• CAPÍTULO 09: O Detetive-Colaborador

   Era fim da manhã quando o prefeito Max estava sentado em seu gabinete, em sua cadeira de couro, com seus óculos cor de caramelo, em uma grande tranquilidade. Atrás, as janelas estavam fechadas e haviam alguns documentos importantes jogados em cima de um móvel caríssimo que vinha da Itália.

   — Pode falar, Gilbert! - o telefone tocou, era Gilbert Bing do outro lado, um rapaz muito espirituoso que ajudava Max em muitas situações na prefeitura.

   Gilbert havia ligado para notificar Max do falecimento dos fazendeiros Montgomery e Sullivan.

   — Isso significa que terei de abrir o caso novamente, não é? - disse o prefeito. — Os jornalistas vão cair em cima de mim. – completou.

   Max teve de pensar em uma solução urgente para dar uma resposta aos cidadãos de Axel.

   Logo mais, desceu a escadaria, a prefeitura estava cheia naquele dia, passou por cada funcionário - que ele nem lembrava o nome - e foi direto a porta da frente para pegar os jornais do dia.

   — Por Deus, o que está acontecendo aqui... – disse em voz baixa.

   Todos os jornais destacavam a morte de Sullivan e Montgomery, em maior número para o primeiro, num crime sem compaixão e brutal.

   — É a maior atrocidade que já vi. - disse um rapaz de terno branco.

   — Nossa cidade nunca vivenciou isso. É uma atrocidade atrás da outra. - disse um faxineiro.

   — Prefeito, me perdoe... As investigações serão reabertas? - perguntou um novato que acabara de ser aceito num baixo cargo.

   — É... Creio que sim. Volte a trabalhar. - Max respondeu com um pesar visível e assim subiu novamente para seu gabinete chique.

   Chegando lá, jogou os jornais numa das cadeiras e ligou a televisão, direto num dos jornais locais.

   Logo no canal principal, o garboso jornalista anunciava: Mais dois assassinatos chocam população de Axel; no rodapé: Alerta vermelho: Axel corre perigo.

   Quando trocou de canal, outra manchete assustadora: Quem está por trás dos recentes crimes que abalam a pacata Axel? Um serial-killer? Um monstro tirado das mais sombrias páginas de livros de ficção?

   — Que imaginação fértil a desses lunáticos. – comentou indignado ao desligar a televisão logo em seguida. — Chega dessas baboseiras.

   Max abriu uma das gavetas e retirou uma pistola M1911, .45 e a colocou no bolso. Estava visivelmente preocupado.

   Puxou novamente o telefone e discou para Gilbert mais uma vez.

   — Gilbert, sou eu. – iniciou. — Preciso daquela lista, em que gaveta você colocou desde a última vez que a pegou?

   Max desligou o telefone quando recebeu a resposta e abriu todas as gavetas, uma por uma. — O idiota limpa e não sabe nem em que lugar guarda os papéis - resmungou.

   Quando se deu conta, já havia achado o que queria. Era uma lista grossa, cinza e com a capa já rasgada, não dava nem para ler o título.

   Foram mais de dez ligações, a maioria descartada por ele próprio e uma ou duas que não foram atendidas.

   Logo depois, ligou para Will, o convidando para jantar. O xerife relutou em aceitar, já que estava controverso com as atitudes de Max, mas acabou por aceitar o convite.

   Os dois se encontraram no centro de Axel, no restaurante francês de Jacques Joaux, um local muito pequeno, mas aconchegante e com música boa. O preço era relativamente alto e a clientela era de classe alta.

   Max estava vestindo um terno elegante e caro, era o prefeito e ser bem visto era necessário para sua imagem.

   Por sua vez, Will não abdicou da farda de xerife. Só acrescentou um óculos redondo e escuro para a ocasião.

   Os dois sentaram-se à mesa mais distante que havia, tinham pelo menos oito mesas e havia uma banda tocando músicas próprias.

   — Custava você estar arrumado? - reclamou Max. -— O que tem? Isso não é um encontro, não preciso ficar bonito. Aliás, minha farda é muito mais imponente que seu terno de quinhentos dólares.

