• CAPÍTULO 03: Calvin Smith

   O sol estava escaldante naquele domingo. Era visível pela testa do senhor que cortava a grama da casa 31, na Rua Blatty Callary, logo a frente a Rua dos Pinheiros.

   A maioria dos moradores daquela rua eram relativamente bens de vida e brancos. Ali morava Calvin Smith, de 14 anos e filho de Daniel e Lissa, um radialista aposentado e uma advogada.

   A grande maioria dos moradores da Callary eram relativamente bens de vida e brancos, sejam eles os Williams, Miller ou até mesmo os Donovan.

   Ali morava Calvin Smith, de 14 anos e filho de Daniel e Lissa, um radialista aposentado e uma advogada.

   Daniel havia se tornado um homem muito relaxado desde que se aposentou e passava boa parte do dia deitado no sofá da sala assistindo aos programas de tv. Sua barriga já estava aumentando com o passar dos anos mas para sua alegria, a calvície ainda não havia chegado, surpreendentemente - o que para ele significava muito, já que essa era uma de suas preocupações quando adolescente - e Lissa era uma mulher de 45 anos que estava em ótima forma. Seus cachos loiros seguiram intactos com o passar dos anos e sua pele continuou lisa como um pêssego.

   — Vai jogar fliperama? - enquanto enxugava a testa do suor que escorria.

   — Não. Hoje não abre. - Calvin costumava jogar mas não aquele dia pois estava fechado, ele iria a única loja aberta no centro da cidade, a loja do Karl. Lá se encontrava de tudo e em qualquer dia, mas aos domingos ele fechava no início da tarde, bem mais cedo que o normal.

   Calvin estava com uma camisa azulada, short curto e sua mochila nas costas, como sempre. Ele com certeza não era dos mais populares na escola e no bairro, mas era um dos garotos mais gentis possíveis e praticamente todos os professores e moradores da Blatty o adoravam. Suas festas de aniversário só não bombavam pois ele não gostava de lugares cheios com muitas pessoas, por isso sempre limitava com seus pais a quantidade de convidados.

   Suas notas no colegial também eram ótimas, mas ele passava longe de ter muitos amigos ou fazer sucesso com as garotas; a única garota que alguma vez o olhou era Jane Bukowski, mas isso foi na segunda série e ela voltou para a Rússia ao fim do ano.

   Ele disparou em sua bicicleta pelas próximas duas ruas - Georgetown e Mill - Steve inclusive morava na primeira, logo na terceira casa à direita.

   O centro de Axel não era lá muito grande e vistoso, mas tinha seu charme. Havia muitas lojas, confeitarias, uma central de rádio duas micro-empresas que atuavam ali, a Pookey, que trabalhava com papéis e a Otto, que trabalhava com armação de óculos, além claro, da loja do Karl, que era a única aberta naquele dia.

   Calvin deixou a bicicleta encostada num dos vidros da loja e entrou direto. Havia apenas dois rapazes que aparentavam ter entre 18 e 20 anos e uma moça, que já estava no caixa.

   Karl era um homem simples, pele morena, cabelo bem batido na cabeça e um olhar muito tranquilo, como o de seu pai, ele inclusive havia herdado a loja dele. Era um local bem conhecido por vender absolutamente qualquer tralha e ser até mesmo charmosa para alguns.

   — Opa, e aí, Karl?

   — E aí, garoto, como vão seus pais? Está procurando o que?

   Calvin olhava para as prateleiras enquanto respondia. — É, estão bem, sim. Não tem mais nenhum walkie-talkie aqui?

   Karl pediu licença para a moça que atendia no caixa para procurar pelos walkie-talkies que Calvin pediu.

   Ele procurou em umas duas ou três prateleiras, chegou a olhar numa das gavetas mas não havia encontrado.

   — Espera um momento, deve ter algum sobrando nos fundos. - Nesse momento, a moça o fixou o olhar, pois precisava ser atendida ainda.

   — Faz o seguinte, Cal. Vai por aqui - apontava para a porta atrás do balcão direito - e vira à esquerda. É uma sala apertada, você não deve demorar a encontrar. Devem ter uns envelopes e algumas caixas. Acredito que o que você esteja procurando vai estar numa delas.

   Calvin colocou o dinheiro no balcão. — Já fica com o pagamento. Vou lá buscar, obrigado.

   Karl voltou para atender a moça de olhos claros no caixa enquanto Calvin deu a volta no balcão para poder ir até o local que ele havia escutado.

