• CAPÍTULO 01: A morte de Bill Thompson

Dezesseis de Junho, 1984, Axel, Iowa.

   O xerife Will Thompson e outros dois policiais invadiam uma residência na Baxter, bairro pobre e pequeno de Axel.

   — Coloquem tudo na mesa! ─ gritou Will enquanto segurava seu revólver com a mão esquerda e a lanterna na direita.

   — Finalmente, xerife. Finalmente pegamos esses dois. ─ dizia Paul com uma cara de satisfação.

   Era Elizabeth e Barrow, um casal de bandidos que atuavam em Axel. A quadrilha em que participavam já havia sido capturada em longos anos atrás.

   — Vocês estão presos pelo assassinato do oficial Denny Wise e por outros crimes como contrabando e diversos assaltos. Coloque-os no carro, Hobs. ─ Will não tirava os olhos da dupla. A caça havia finalmente acabado.

   Os outros membros do grupo já haviam sido presos a um bom tempo, mas o casal estava foragido. Will os pegou no pulo naquele início de noite com a ajuda de denúncias.

   Numa cidade pequena e pacata como Axel, havia poucos acontecimentos de destaque e a quadrilha da dupla era realmente um peso para a polícia local. A prisão dos dois e o fim do grupo era um sinal de que a cidade estava limpa do único perigo que a cercava em anos.

   Hobs havia colocado as algemas nos dois e os colocou na parte traseira do carro. Paul teve que colocar seu revólver no bolso para poder levar as cargas encontradas com eles. Foram três pacotes, incluindo droga, munição e objetos furtados. Tudo isso foi para dentro do veículo e o xerife Will ainda vasculhou o local por mais uns dez minutos para ter certeza que não havia mais nada para registrar.

   Depois dali, partiram para a pequena delegacia de Axel com um sorriso no rosto, enquanto Elizabeth e Barrow ficaram em silêncio na traseira da viatura ─ um robusto automóvel em cor branca detalhado por faixas marrons nas laterais ─ carregava os dizeres oficiais da função e as famigeradas sirenas na parte superior.

   — Imagine a bolada que vamos levar, xerife. Finalmente terminamos. ─ no banco do carona, Hobs parecia a pessoa mais feliz do mundo. – Era um cara alto, robusto de pele quase negra e amigo de longa data de Will, além de gostar muito de dinheiro e não esconder isso.

   — Esquece um pouco a grana, Hobs. Eu quero saber é de ver meu nome nos jornais. ─ Paul tinha descendência inglesa e era um cara muito frio, mas gostava de estar em destaque.

   — E aí, Will? Não vai falar nada? ─ ao brincar com o Xerife, Hobs percebeu que ele já estava acendendo outro cigarro enquanto dirigia. — Você disse que pararia com isso.

   Paul estava no banco de trás e tirou o cigarro da mão de Will, o jogando pela janela. — Isso aí ainda vai te matar.

   — A próxima vez que você fazer isso, vou abrir um buraco no seu peito, Paul. 

   Os três policiais caíram na risada e prosseguiram até a delegacia.

   A localidade ficava ao leste da cidade e era um local bem pequeno por sinal.

   O tamanho não importava muito visto que a região era realmente pequena. Pouco menos de 40 mil habitantes e um índice de criminalidade baixíssimo. Não havia necessidade de expansão.

   Assim que chegaram, havia seis policiais dentro da sala, e no momento que viram Elizabeth e Barrow algemados, ficaram espantados. Todos tiraram seus chapéus para o trio que nesse momento já estava com toda a pompa de herói.

   Outros dois homens saíram de um quarto à esquerda. Eram da prefeitura e logo que repararam que o casal havia sido pego, também parabenizaram os policiais.

   A última a parabenizá-los foi a secretária Blanche, uma bela mulher de trinta anos que não tirava seu laço branco do cabelo. Combinava com sua pele clara e suas vestes cinzas.

   — E não é que conseguiram? Parabéns. ─ enquanto sorria para os três.