   Os ricos do local se sentiam agraciados com a presença do prefeito, mas a diferença de tratamento era clara quando os menos afortunados passavam pelas janelas de vidro e encaravam Max.

   — É capaz de jantarem você se sair agora. - brincou o xerife enquanto tirava o chapéu.

   — Ah, cowboy... - comentou. — Não sabe como é difícil comandar uma cidade.

   — E nem quero. Já me basta ser o xerife dela.

   Max sorriu.

   — Vamos ao que interessa. Me chamou aqui porque a sua casa está caindo. Viu nos jornais a situação, não é?

   O garçom chegava com uma garrafa de água para o xerife e um Petit Gâteau para Max.

   — Óbvio. O que você acha que aconteceu?

   — Não sei, ainda não investiguei o caso, visto que alguém encerrou o primeiro caso e consequentemente os outros dois também serão.

   — Ah, não seja tão rude, Will.

   — O Sullivan ficou sem uma perna. Dilacerado pelo peito e o Montgomery se suicidou no mesmo dia.

   — Alguma ligação entre os dois?

   — Só que são fazendeiros como o meu pai também era.

   — Ora, um maníaco psicopata assassino de fazendeiros? Acho que o serviço acabou. - em relação à só terem três fazendeiros na cidade.

   — Não é ele. A pergunta é justamente outra. O que é, como é e por que fez isso.

   — Como assim?

   — Não tinha como uma pessoa arrancar a perna do Sullivan daquele jeito. Você não viu.

   — Melhor, mando algum repórter colocar que foi um urso, compro duas ou três pessoas, eles reproduzem a mentira e voilà, caso encerrado. Cidade em paz.

   — Se me chamou para zoar com a minha cara, não vai funcionar.

   — Que seriedade, Will.

   — Meu pai morreu não tem nem duas semanas, Max.

   — Ok, o que quer eu faça?

   — Abra as investigações, mande a população ficar em casa. Tranquem tudo e deixe o caso comigo.

   — Quer que eu instaure uma quarentena? Você é maluco, seu idiota?

   — É por alguns dias.

   — Sem chance. A cidade quebra e eu não consigo a reeleição. - o lado político afetava na maioria de suas decisões.

   — Abre uma exceção, pelo amor de Deus.

   — Tem outro jeito de ajudar nisso. - disse com um sorriso debochado no rosto. — Consigo algumas outras armas, uma ajuda aqui e ali, você sabe.

   — Arma dos Baker? Não trabalho com eles.

   — Agora é você quem tem que abrir uma exceção.

   — Tudo bem, tudo bem. Eu topo.

   — Consigo armamento chegando amanhã no fim da manhã. - o prazo estava estabelecido. — Tem mais uma coisa.

   — Desembucha.

   — Conheço um cara que vai querer te ajudar.

   — Não terceirizo meu trabalho com mais ninguém. É eu, Hobs e Paul.

   — Me ajuda a te ajudar, cowboy...

   — Qual é a do sujeito?

   — Ele vai chegar logo amanhã ao anoitecer. - Max aparentava gozar muito da situação e da pessoa em questão.

   — E como sabe com tanta certeza que esse cara vai dar positivo para o caso?

   — Ah, meu amigo... Você não faz ideia do tipo de pessoa que estou falando.

   Will ficou muito ressabiado, mas entendeu.

   — Você não vai comer nada?

   — Não. A água me basta.

   Will saiu primeiro, foi direto para casa e Max saiu em seguida, uns cinco minutos depois.

   O prefeito saiu ainda sendo encarado por algumas pessoas na rua, mas entrou no seu Puma GTB cor metalizada e foi embora para seu gabinete, ainda precisava de um número específico.

   Já estava escuro e não havia mais ninguém. Ele foi direto para sua sala e voltou a abrir aquela lista, pegou o ducentésimo vigésimo primeiro número da lista e anotou num pedaço de papel que estava em seu bolso.

   Logo, voltou para seu carro e foi para casa, trancando a prefeitura.

   No caminho, foi rindo a toa, já imaginando uma futura dupla entre Will e a pessoa daquele número que ele havia anotado.

   Quando chegou em casa, sua esposa já estava dormindo e seu casal de filhos também.