   Calvin passou pela porta - que não era muito larga - e desceu uma pequena escada que ali havia. Quando finalmente chegou, havia uma porta fechada, no lugar em que Karl havia indicado. Uma tira de placa estava agarrada a ela com os dizeres "Armazenamentos".

   O garoto sentiu algo estranho ao descer até ali, até espiou mais uma vez para ver se não havia ninguém ou algo por ali. Ele não soube definir a sensação que estava sentindo e talvez fosse seu problema com lugares apertados e pequenos.

   Ele ficou meio receoso de entrar, mas empurrou a porta com a mão direita e foi logo para dentro da sala. Era um cômodo bem pequeno, com dois móveis cinzas e três prateleiras da mesma cor. Havia duas janelas retangulares na parte superior da parede esquerda, mas estavam ambas fechadas.

   Calvin ignorou os envelopes nas gavetas e foi direto para as prateleiras. Elas eram bem altas e ele provavelmente não conseguiria alcançar a última sem precisar de um apoio nas pernas.

   Na terceira fileira da segunda prateleira numa das caixas havia um papel colado com as palavras "Comunicação ou Eletrônicos". Estava meio rasgado mas era bem fácil de ler e se localizar.

   Calvin levou um espanto. A porta se fechou sozinha, uma grande pancada e não havia motivo aparente para isso.

   Por mais que começasse a ficar nervoso, Calvin puxou a caixa e a colocou no chão, ficando de frente para a porta enquanto vasculhava-a.

   Não havia entradas de ar naquela sala e Calvin começou a se sentir mal, suando e aos poucos ficando com a visão turva até que no final da caixa conseguiu puxar uma embalagem azul com o walkie-talkie nela.

   Ele colocou o produto correndo na mochila para sair ligeiramente dali mas não conseguiu. Quando chegou a porta e tentou abri-la, viu que ela estava travada e ele trancado na sala. Ele puxou a maçaneta sem parar por umas dez vezes a ponto de quase quebrá-la e assim seu desespero só aumentou.

   Calvin começou a piscar os olhos freneticamente e sentiu que as paredes estavam se aproximando ainda mais, se fechando, o deixando numa situação ainda mais tensa. Era como nos filmes onde as paredes com espinhos se juntavam para matar quem estava no meio, mas dessa vez não havia espinhos.

   Seus problemas com lugares fechados faziam com que piorasse ainda mais. Calvin começou a esfregar a vista sem parar, numa tentativa falha de melhorar em algo.

   Ele percebia as paredes se aproximando ainda mais e o fechando e como seu walkie-talkie estava naquela caixa pequena, ele seria esmagado.

   O suor descia pela sua testa, seu cabelo já estava ensebado e ele se agachou no chão enquanto batia com os pés no chão de nervosismo.

   A porta foi se abrir alguns minutos depois. Era Karl, procurando pelo garoto.

   — Cal? Que houve? - Calvin estava encostado numa das paredes de cabeça baixa, abraçado em sua mochila como se fosse a única coisa que sobrasse a ele.

   — Você está passando mal?

   Calvin levantou a cabeça e percebeu que não havia nada ali. As paredes estavam normais e a porta havia sido aberta normalmente por Karl.

   — A porta. Você trancou ela, né?

   — Que? Não, claro que não. Eu estava atendendo uma cliente. Deve ter sido o vento.

   Calvin negou com a cabeça várias vezes e só nessa hora foi levantar-se. Colocou a mochila nas costas e continuou olhando para todos os cantos. Não havia nada e nem ninguém.

   — Valeu, Karl. Eu preciso ir embora.

   Calvin abaixou a cabeça e saiu pela porta, subiu as escadas sem sequer olhar para trás e quando saiu naquele estado de cansaço aparente e de nervosismo, os outros rapazes que estavam na loja obviamente o encararam estranhamente.

   Calvin passou direto pela porta, pegou sua bicicleta que estava encostada e por mais vazio que o centro estivesse, ainda tinham algumas pessoas passando por ali. Ele montou-se na bicicleta e ao sair, passou a olhar fixamente para cada pessoa ali.

   Do caminho do centro até sua casa, Calvin se tornou mais um observador do que qualquer outra coisa. Olhava cada uma das pessoas, cada casa por que passava até chegar na Blatty e ainda encontrou Steve na Georgetown, estava saindo de bicicleta. O garoto de touca ainda acenou para ele, mas Calvin estava tão tenso que sequer respondeu e olhou de volta.

   Foi direto para casa sem pestanejar e falar com alguma pessoa pelo trajeto até chegar. Só ele sabia o que era passar por aquilo que ele havia passado minutos atrás.

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