Fé, Crença e Destruição


MUDANÇA DE PLANOS. — declaro, percorrendo os olhos por cada rosto presente em nossa sala de reuniões improvisada. — Fiz uma nova descoberta acerca do motivo de não ser mais a líder de vocês e o plano que tínhamos não vai ser útil agora que estou a par da situação.

— O que você descobriu? — Kevin, General do exército e meu amigo mais antigo pergunta, descruzando os braços e saindo das sombras nas quais estava encoberto no canto da parede. — E qual será o novo plano?

Resisto ao impulso de agradecer a ele e a todos que estão aqui.

Quando ganhei uma promoção no exército e me tornei responsável pela minha Legião, estar cercada de pessoas que me ouviam e confiavam em mim a respeito de como prosseguir durante toda e qualquer complicação era aterrorizante. O peso sobre meus ombros fora esmagador e o medo de falhar estava sempre lá. Eu pressionava a mim mesma para dar mais que o meu melhor e fazer além do que estivesse ao meu alcance para que aqueles soldados que contavam comigo tivessem êxito em suas lutas e em suas batalhas.

Dois anos depois, apesar dos muros que sempre mantive erguidos ao meu redor, sei que meu trabalho não foi em vão. Porque hoje sou eu que conto com eles.

Flexiono os dedos e exalo profundamente, então tomando a dianteira:

— A Rainha não deseja a minha permanência em Arasdil. — anuncio, ganhando olhares surpresos e uma breve onda de murmúrios perplexos. A agitação dura pouco; assim que volto a falar, todo o barulho cessa. — Esta é a razão da súbita destituição do meu cargo como Comandante. Esse ato foi o primeiro de tantos outros que tinham como objetivo fazer uma limpa nas minhas obrigações para com o Reino. — fixo meus olhos nos de Kevin, que parece entender de cara a razão de tudo aquilo. — Em suma, essa foi a maneira que minha mãe encontrou de remover os fios que me prendiam aqui.

— Comandante, se me permite. — o soldado Thorn pede, esperando minha autorização para ter direito à palavra.

Com um aceno de cabeça, o concedo a ele.

— Por que a Rainha Keyse quer tirá-la de Arasdil? — indagou, seu tom e o leve franzir de testa em seu semblante provas claras de sua confusão. — A senhorita é a única herdeira do trono, além de ser um feito e tanto para nossas forças combatentes. Acima de tudo, se não fosse pelo seu trabalho duro, nenhum de nós seria nem metade dos soldados que somos hoje e muito menos faríamos parte da melhor legião do exército arasdilano.

— Ele tem razão. — Tarah, uma das três garotas da Destruição, afirma, erguendo o queixo em concordância. — Vossa Alteza é nossa mentora. Foi a única que deu uma oportunidade a mim, à Ava e à Dana quando nos alistamos. Foi a única que nunca nos subestimou, que nunca nos fez pegar leve. Porque confiava em nossa força. Nós confiamos na sua também.

— E apesar do nosso mau começo e de ter tido a minha cabeça chocada contra a parede tantas vezes por você, eu me recuso a ter outra líder. — Carter diz, ao lado de Kevin. Eles trocam sorrisos cúmplices. Pressiono os lábios para não sorrir também. Ah, os antigos conflitos que nos trouxeram até aqui... — Priestly era um ótimo Imediato, mas não serve como Comandante. Ele ainda age como se fosse seu braço direito, mesmo que você não esteja lá. Está totalmente perdido, esperando que sua ex-noiva apareça e lhe dê uma direção para que possa marchar. Parece até um daqueles soldados de guerra amargurados que perderam um membro enquanto lutavam por suas vidas.

Mais ao fundo, alguém estala a língua.

— A diferença é que ele tem todos os membros. — Dana adiciona, com uma pitada de sarcasmo.

— Bem. — digo, lutando contra todas as emoções que circundam o meu peito. Há orgulho, gratidão e um enorme reconhecimento. Porque eu conheço aquelas pessoas. Sei quem são e conheço suas lutas porque lutei ao lado delas. — Fico extremamente honrada de ser tão querida por todos vocês, mas não há o que temer: eu não estou indo a lugar nenhum. E quanto ao meu braço direito, temos algumas mudanças por aqui — aceno para a pessoa atrás de mim. — Eu gostaria de apresentar oficialmente o segundo no comando da nossa missão.

— Este é Khalled Asryn. Príncipe de Asgoldien.

— Não é esse o homem em quem você derramou vinho naquele baile de alguns meses atrás? — Carter indaga, erguendo a sobrancelha. — Você é cheia de surpresas. — Em seguida, foca seu olhar em Khalled: — E você é um espécime além do que a perfeição seria capaz de descrever.

— Carter. — Kevin lhe dá um tapa por trás do pescoço. — Quando você vai deixar de flertar com todo mundo que conhece?

— Qual é, Kevin? Assim você me deixa mal na frente dos outros! — o soldado de cabelo raspado responde. — Eu não flerto com todo mundo que conheço. Só com todo mundo que eu conheço e que é gostoso. E você, Vossa Alteza, é muito gostoso.

Engasgo, enquanto o homem ao meu lado está dizendo:

— Obrigado. Fico realmente lisonjeado — Khalled responde, com um sorriso nada humilde. O filho da mãe se acha. — E eu ficaria mais confortável se me chamasse apenas de Khalled, todos vocês.

É perceptível o quanto ele causa uma boa impressão na Legião. Não é algo chocante, no entanto. Suas palavras são confiantes e fazem com que as pessoas pensem que ele sabe o que está fazendo. Além disso, todo mundo ao redor de Khalled pode sentir o forte instinto de liderança que ele carrega consigo. É algo natural para ele.