   Passou pela grande porta de vidro sem fazer barulho, não tocou nada e foi direto para a cozinha, onde ficava o telefone dourado. Acendeu o abajur que ali ficava e discou para a pessoa.

   — Atende, atende... Vamos lá. - dizia repetidamente. — Não tem como você estar dormindo.

   Um homem falando bem baixo atendeu o telefone. — Hargrove? O que quer? - dizia bem baixo.

— Me desculpe, não queria acordá-lo.

   — Não, não é isso. Ele não está dormindo, está resolvendo um problemão. - disse o rapaz. Ao fundo, ouviu-se um grito de "Eureka!" e Max logo se atentou.

   — Acho que entendi.

   — O senhor quer solicitar a ajuda dele, não é?

   — Sim, vocês já devem ter visto o noticiário.

   — Não, não. Ele nem assiste televisão. Gosta de ler os jornais, mas ultimamente esteve ocupado e sequer leu. Eu falei para ele ontem.

   — E ele se interessou?

   — Você não sabe o quanto.

   O rapaz que estava ao telefone era o senhor Mei-Lin, um asiático muito modesto, provavelmente chinês.

   — Ele consegue chegar amanhã à noite? - disse Max. — Estou com pressa.

   — Ele inclusive já fez as malas. - Mei-Lin se mostrou animado. — Quando o relógio marcar sete horas, ele já vai estar em Axel, não tenha dúvidas disso, senhor prefeito!

   Posteriormente, Max telefonou para outro número, dessa vez, para Illinóis e mesmo sendo tarde, havia alguns funcionários na sede do Grupo Baker.

   Um homem de voz rouca atendeu-o imediatamente. — Quem fala? - disse.

   — Max Hargrove, o prefeito. Vocês me conhecem. - respondeu. — Código zero quatro, primeiro nível de solicitação. Amanhã cedo. Seja lá o que significava aquele código, o homem do outro lado da linha entendeu.

   — Tudo bem. Será providenciado.

   Max respirou fundo. A autossatisfação era evidente no seu rosto.

   — Agora é só aguardar. - falou sozinho enquanto pegava uma garrafa de Whisky.

   A carga - combinada - sairia de Iowa já naquela noite, chegando na parte da manhã. Por mais que a sede ficasse agora em Illinóis, haviam pontos estratégicos em outras localidades como propriamente dito em Iowa para casos específicos.

   Quando o dia amanheceu, já um pouco distante da residência do prefeito, um Dodge Monaco na cor preta estava estacionado frente a prefeitura. O carro, fabricado provavelmente no fim da década de setenta, estava intacto.

   O carro cumprido era negro, pintura brilhosa, pára-brisas belíssimos e havia dois homens no interior dele. Ambos vestidos com um terno escuro e com óculos da mesma cor. Um careca, alto e forte, outro nem tanto, de cabelo grosso e um corte no lábio.

   A dupla saiu do veículo por volta das oito horas. Ambos carregavam duas maletas, uma em cada mão, sem nenhum detalhe, apenas com a sigla G&B entrelaçada no centro.

   Hobs e Paul estavam chegando naquele momento e pararam os homens.

   — Perdão, senhores, vocês estão esperando alguém? - os dois sujeitos estranhos haviam parado frente à porta principal da delegacia.

   O careca, mais alto, colocou as duas maletas no chão. — É para Will Thompson. - era um homem deveras mal-encarado.

   — Ele não está. Deve chegar mais tarde, peço que se retirem. - pediu encarecidamente Hobs.

   — Tranquilo, tranquilo. - Will chegou com o carro, deixando-o em sua vaga. - Quando o xerife saiu do carro, Hobs e Paul abriram espaço para passar, parando frente aos dois homens.

   Assim, o segundo também colocou suas maletas na calçada, ao lado de seus pés. Elas eram realmente grandes e bonitas, não tinha como adivinhar o conteúdo, se seria droga, arma, dinheiro ou qualquer outra coisa.

   — Entrega por Max Hargrove.

   Will balançou a cabeça positivamente, até que os dois se retiraram, entrando no Dodge preto e indo embora. Paul e Hobs estranharam o nome do prefeito ser citado.

   — Que pessoal mais sem educação. - disse Paul, de cara fechada. — O que tem aí, xerife?

