, como estarem a ponto de dar o primeiro passo para uma prisão eterna que nenhum deles nunca pensara em adentrar: o matrimônio.
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