Pigarreio para retomar o fluxo da conversa:

— A caminho daqui, o príncipe e eu tivemos uma ideia que será capaz de forçar minha mãe a me deixar permanecer em Arasdil. — olho de esguelha para Khalled e volto minha atenção para as pessoas à minha frente logo que o pego me encarando de volta. — Estamos a ponto de terminar o verão e não vai demorar muito para o inverno chegar.

Com a menção da estação da besta, todos caem em um silêncio grave e cheio de significados.

— É sabido por todos nós o período de terror que passamos durante essa época do ano — engulo em seco. — E essa será nossa carta na manga contra a Rainha. Khalled, prossiga por favor.

Sem mais, ele continua:

— Precisamos que cada um de vocês espalhem a notícia de que a princesa e também comandante da legião mais poderosa de Arasdil está propondo um duelo.

— Um duelo? — Thorn indaga. — Com que fim?

— Com o fim de se declarar a pessoa mais apta para adentrar na Floresta e matar a besta invernal que assola o reino de vocês.

Um arfar coletivo de surpresa abismada é o som que vem de todos os presentes na sala.

Kevin fica boquiaberto. — Esther... Você não pode estar falando sério.

— Mas estou. — digo, obstinada.
— Oferecer-me para acabar com Fassor é um desejo que tenho desde a morte de minha irmã e pelo qual não vejo a hora de concretizar.

— Mas Comandante... Isso é loucura. — Tarah diz, seu olhar se alternando entre mim e cada um de seus colegas.

— Tarah tem razão. — diz Carter. — Além disso, quem é que seria burro o suficiente para se candidatar a esse duelo desvairado?

— Eu. — Khalled responde, e todos se viram na sua direção. — Eu seria burro o suficiente para fazer isso.

— Por Deus. — Kevin respira fundo. — Vocês dois só podem ter perdido o juízo.

— Essa é a maneira mais óbvia de eu poder ficar. — argumento. — Com o duelo haveria uma enorme comoção em todo o povo de Arasdil porque a proposta da disputa traz tudo o que interessa aos nossos cidadãos: ver a princesa guerreira deles lutando pela primeira vez em uma aparição pública e ainda por cima com a promessa de se verem livres para sempre da maldição do inverno. Ambas são coisas que despertarão a curiosidade do público e que serão grandes fontes de distração para a minha mãe. Ela não vai nem sequer pensar em casamento se houver todo o caos que estou esperando que haja.

Casamento?! — Kevin exclama. — Com quem... - ele começa, e então seus olhos passam de mim para Khalled. - Ah, eu vejo.

— Você entende agora? Se eu me casar com Khalled, ficarei quase todo o tempo em um reino há quase uma semana de viajem de Arasdil. — eu falo, procurando convencer a todos aqui dentro do meu ponto de vista. — Com o duelo, um monte de gente vai poder ver o motivo de eu ser parte do exército e o porquê de ser a comandante da melhor legião do reino. Será uma reafirmação tão poderosa que nem mesmo o rei e a rainha terão como questionar. Se eles ainda quiserem me retirar do cargo depois de tudo, sofrerão com a insatisfação do povo. E nós sabemos o quanto nossos governantes prezam para manter a paz.

— Ela tem razão. — afirma Thorn, concordando com a cabeça. — Ela é nossa comandante. Quem além dela poderia vencer essa maldição? Não é uma tentativa de suicídio, mas sim o início de uma revolução.

— Ainda que seja como você está dizendo, é perigoso demais... — Dana refuta. — Ela não pode ir sozinha.

— E não irá. — a voz grave de Khalled se sobressai acima das outras. — Eu estarei junto dela.

— Khalled, não foi isso que nós... — começo, mas sou interrompida:

— Vocês também podem ir conosco. — ele prossegue, seu discurso ganhando mais intensidade a cada palavra proferida. — É uma missão perigosa, é claro, e nem todos vão querer se arriscar. Contudo, aqueles que o fizerem serão heróis que ficarão marcados na história de seu povo. Os soldados que ajudaram a princesa a derrubar a fera que dizima as vidas inocentes de Arasdil há mais de mil anos. Não é nem de longe um peso que todos podem carregar. A responsabilidade de salvar vidas é maior do que qualquer outra. — seu timbre é pontuado por imensas notas de determinação. — Mas é uma responsabilidade com a qual a comandante de vocês está certa de que podem arcar. Foram treinados por ela, afinal, e ela acredita no potencial de vocês. Basta saber se vocês acreditam no dela. — ele faz uma pausa. — Eu acredito.

O ar falha ao sair dos meus pulmões quando sinto a mão de Khalled envolver a minha. Quente, grande e sólida como uma rocha.

Meus olhos ardem nas beiradas.

A fé que este homem tem em mim é como uma flecha cravada no centro do meu coração. O impacto é sobrepujante e me deixa estática; a sensação é tão forte que sinto-a atravessando minha pele e penetrando em meus ossos. Se movendo até o cerne do meu ser e então inundando minha alma. Algo em que posso me sustentar. Minha rede de apoio, meu alicerce.

Nunca me senti tão grata na vida.

— Eu acredito em você, Esther. — Kevin sentencia. — Você é a pessoa mais forte e maluca que conheço e se tem alguém capaz de vencer essa briga, esse alguém é você. E eu não seria seu irmão se não brigasse ao seu lado.

— E nós somos sua Legião. — Dana ressalta. — Seguiremos você aonde for preciso.

— E não temos o nome de Destruição a troco de nada — Carter suspira. — Carregamos esse título porque só entramos em campo para esmagar o oponente.

Aperto meus dedos ao redor da mão de Khalled, a emoção e a ansiedade me martelando por dentro.

— Vamos destruir, então.

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