• CAPÍTULO 17: A Boca do Diabo

   Adam passou a noite na casa de Hobs, a modesta residência branca na Rua das Corujas, no sul de Axel.

   Seu braço esquerdo estava enfaixado, usava uma espécie de tipóia feita amadoramente por Harvey na noite anterior.

   Quando se levantou, sentiu uma fisgada na perna que havia sido puxada, mas ergueu-se calmamente naquele quarto caramelo. Era muito pequeno e ele não sabia onde estava, não havia muitas coisas no cômodo, alguns entulhos aqui, duas cadeiras e uma mesa de madeira à sua direita.

   — Bom dia, amigo. - Hobs passava e viu Adam se levantando, segurava uma caneca com café. Era cedo.

   Adam caiu de novo na cama, ainda perguntando onde estava. Hobs explicou e só assim Adam se recordou do que havia acontecido. Tentou se levantar, mas Hobs deixou a caneca num móvel e segurou Adam, não o deixando sair.

   — Preciso ir. - disse Adam enquanto se levantava.

   — Não pode sair. Não nesse estado.

   Hobs fechou a porta do quarto e foi para a sala, deixando Adam deitado na cama novamente.

   Sentou-se na poltrona vermelha, frente à televisão enquanto terminava seu café, mas se levantou novamente quando seu telefone verde tocou na parede pintada de amarelo.

   Hobs atendeu enquanto lia alguns manuscritos breves que ficavam na mesa da sala.

   — Will?

   O xerife do outro lado da linha queria saber como Adam estava. Hobs disse que aparentava estar bem, exceto pelo braço e que mentalmente, não sabia como era seu estado.

   Hobs aproveitou para perguntar onde estava o detetive, Will disse que ele estava a quase quatro horas no quintal de trás, mexendo em entulhos como latas de desodorante, velas e até mesmo uma caixa de fogos de artifício.

   Hobs havia comentado que Paul foi embora ontem à noite, apenas ajudou a colocar Adam na cama. Will desligou o telefone em seguida e Hobs largou os manuscritos que estavam em suas mãos.

   Will estava com um tom estranho - pensou o policial, que logo em seguida foi tomar um banho.

   Adam se levantou sozinho e foi até a cozinha, teve dificuldades em colocar água num copo e logo depois que retornou, reparou que sua Glock não estava com ele. Teve de esperar Hobs sair do banho, assim esperando o barulho do chuveiro terminar.

   — Onde vocês colocaram? - Hobs ainda estava sem blusa, apenas com uma calça jeans e passando desodorante.

   — Fala da pistola? Fica tranquilo, só a guardei.

   O som da campainha tocou, Hobs estranhou, não estava esperando ninguém, mas foi atender, demorou um pouco pois colocou uma camiseta branca para não parecer esquisito.

   Jason estava esperando na porta, com uma camisa do San Francisco 49ers e com os óculos escuros.

   — O que você faz aqui?

— Bom dia, senhor policial. Tive que bater em quase dez casas até encontrar a sua. - disse ele. — O Adam está aí?

   Hobs abriu o resto da porta, permitindo que Jason entrasse. Hobs estava na porta de seu quarto.

   — Eu vou ver o xerife. Aproveita e vira babá dele agora.

    Hobs pegou o distintivo e sua pistola, apenas isso e saiu pela porta de qualquer jeito.

   Jason passou o resto da tarde com Adam, foi o suficiente para verem que por mais distintos que fossem ainda tinham algo em comum.

   Hobs chegou à casa de Will um pouco depois da hora do almoço e o xerife estava fumando um cigarro sentado do lado de fora.

   — Como está ele?

   — É aquilo, xerife. Ele me parece bem, exceto pelo braço. Mas sua cabeça deve estar explodido, acredito eu.

   Will passou um cigarro para Hobs, mas ele recusou, não fumava.

   — E aí, o que pretende fazer?

   — O que um xerife tem que fazer. - disse.

   — Vai prender essa coisa?

   — Não. Vou matá-la. Acho que chegou a hora de dar um fim nas mortes de inocentes nessa cidade.

   Hobs e Will eram muito amigos, quase irmãos. O policial acariciou o ombro do xerife. Você não precisa fazer isso sozinho, pensou ele.

   — Cadê o Harvey?

   — Ainda mexendo com tralhas.

