• CAPÍTULO 05: Bonnie Parker
A crise de 70 desbancou muitas famílias em Axel e os Parker era uma desses. Os homens tinham nome forte na política e as mulheres possuíam altos cargos, mas tudo desandou na década passada.
Hoje, Phillips Parker é um eletricista e Agatha Parker é apenas dona de casa. Os moradores do 13, logo após a Rua dos Pinheiros, tinham apenas um filho, Bonnie Parker, que era tratado como esperança para novos dias de glória para a próxima geração da família.
Bonnie era um típico garoto de classe média americano na década de 80 e era muito pé no chão com praticamente tudo que o cercava.
O mais centrado do grupo de amigos, o mais alto e o elo que unia e evitava brigas internas. O que não era nunca a estrela do show, mas que jamais passaria batido.
Por mais que também fosse deslocado do restante da escola - assim como seu grupo - era o mais aceito pelos outros alunos e até respeitado pelos garotos mais velhos das turmas avançadas e por isso quase nunca era visto sendo perturbado por eles.
Depois de ter vivenciado o crime de Bill Thompson, ser levado pelo xerife e depor na delegacia, o dia finalmente amanhecera normalmente para Bonnie, que pôde dormir por dez ininterruptas horas em sua casa.
A casa dos Parker era a última da rua e eles tinham uma relação estável com o restante dos vizinhos. Bem atrás, havia um grande quintal - comprado por Phillips nos tempos áureos - que se esticava por uma espécie de bosque que contornava inclusive outras duas ruas - a Stan Street e a Kirby 040 - mas era um lugar pouco utilizado pelos cidadãos de Axel e muito menos pela família.
Bonnie era o único que costumava ir ao bosque, fielmente aos finais de semana para se isolar um pouco. Naquele dia, seu pai pediu para que não demorasse tanto, queria que ele o ajudasse a encapar alguns fios.
— Filho, pode me ajudar com uns fios mais tarde? - O vizinho Gary - um velho seboso - estava tendo problemas com o carro e Phillips estava dando uma ajuda na calçada para resolver o problema.
— Acho que sim. Não tenho nada hoje. - Bonnie ainda estava acordando, quando respondeu o pai pela janela do quarto, lá no segundo andar de sua casa.
Bonnie desceu para o quintal como um furacão, sua mãe nem percebeu o filho passar. — Bom dia - deixou um beijo em sua bochecha esquerda. Só assim ela percebeu.
— Pai, você pode dar uma olhada no meu walkie-talkie depois de arrumarmos os fios? - O tio de Bonnie, Charles, havia dado o aparelho para Bonnie no mês anterior, mas ele nunca havia usado.
Os lábios carnudos, o cabelo cacheado, as roupas sempre em cores vivas eram as principais características de Bonnie - que tinha um talento enorme em dedução e era ótimo em observar e estudar situações - também era normal vê-lo ajudando os mais velhos da rua, seja tirando gatos das árvores ou engraxando seus sapatos.
Bonnie lavou o rosto numa das torneiras que ficavam do lado de fora da casa e saiu pelo quintal dos fundos para ir até o bosque. Fora acompanhado apenas por um livro e duas garrafas de água.
O extenso gramado dominava por completo a visão. Árvores - finas e grossas - por todas as partes faziam com que qualquer ser-humano se tornasse um mero recheio em toda combinação.
A distância para sua casa já era considerável, em que pese ambos conseguirem se enxergar dos dois lados. Bonnie dormiu recostado a uma das árvores, deixando o livro à sua direita e as garrafas enfiadas em seus shorts justos.
Apenas um forte cheiro de queimado e um murmurinho fizeram com que ele acordasse. Nem sequer poderia ser considerado um cochilo, não havia durado nem trinta minutos.
Quando se levantou, logo sentiu o forte odor de fogo pelas árvores. A curiosidade o tomou, mas não subiria nas árvores para melhor compreensão pelo seu medo de altura.
Além do cheiro desagradável de queima, havia também sons que vazavam por entre as árvores. Sons desconhecidos, mas semelhantes a vozes de pessoas numa linguagem que Bonnie não conseguia decifrar.
Cansado de procurar, Bonnie bebeu a última das suas garrafas e quando olhava para o céu, enxergou fumaça. Como se alguém o estivesse chamando ou pedindo por ajuda, como nos filmes quando alguém está perdido em uma ilha e isolado de toda civilização.
Curiosamente, a fumaça vinha da frente, mais a frente e próximo à sua casa do que como ele estava procurando - distante e isolada.
Quanto mais Bonnie caminhava, mais os murmúrios aumentavam. Mais a fumaça sucumbia e quando percebesse, já estaria perdido frente a uma fenda negra e apodrecida no centro das árvores.
Qualquer preparação emocional sumiria num segundo perante aquela imagem vista por Bonnie. Uma cratera obscurantista no meio do bosque. Um vácuo que cortava o sólido chão do bosque, apodrecendo cada vida em seu entorno.
Bonnie sacolejou a cabeça várias vezes, achava que estava a sonhar. Evitou se aproximar por seu medo de altura, mas a de se dizer que a curiosidade falara mais alto.
Quando decidiu olhar para baixo, o que viu foi um grande vazio negro emanando sussurros e pedidos de ajuda.
Tontura, palpitações aceleradas, náusea. Sintomático. Bonnie levava as mãos ao rosto enquanto caminhava para trás até sentar-se no chão.
A ideia de calcular a distância não fora ruim, mas quando jogou uma de suas garrafas pelo buraco, sequer pôde ver, ouvir ou sentir a distância da queda do objeto.
O fundo escuro suficiente era para atacar seu medo por altura e Bonnie relutou, lutou, persistiu, mas desmaiou.
Quinze minutos depois, levantou-se com dores na cabeça e aparentava estar exausto. Quando se ergueu do chão, viu sua garrafa - a que havia usado para calcular a altura - no chão, logo a sua frente. Nada aconteceu? Pensou ele.
Lembrou-se na hora do que havia acontecido, mas tratou salvar o acontecimento apenas como um mero pesadelo que qualquer criança poderia ter. Não seria algo especial.
— Bonnie! Bonnie! - os gritos vindo de sua casa eram audíveis no meio do bosque. Phillips gesticulava também com as mãos para que seu filho retornasse para ajudar com o trabalho.
Bonnie pegou a segunda garrafa do chão, enfiou no short junto à outra e voltou para casa, ainda que olhasse para trás com desconfiança e medo do que havia acontecido.
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