   — Vamos entrar, rapazes.

   O trio foi direto para a sala e logo depois a secretária havia chegado. — Bom dia, meninos.

   Will e os dois acenaram à ela por uma das janelas que dividiam a sala.

   — Vamos abrir? — Calma, apressadinho. - conversaram Hobs e Will.

   Will saiu da sala rapidamente. — Blanche, aqueles documentos chegaram?

   A secretária pediu um minuto e foi passando folha por folha dentro da gaveta, até chegar nos nomes de Bill Thompson e Stephen Sullivan. — Aqui, xerife. — Grato.

   Will voltou para sua sala, colocou os papéis sobre a mesa e jogou as quatro maletas atrás de sua mesa. — Isso vai ficar para depois.

   Logo chateou Hobs e Paul que estavam curiosos em ver o conteúdo das malas.

   — Separem essa papelada por ordem cronológica, por favor.

   Hobs e Paul fizeram o que Will pediu mesmo contrariados. Demorou quase duas horas para organizar toda a documentação e ficha dos dois.

   Will levou as malas para a sala escura, duas na primeira ida e as outras duas depois. Acendeu a luz que ficava na mesa centralizada na sala. Sentiu-se satisfeito. Elas ficaram uma ao lado da outra.

   Ele nem mesmo se deu o trabalho de abrir, lembrou-se de lembrar os amigos, assim voltando depois de horas para a sua sala.

   Hobs e Paul estavam cansados, mas atenderam o chamado de Will e foram à sala escura.

   — Vai, Paul. Você sempre reclama que fica no banco de trás e coisas do tipo. Escolhe uma. - Paul ficou ressabiado, mas optou pela terceira maleta da esquerda para a direita.

   Quando puxou, abrindo de baixo para cima, havia uma 9mm, oriunda da Alemanha. Pequena, preta e acessível. Era uma MP5. — Incrível. - disse ele. Logo, ergueu a arma para examiná-la.

   — Se parece muito com as que foram usadas na Operação Nimrod - uma famosa operação policial do início da década de oitenta — ele a sacudiu, olhando de perto.

   Era uma variante da comum MP5, uma MP5SD3, com silenciador embutido.

   — Xerife, de onde veio isso? — Devagar, Paul. Devagar. - respondeu. — Escolhe agora, Hobs.

   Hobs pegou a primeira maleta, também da direita para a esquerda, puxando o botão que a levantava.

   — Como brilha. - disse ele ao puxar o armamento.

   Uma Spectre M4, novíssima, direto daquele mesmo ano.

   — Isso vai ser brincadeira de criança.

   Por último, Will puxou a segunda, que ficava entre a de Paul e Hobs.

   — Surreal. - disse ele ao puxar uma Thompson da caixa. Um espetáculo de arma.

   — Xerife, como alguém tem essa arma? Isso é arma pesada, de gângster e mafioso. - de fato a comentário de Hobs era pertinente.

   — Não sei, Hobs. Realmente não sei. - enquanto acariciava e passava os dedos nos detalhes do seu novo xodó.

   Paul pegou de novo a última mala, havia munição nela. Muita munição, em abundância.

   — Esses caras são uns filhos da puta. - salientou o xerife, incrédulo com a quantidade de bala.

   — Já saquei. G&B na frente das maletas. Isso é do Grupo Baker. - observou Hobs. — Vai se juntar com esses caras?

   — Queria o quê, Hobs? Estamos com a corda no pescoço. Sabe-se lá quem matou meu pai e o Sullivan, não podemos enfrentar apenas com pistolas.

   — Relaxa, pessoal. Vamos dar uns tiros, tem um espaço vazio atrás da minha casa. - aparou a confusão. — Vamos lá, vamos nos divertir um pouco. - Hobs e Will se entenderam e saíram de carro, junto a Paul, que havia dado a ideia.

   Paul morava numa casa simples, no leste de Axel. Era um lugar espaçoso, uma casa com dois quartos lhe era bem útil e no segundo, dormia sem filho, Arnold, de seis anos.

   Atrás, havia um grande quintal, que levava direto a um terreno desocupado. Nele, Paul costumava atirar para treinar.