   — Vou cumprimentá-lo. - Hobs se levantou e quando passava pela porta, Will o parou com a voz.

   — Hobs, hoje à noite. Eu espero que aquilo já não esteja entre nós.

   Hobs se virou, franzindo a testa.

   — Como assim, Will?

   — Vou caçá-lo como um animal quando o sol se for.

   — Você sabe que não precisa fazer isso sem a gente.

   — Não, Hobs. É o meu dever.

   Will refletia enquanto fumava observando o sol quente daquela tarde.

   A alguns quilômetros dali, Calvin, Bonnie, Kaden e Steve passaram seus dias dormindo até tarde. Não sabiam o que pensar, o que fazer ou qual ação tomar. Dependendo do que Will e os mais velhos fossem fazer a partir daquele momento.

   Hobs foi até o espaço que havia atrás da casa. Harvey estava sentado e havia muitas tranqueiras à sua volta, mas ele estava feliz, parecia se divertir com aquelas coisas. Disse ao policial que eram importantes, mas Hobs deu de ombros, sabia que Harvey era uma pessoa um tanto quanto perturbada - pelo menos essa a era impressão quase todos tinham.

   Quando voltou pelo corredor que levava à sala, Will já estava dentro de casa, em seu quarto, com as luzes apagadas e no escuro. Estava olhando uma foto de seu aniversário abraçado a seu pai. Sua metralhadora estava sobre a cama. Ele o deixou sozinho, em seu momento.

   Voltando para a casa, não encontrou Jason e nem Adam. Abriu todas as portas, chamou seus nomes em voz alta, mas ficou sem respostas. Haviam saído, sabe-se lá para onde. Foi até a cozinha e tirou uma lata de cerveja da geladeira e alguns amendoins, deitando-se na sala para assistir à programação daquele dia.

   Embora seus olhos estivessem focados na imagem, seu pensamento ainda estava no xerife.

   E Will tramava algo. As horas haviam passado, já eram quase dezessete horas. Harvey já terminara de fazer gambiarras no fundo de casa e Will vestia sua farda. Por baixo, um colete. Colocou seu revólver na cintura, jogou a Thompson dentro do carro, ajeitou o chapéu em sua cabeça, prendeu o distintivo de xerife acendeu mais um cigarro.

   — Não vou deixar que vá sozinho.

   Harvey já estava colocando seu sobretudo verde, mas sem o chapéu preto desta vez.

   — Você não me deixa em paz, não é? - respondeu com um sorriso no canto da boca.

   Harvey estava maior naquele dia, guardava consigo algumas tralhas na roupa. Cada espaço de sua vestimenta tinha algo.

   Will e Harvey entraram no carro.

   — Por que não chama os outros dois?

   — Não quero envolvê-los mais nisso.

   — Nossa, você não acha engraçado o fato da sua arma ser o mesmo do seu sobrenome? - Harvey era meio tresloucado, fazia perguntas e comentários desconexos e fora de contexto, mas Will já havia se acostumado, inclusive, já estava gostando da amizade que havia feito com o detetive. Eles riram juntos logo depois da pergunta.

   A viagem passou rápida, Harvey e Will conversaram sobre suas vidas. Harvey havia falado sobre seu ajudante pela primeira vez, o senhor Mei-Lin. Will achou engraçado ele ter um asiático como assistente, já que o detetive era tão esperto.

   — Por que não me conta algo que não sei? - perguntou Harvey.

   Harvey achou melhor não, relutou, mas decidiu entrar na brincadeira.

   — Tudo bem, vamos lá. - disse ele. — Eu já fui casado.

   Harvey aparentou surpresa, mas já sabia disso. Não por ter estudado a vida do xerife ou algo do tipo, mas por ter visto uma aliança antiga sendo guardada às sete chaves por Will. Também havia visto um brinquedo - uma boneca, para ser específico - cor de rosa, bem suja e gasta, no quarto de Will. Mas ele preferiu não comentar sobre.

   — Ótimo. Eu não tiro as luvas por ter problemas nas mãos.

   — Que tipo de problemas? - perguntou rindo.

   — Problemas, sabe. Problemas de pele, esse tipo de coisa.

   Will pediu para ver, mas Harvey disse que ele não gostaria de verdade.