   O pequeno Arnold, bochechudo e com o nariz arredondado, veio correndo falar com os três. Queria conhecer os amigos que o pai tão falava.

   Anne, sua esposa, estava cozinhando e por isso não saiu para recebê-los, apenas acenando pelo vidro da janela com as mãos, com sua luva amarela de cozinha.

   — O moleque pode assistir? — É claro, só não pode querer ser policial como o pai. - o clima com os três era descontraído e passaram a tarde inteira atirando em garrafas, tocos e outros objetos. Ficaram praticamente até as sete horas da noite distribuindo bala e fazendo com que os animais corressem pelas árvores.

   Não havia nenhum vizinho por ali, então não havia tantos empecilhos para se preocupar com o som dos tiros.

   — Tá na minha hora, rapaziada. Eu vou indo. - Will colocou a Thompson e um dos pacotes com munição que havia separado no carro, enquanto Paul se despediu do xerife. Hobs dormiu na casa de Paul aquele dia, no quarto de Arnold, no chão.

   O dia passou rápido. Conteúdo não faltou e Will dirigiu até sua casa com muita tranquilidade e paz, mas estava cansado. Suado, sua testa escorria.

   — Espero que o amigo do Max não tenha chegado e nem chegue. - O xerife se mostrava cansado e receber uma visita naquele dia não seria de bom grado.

   A lua já sorria no céu escuro, passava-se das sete horas. Will estacionou o carro frente a sua casa e cumprimentou um velhote que parecia estar curtindo - mais ou menos - uma festa - ele viu pelo vidro e o velho acenava para ele. O pouco que restava do cabelo do velho era bem ralo, mas ele sorria de algum cômodo e festejava algo.

   Will passou a chave na porta e entrou. Tirou seu cinto, colocou o chapéu sobre a mesa escura que tinha na sala e jogou seus sapatos pretos para longe, assim esticando suas pernas cansadas e ligando a televisão.

   Finalmente o descanso. Recostou-se no seu sofá vermelho e puxou seu isqueiro para acender um cigarro, mas a campainha tocou na exata hora. — Ah, não vou atender. - reclamou em voz baixa. - A campainha tocou mais duas vezes e Will levantou indignado do sofá, sequer tinha acendido seu cigarro.

   Quando puxou a porta com força, era um homem de mais ou menos 1,85 de altura. Parecia saudável, aparentava ter uns 30 ou 35 anos, tinha uma pele muito clara e Will nunca havia visto aquele sujeito na vida.

   O que mais chamou sua atenção, era a vestimenta do rapaz. Utilizava-se um sobretudo verde musgo, uma calça preta e um chapéu da mesma cor. Nas suas mãos, luvas escuras e segurava um bastão, era muito semelhante a uma bengala - mas ele não aparentava ter dificuldade para andar - mesmo usando aquilo como apoio. Ele ainda carregava consigo uma mala bem grande na cor grená, que logo jogou dentro da casa.

   O desconjuntado apertou a mão de Will. — Boa noite, senhor. — Olha, perdão. Eu não tenho o que lhe oferecer, pode se retirar, por favor. - disse, embora tenha apertado cordialmente a mão do visitante.

   Will tentou bater a porta, mas o bastão o impediu, segurando a lateral da mesma.

   — É assim que você trata quem veio salvar sua cidade e o seu emprego? — Não, não. O senhor está me confundindo. Eu espero outra pessoa e nem sei se ela vem. Tenha uma boa noite.

   O desconhecido travou a porta e foi entrando, sem mais nem menos, como se a casa fosse sua.

   — Amigo, eu não deixei você entrar. Eu sou policial, sabia. Posso te prender... - Will se preparou para completar a frase, mas o rapaz sacou um cartão de um dos bolsos do roupão.

   — Você é Will Thompson, filho de Bill Thompson, assassinado a alguns dias atrás, amigo de Paul e Hobs, teve um conflito com o prefeito Hargrove recentemente e o mesmo solicitou que eu viesse ajudá-lo. Prazer, meu nome é Harvey, S. H. King. Seu Detetive-Colaborador.

   Era o enviado pelo prefeito para investigar o caso e auxiliar o xerife Will nas investigações.

   — Tá de sacanagem? - definitivamente era uma das pessoas mais alternativas que Will tinha visto. Completamente excêntrico, agitado, falava tão rápido que era difícil de entender algumas partes.

   O detetive retirou seu chapéu, colocando do lado do mesmo do xerife. Tirou um cachimbo e colocou na boca.

   — Acertou muito ou errou a maioria? - perguntou, fazendo um gesto de arma com as mãos.

   — Como assim?

   — Pólvora, tem pólvora na sua farda.

   — Eu poderia ter prendido um bandido, matado alguém. Como?

   — Ora, se você tivesse matado alguém ou prendido algum vagabundo, sua respiração e fisionomia já não seriam essa. E mais, cheguei na cidade tem algumas horas, Axel é pequena, se houvesse algum assassinato ou uma prisão rolando agora, eu teria escutado falar. Você provavelmente estava disparando em garrafas de plástico ou em tocos treinando sua mira.

   — Incrível. - até o cigarro do xerife caiu.

   — Eu ia falar que os dois amigos estavam com você, mas não quis impressionar tanto.

   Will bateu a porta da casa logo.

   — Você tem waffles? Eu adoro isso. - o detetive colocou seu bastão encostado na parede e foi para a cozinha, como se a casa pertencesse a ele.

   — Você pode pelo menos respeitar a minha casa?

   — Esquece os bens materiais, xerife. Isso tudo passa. Cadê os waffles?

   — Eu vou endoidar.

   Will pegou o telefone e discou direto para o prefeito. — Max, você tem algum parafuso a menos? Esse sujeito é completamente fora da realidade. Ele vive no mundo da lua. Você quer me sacanear?

   O que Will teve de ouvir do prefeito foi curto e grosso.

   — Ele é esquisito, mas é um gênio. Confie nele e você solucionará qualquer caso. - Will só ouviu o apito do telefone sendo desligado na sua cara.

   No fundo, o detetive se jogou numa das poltronas que havia na sala e mudou de canal, tirando de uma série policial para um desenho animado.

   — Só falta me dizer que um detetive prefere assistir desenho de criança a uma série investigativa.

   — É claro, meu querido. Essas séries são completamente artificiais. Eu termino qualquer caso deles em menos de três minutos e meio. Os desenhos nos instigam muito mais. 

   — Ah, isso! - gritou batendo as mãos de satisfação ao ver que o gato do desenho havia capturado um rato. - Sobrou migalhas de waffle para todos os lados e Will se sentiu a pessoa mais idiota de toda Axel.

   — Me desculpe a pergunta, você vai dormir aonde? — Ora, aqui. — Não, não. Você entendeu errado. Aqui não tem cama para você.

   — Minha mala já está aqui. Vou ficar por aqui. Perdão, xerife. Não vou te atrapalhar.

   — Já chega, não acha? Se for um detetive tão incrível como diz, porque não aluga um quarto ou um hotel chique para passar a noite? Eu nem nunca ouvi falar no seu nome.

   O rapaz sacudiu seu cabelo liso - tinha entradas, mas eram bem escondidas. — Não sou rico, sequer tenho fama.

   — Ah, então porque se acha tanto?

   — Não me acho. - esses Waffles estão murchos, compre de outra marca da próxima vez - completou. — Olha, já solucionei mais de 130 crimes, nunca errei uma analise sequer. Já trabalhei em todo o mundo. Na China, na América do Sul, na África, Irlanda e qualquer outro país ou continente que você imaginar. No final, não cobro nada, faço por prazer. Os incompetentes locais não conseguem êxito e aí clamam por mim. É assim que as coisas funcionam na maioria dos casos.

   — Você me respeite e respeite minha cidade.

   — Vou respeitá-la se o caso for bom. Mal posso esperar para começar os estudos.

   — E quando pretende? - Perguntou educadamente.

   — Primeiro quero descansar, ver um desenho, comer um waffle e me deliciar com um charuto.

   — Como posso chamá-lo?

   — Harvey. Só Harvey está bom. - o detetive levantou, indo para trás da casa fumar um cachimbo enquanto olhava as estrelas. Era uma bela passagem das montanhas e um pequeno lago que por ali se estendia.

   Will passou alguns minutos no banho e quando saiu vestido bem, foi até lá, conversar com o visitante.