   O xerife parou o carro em seguida, estava na rua Blatty Callary, onde Calvin morava.

   — Acho que já chegou a hora nos separarmos, Harv. - A relação entre os dois já estava tão estreita, que chamar Harvey carinhosamente de Harv pela primeira vez, foi à certeza de que o detetive havia ganhado seu primeiro amigo em muitos anos - sem contar a dupla camarada de policiais.

   — Tem certeza disso?

   — Sim. Não deixe que as crianças venham atrás. Vou dar um fim nisso.

   Harvey sentiu verdade nas palavras, mas também havia medo. Aquilo soou como uma despedida, mas Harvey não deixaria que terminasse assim.

   Os dois apertaram suas mãos firmemente e Harvey desceu do carro.

   Assim que saiu, Will deu partida e sumiu pela estrada asfaltada.

   Harvey caminhou solitariamente com as mãos nos bolsos, temendo o que poderia acontecer, mas ele também tinha sua carta na manga. Ele sabia como contornar a situação e faria o que fosse preciso para evitar uma nova tragédia.

   O detetive analisou cada casa, até encontrar a dos Smith's. Quando bateu na porta, o pai de Calvin atendeu, estava segurando um panfleto e na outra mão havia um jornal. O sr. Smith olhou do pé à cabeça de Harvey, achou a vestimenta deveras estranhas - e era.

   — O Calvin está?

   — O que quer com o meu filho?

   — Assunto sigiloso.

   O senhor já estava fechando a porta, ignorando. Mas Calvin escutou a voz de Harvey e veio descendo a escada com pressa.

   — Espera! - gritou ele.

   Os dois foram ao lado de fora da casa e Harvey explicou a situação.Pediu ajuda a Calvin, que voltou para dentro de casa junto com o detetive. O garoto queria o telefone, mas sua mãe estava conversando, então, subiu para seu quarto com Harvey - que passou de costas para a sr. Smith, para que ela não visse seu bastão acoplado às costas do sobretudo - chegando, Calvin usou seu walkie-talkie.

   — Alerta vermelho! Alerta vermelho! Câmbio.

   Do outro lado, quem atendeu foi Bonnie.

   — Bonnie falando. O que aconteceu? Câmbio.

   — Chame os outros e venham para cá. Urgente! Câmbio, desligo.

   Calvin havia passado a mensagem. Para os garotos, o alerta vermelho era o nível mais alto de periculosidade que alguém estava. Eles entenderam. Era hora de usarem todas as suas armas.

   Smith trocou o calçado, vestiu um casaco vermelho e colocou uma faixa na cabeça. Puxou seu estilingue e ambos desceram novamente para fora de casa.

   — Pai, mãe. Volto em breve.

   Logo depois, Kaden, Bonnie e Steve chegaram em suas bicicletas.

   — O que houve? - perguntou afoito Steve.

   — O xerife vai caçar aquela coisa.

   — Espera, você tá usando uma camisa de Purple Rain? - Harvey achou o fato um tanto quanto curioso. — Você sabe que o Michael Jackson é melhor, não sabe?

   Kaden também carregava um estilingue, Bonnie segurava um taco de baseball e Steve tinha uma longa corrente - aparentemente muito resistente - em suas duas mãos.

   — Merda! Esqueci dos outros dois! - exclamou Harvey com as mãos para cima. — Calvin, liga para a delegacia, pede para quem estiver lá, o número dos policias Hobs e Paul.

   Calvin foi e voltou em alguns minutos. Havia falado com Blanche e conseguido os números da dupla. Pelo telefone - que sua mãe finalmente havia largado - deu o recado: encontrem-nos na floresta, ao oeste.

   As crianças estavam com suas bicicletas e Harvey a pé.

   — Conseguimos mais dois reforços. Temos que acelerar, já vai escurecer.

   — Então são quatro! - quando o grupo virou-se, o conversível vermelho de Jason estava parado, com Harris no volante e seu topete ao vento e com Adam no carona.

   — Vamos, detetive. Vamos salvar o xerife. - Harvey acenou positivamente para as crianças, que pedalaram em direção a floresta. O trio saiu em velocidade no possante vermelho.

   — Como sabiam que eu estava aqui?

   — A gente viu você e o xerife no carro pouco tempo atrás e aproveitamos para segui-los. - respondeu Adam, que ainda estava com uma tipóia no braço.

   Jason aparentemente não estava armado, mas Adam estava com a Glock numa das mãos.

   Do outro lado, Will subia as encostas dos morros e caminhava pelo emaranhado de árvores que o cercava.

   Caminhava em busca do inimigo que vivia nas sombras. O ar ambulante, os passos sobre as intempéries da floresta.

   O xerife acendia seu último cigarro enquanto a fumaça se juntava ao frio da noite em sua jornada.

   Sua metralhadora enrolada, o revólver na cintura, o colete que o deixava mais robusto por baixo da farda. Seu olhar mais frígido que o normal. Era o destino.

   Will caminhava morro acima. Sereno, sob a luz da lua que estampava o céu.

   Tudo acaba hoje, pensou ele enquanto continuava seu trajeto.

   Não seguia para o meio da floresta ou das árvores. Se quisesse sucesso, teria que usar como terreno, algo aberto. Era o que ele pensava, um campo aberto e com visão para o inimigo que não pudesse fugir para as sombras, sua principal aliada.

   A pedreira, um quase penhasco ou algo similar a um desfiladeiro. Título recebido por antigos trabalhadores que por ali passavam, a Boca. Seria o mais plausível para colocar o plano em prática.

   Um plano mais calcado na realidade e na lógica. Will calculou exatamente como queria. O lugar mais isolado possível, ninguém jamais perceberia algo.

   No topo, Will sabia que aquilo viria atrás dele e não demorou muito. Sob a lua que descansava em cima de sua cabeça. Os primeiros arbustos se mexendo, as árvores em movimento.

   Will com sua metralhadora em punho. Ele só pensava em ver o rosto do que havia levado seu pai e tantos outros. Ele jamais se esqueceu.

   A visão que teve foi mais clara que a que Adam pôde ter na noite passada. Os detalhes naquela criatura eram o puro terror que Will jamais havia visto.

   A cabeça pontiaguda, escura e deformada. A boca larga e fechada babando, os três tentáculos que escorriam da cabeça e as garras prodigiosas nas patas superiores e inferiores. Aquilo saia por entre os galhos, ficando ainda mais visível à luz que descia pelos céus.

   Era homem e criatura. Lado a lado.

   Will não hesitou. Engoliu um seco e descarregou o pente por completo. As balas estouravam naquelas coisa viscosa, que caiu se debatendo por entre as árvores. Will achou que havia vencido.

   Caminhando em direção à mata, sua arma foi arremessada quando foi empurrado por baixo. Seu corpo rolou.

   Abaixo deles, Harvey subia junto aos dois adolescentes e as crianças. Paul e Hobs ainda não haviam chegado.

   Will estava caído, longe de sua arma. Aquela coisa foi se erguendo, se aproximando. Ficaram a centímetros de distância.

   Pela primeira vez, alguém estava tão próximo àquilo. Mais até que Adam no dia anterior. O xerife viu cada detalhe. Era o horror latente perpetuado numa criação surreal.

   Não havia olhos naquilo, estavam fechados, grudados. Não foi dessa vez que ele pôde olhar olho no olho do que havia matado seu pai.

   Ele achou que fosse morrer, tamanha a curta distância entre os dois. Em tantos anos de vida policial, Will nunca havia visto a morte tão de perto e prestes a acontecer sem poder fazer nada.

   Quando algo pipocou sobre o peito viscoso, os três estouros a fizeram recuar voltando para trás. Will salvo, pôde voltar seu olhar para trás.

   Era Harvey e suas malditas bugigangas. Arremessando bombas caseiras e dando tempo de Will se reerguer.

   — Achou mesmo que eu deixaria você se matar?

   — Mas eu não estava mentindo quando falei aquelas coisas.

   — Mas estava com medo. Foi o suficiente para que eu fizesse algo.

   Atrás deles, surgiram as quatro crianças e Jason e Adam, que haviam se tornado amigos do dia para a noite, literalmente.

   Will se comoveu. Sensível.

   — Está com os olhos fechados. - contou Will.

   — Atua com o olfato, então. - analisou Harvey. — Vamos acabar com isso, pessoal.

   Uma forte neblina pairou sobre eles. Ficaram sem reação, exceto Harvey.

   — Fiquem atentos. É um mecanismo de defesa. - salientou.