   — Não quis soar ignorante. Quero que saiba que se formos trabalhar juntos, vamos ter de se ajudar. - estendeu a mão.

   Harvey o cumprimentou, mesmo com suas luvas. — Sem esses charmes, xerife. — Precisamos nos conhecer melhor.

   — Vai me interrogar?

   — Não, não... Só gostaria de saber sobre sua vida. Você deve saber a minha ficha inteira.

   — Ora, não é todo mundo que se interessa pela minha história, mas se matará vossa curiosidade, eu posso dar um breve resumo.

   — Nasci em Indiana, fiz todo o colegial por lá. Mudei-me para a Inglaterra com dezesseis anos, sou autodidata e domino por completo filosofia, sociologia, botânica e geologia. Digamos que sou nota oito em química, anatomia e física. Sou um animal político e nunca fiz um esporte na vida. - tossiu enquanto tirava o cachimbo. — Solucionei dois casos no leste da Inglaterra, fui chamado para ser forense num departamento policial. O nível era muito baixo, mas ajudei a solucionar, por baixo, uns cinquenta crimes. Depois disso, decidi trabalhar sozinho e inventei minha profissão. Os incapazes me telefonam e buscam por ajuda. Não cobro, realizo o serviço e quem levar a fama, pouco me importa.

   — Você é casado, têm filhos, filhas, seu pai, mãe, irmão... - Will ficou atônito com a velocidade com que Harvey falava e não se embolava em momento algum.

   — Sou filho de Arthur e Sarah, ambos falecidos. Meu pai era ferreiro e minha mãe médica. Tenho um irmão mais velho, atualmente mora no Canadá. Seu nome é James e ele veste jalecos como nossa mãe.

   — Ah, sobre casar? – Continuou. — Não, nunca me relacionei. Não sinto vontade alguma nessas depravações mundanas.

   Will continuou chocado e mostrava isso nas suas expressões.

   — Nem com homem? Olha, se você gostar, por mim não tem problema.

   O detetive caiu na risada. — Não, é claro que não. Quando me refiro a um, me refiro a todos. Para mim, somos um só. Não muda em nada um ter algo e a outra ter outra coisa. Meu foco e a razão estão acima de tudo.

   — Vai um cigarro depois dessa longa conversa? - ofereceu com a mão.

   — Não. Só fico no bom e velho cachimbo.

   A hora passou voando e Will arrumou sua cama - de casal, obviamente - para dormir.

   Harvey o acompanhou. — Você prefere o lado esquerdo ou o direito? — Você não vai dormir no chão?

   — Não, minhas costas doem. — Pode ficar com o lado direito.

   Will puxou sua coberta e deitou-se do lado esquerdo. Quando reparou, Harvey deitou-se de cabeça para baixo.

   — Isso com certeza não era esperado. - disse surpreso.

   — Eu só durmo de cabeça para baixo. Isso não lhe incomoda, incomoda? — Aliás, eu balanço muito os pés enquanto durmo. – completou.

   — Não... Digamos que só não é normal.

   — Ufa. Ainda bem.

   — Apago o abajur?

   — Claro.

   Will mexeu no botão e as luzes se apagaram. Os dois ainda ficaram acordados por um bom tempo, ninguém estava com sono.

   — Ei, está acordado? - perguntou o xerife em voz baixa.

   — Sim. O que quer?

   — Fiquei curioso. Cite três casos que você melhor se recorda.

   — Essa pergunta é me feita todos os dias. — Ah, então será fácil respondê-la.

   — Vamos lá... O meu Top-3 seria o meu primeiro caso; o desaparecimento de Will Chambers, no Reino Unido, assim que cheguei. Completando... Talvez escolhesse o caso mais rápido que solucionei. — Quanto tempo? — Se não me engano, duas horas e vinte e quatro minutos. — Incrível. Prossiga. — O último, o que mais demorou, creio que encaixa bem num Top-3. Demorei três dias para concluí-lo.

   — Quer que eu conte como solucionei? - Harvey só ouviu Will roncando, havia pego no sono sem querer e dormiu como uma pedra.

   O detetive ainda demorou a pegar no sono, dormindo apenas por volta das quatro horas da manhã.

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