   Todos se posicionaram, Will recuperou sua metralhadora.

   — Segurem. - Harvey arremessou uma espécie de óculos. Não eram tecnológicos, mas tinha o necessário para serem considerados óculos de visão noturna. Amadores, pode-se dizer.

   — É isso que você fica fazendo então? — Sim, xerife. E se não fosse pelas minhas gambiarras vocês já estariam mortos.

   Era um produto definitivamente simples e pobre. Prateado com detalhes em preto, mas o suficiente para ajudá-los.

   Will e Harvey ficaram colados, as crianças se juntaram como um quarteto e Adam e Jason ficaram de costas um para o outro, protegendo ambos. Maktub.

   O primeiro tentáculo veio nos rapazes e Jason fatiou como se fosse uma carne. - Ele segurava um facão, um facão Korpis, para ser exato. Guardado no porta-mala de seu carro. — Meu pai vai me matar quando ver isso. - A lâmina ficou coberta de sangue verde.

   — Estão enxergando? - perguntou Harvey. - O grupo concordou. Ficaram à espera de um próximo ataque.

   Por baixo. Kaden foi puxado e levado. O restante dos garotos gritou.

   Tratava-se, evidentemente, de outro tentáculo.

   — Não enxergo eles. - disse Will.

   — Vai se dissipar. - gritou Harvey, enquanto a neblina diminuía. A visão, aberta, era a de Kaden sendo arrastado.

   O primeiro a ver foi Adam, mas seus tiros de Glock não surtiram efeito. Calvin arremessou pedras com o estilingue, mas a ricocheteava. Bonnie disparou em direção a eles, rebateu com seu bastão, mas foi jogado longe pela criatura.

   Harvey abriu sua artilharia mais uma vez. Uma lata de desodorante, uma gambiarra com fogo. Era um lança-chamas caseiro.

   Aquele espirro abriu uma quantidade de fogo em cima do inimigo, fazendo com que Kaden conseguisse fugir, mas ele havia perdido seu estilingue.

   — Medo do fogo. - Harvey reparou nisso.

   — Use mais! - pediu Will.

   — Não tenho espaço na roupa para mais de um. - Harvey havia gastado o único.

   Harvey puxou de um dos bolsos outro estilingue. Um menor, mas mais potente. Uma haste segurava-o no meio e os arremessos eram bem mais velozes e fortes. Jogou direto nas mãos de Kaden, que era o mais habilidoso com aquele tipo de arma.

   — É fácil de usar. - disse em meio à confusão.

   — Qual é o ponto fraco dessa coisa? - Will falou bem alto para que todos pudessem ouvir sua pergunta, mas ninguém tinha ideia. Adam sugeriu que decepassem os três tentáculos e o restante concordou. Era uma possibilidade a ser testada.

   — É como em jogos. – Podemos arriscar. – disse Steve.

   — Como vamos chegar tão perto? — Não sei, xerife. Sinceramente.

   Calvin estava no chão com Bonnie, Steve havia se recuperado e estava utilizando o novo estilingue, golpeando sem parar. Adam disparava de Glock, mesmo sem êxito. Jason rodava o facão e pensava consigo mesmo. — Eu nasci para fazer isso. - Harvey pensava e pensava.

   Steve deu a deixa. Arremessou as correntes no torso, Calvin percebeu. A chance era agora. Ele correu pela direita, segurou a corrente e Bonnie veio ajudar. Os três prenderam o demônio.

   Will disparou sua metralhadora sem parar. Era o caminho pavimentado para a vitória.

   Atrás da criatura, o profundo penhasco. Já haviam mudado de posição dentro da neblina passada.

   Paul e Hobs apareceram dentre os arbustos. O tiro fino da MP5 de Paul e os disparos da Spectre de Hobs trouxeram ainda mais dano aquilo.

   — Finalmente, homens! – exclamou Harvey.

   Eles demoraram a chegar, mas com o som de disparos no local, puderam se localizar.

   A dupla correu e também seguraram as correntes para dar uma força as crianças. Era chegada à hora.

   Faziam um esforço máximo para segurarem aquilo. Os tentáculos estavam amassados pelas correntes.

   Aquela boca enorme se abriu, a arcada terrível colocou medo em todos. Um urro em meio às correntes tentando se libertar. O tentáculo da esquerda foi solto. Puxando Jason, que ficou cara a cara com aqueles dentes esfomeados.

   Mas Harvey era um gênio. Era inegável. Com a mão direita, puxou seu bastão que tanto usara para andar. Estava com um pacote roxo e amarelo na frente. — Will, o isqueiro! - pediu e recebeu. Acendeu e arremessou.

   Foi um estouro colorido, fogos de artifício usados como arma letal. Sangue verde pingou em cima de Jason e ele estava livre. Livre e solto, usou o cérebro mais que em todas as aulas de matemática naquele ano - aproveitou o momento e eliminou um dos tentáculos. Menos um e mais um passo dado.

   — O que mais você tem para nos mostrar, Harv?

    — Nada, xerife. Agora acabou.

   Todos agarraram aquelas correntes como se fossem suas vidas. Steve fez mais força que qualquer super-herói de quadrinho que ele gostava.

   Aquilo prensava, pressionava. O sangue verde jorrou mais uma vez, um dos tentáculos foi estourado. Só restava o do meio. Era chegada à hora.

   Alguém precisaria largar a corrente novamente e cortar o último. Alguém teria de se arriscar e essa pessoa foi Adam. Em nome de Shiro.

   Adam pegou o taco de Bonnie do chão e correu reto como se não houvesse amanhã.

   Shelton não fez o combinado. Seu grupo em sua volta gritava. — Corta. - A palavra foi repetida várias vezes, mas ele não ouvia. Tomado por vingança. Espancou a cabeça daquilo sem parar, socava o taco como uma marreta. Ficou coberto de gosma verde.

   A corrente, afrouxando. O tentáculo se soltou.

   Pânico. Will soltou a corrente de vez, atirou sem parar, mas não surtiu efeito. Era a hora de Adam partir, foi o que todos pensaram, mas só Will Thompson tentou mudar.

   Will foi em direção aos dois, empurrou Adam para longe. O salvou, mas agora estava em risco eminente.

   A boca imponente se abriu mais uma vez, Will viu tudo. Viu tudo que aquelas outras pessoas haviam visto antes de partirem. Ele seguiria o mesmo caminho, pensou naquele filme que passou em sua cabeça.

   Quando aqueles dentes se fecharam em cima de seus ombros, a baba escorria e sua camisa ficava manchada pela cor vermelha. Mas o xerife de Axel não deixa barato. Seu rosto corado, aquela força brutal, veias saltando de sua testa. Will rasgava o terceiro tentáculo com os punhos. Era o Homem, frente ao demônio enraizado na floresta. A criatura despencou penhasco abaixo, era o fim. Vitória, em que pese dor e sofrimento pela circunstância. 

   Ao se soltar, só houve o tempo de se virar e fitar todos os seus amigos com os olhos. Aparentava estar feliz, satisfeito em seus últimos momentos, e vagarosamente teve o mesmo caminho que o inimigo.

   As crianças levavam às mãos a cabeça. Paul e Hobs choravam. Jason não sabia o que fazer, Adam sentia-se culpado. Harvey ficou estático, olhando no olho de Will uma última vez. Seus olhos ficaram marejados, vendo Will ir para trás, caindo penhasco abaixo. Era o fim da batalha. A vitória – ou derrota – mais dolorosa que haviam passado.

   O Grupo Baker foi urgentemente chamado para tratar do assunto, fazendo uma isolação completa da área e iniciando as buscas por todos os espaços.

   Três dias depois uma das equipes de busca anunciou que havia encontrado um corpo na margem do rio.

   Médicos legistas e o restante da equipe médica contratada pelo G&B comunicaram que o corpo pertencia a Will Thompson. O xerife foi declarado morto horas depois que Max Hargrove visitou o corpo, dando o veredicto final sobre a identidade da vítima.

   O funeral foi programado para o dia seguinte, onde amigos puderam presenciar e se despedir uma última vez do policial. Harvey não estava presente.

   O prefeito Hargrove voltou a subir nas pesquisas usando a imagem do xerife e o trabalho conjunto, voltando a cair nas graças da população e tendo a reeleição mais próxima.

   Axel jamais seria a mesma, um novo xerife seria selecionado pela prefeitura e aquelas crianças teriam de viver suas vidas como se nada tivesse acontecido naqueles episódios. 

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