   Nesta hora, o telefone tocou e Blanche voltou ao seu trabalho para atendê-lo.

   — Paul, coloca os sacos na minha sala. Eu vou vê-los mais tarde. ─ Paul deu o sinal positivo para o xerife.

   — Hobs, quero os dois na sala escura. E fique de olhos neles. ─ A sala escura era nada mais, nada menos, que um pequeno quarto vazio e com pouca iluminação no qual o xerife costumava fazer seus interrogatórios.

   Will acendeu mais um cigarro, enquanto colocou seu revólver numa das mesas ainda na sala.

   — Ei, pessoal. O horário já está terminando mas ainda temos trabalhos a fazer. Voltem aos seus. ─ Will segurava seu cigarro.

   Antes que Will se sentasse, Blanche se aproximou.

   — É para você, Will. ─ passando o telefone vermelho para o xerife, que atendeu.

   Will ficou em silêncio com o mesmo nas mãos e no ouvido. Ele ficou congelado por minutos enquanto os outros voltaram a seus trabalhos.

   De repente, soltou o aparelho, fazendo com que ficasse pendurado no ar. Deixou seu cigarro cair no chão. Ficou estático, pensativo.

   Will virou-se morosamente, pegou seu revólver, colocou-o na roupa e saiu pela porta sem falar nada com ninguém.

   Ele havia recebido a pior notícia que um filho poderia receber. Na ligação, estava Thomas Curtie, um velho de sessenta e tantos anos que era amigo de seu pai. Estava em choque na ligação.

   Bill Thompson ─ pai de Will ─ havia sido brutalmente assassinado naquela noite.

   Will passou pela porta de forma pacífica, sem mudar sua postura. Entrou em seu carro, sequer precisou ligar as sirenes. Girou a chave e saiu do estacionamento da delegacia.

   A fazenda onde seu pai morava ficava a pouco mais de dez minutos dali e Will o fez dentro do prazo. Passou o trajeto inteiro com olhos fixados na estrada, enquanto deixava seu chapéu em seu colo.

   Will era o filho único do casal Bill e Beverly. Sua mãe, já havia falecido por uma doença crônica há seis anos e o velho Bill ainda morava em sua pequena fazenda na cidade. Will costumava passar os fins de semana com seu pai e eram muito próximos, ainda mais após o falecimento de sua mãe.

   Ambos tinham não só a aparência como a personalidade semelhante. Negros, medindo praticamente a mesma altura ─ um pouco mais de 1,85 ─ Will usava a cabeça raspada e Bill devido à idade já não tinha opção em não ser um homem careca. Ele estava magro, mas muito bem de saúde em que pese a idade avançada. Já estava aposentado e tomava conta de sua estimada fazenda com seu amigo Thomas.

   O xerife estacionou o veículo de qualquer jeito perto da entrada da fazenda de seu pai e entrou direto, obviamente sem nem bater na porta.

   Para sua surpresa, no local já havia uma equipe médica ─ ele realmente havia estranhado um veículo frente ao local ─ composta por dois homens e uma moça.

   — Eu quero vê-lo. Cadê o corpo? ─ indagou com muita seriedade logo no meio de uma sala bem simples que servia apenas para receber as pessoas.

   — Está na varanda, senhor. Recomendo que não vá ver, por favor. Já o encapamos. ─ disse a médica bonita, que mostrava muito nervosismo.

   Na varanda estava um homem loiro ─ que Will já havia visto, mas não o reconhecia ─ de pouco mais de 1,65, tatuado e bem magro.

   Sentado numa espécie de meio-fio, estava Thomas, um velho amigo de Bill. Desolado e soluçando de costas para o corpo.

   Will colocou a mão em seu ombro. — Já cheguei, Thom.

   Will abriu o zíper do saco preto onde o corpo estava, mas fechou na mesma hora, virando com a mão no rosto. O corpo estava dilacerado por completo. Uma imagem aterrorizante.

   — Nós estamos o levando. ─ disse um dos legistas no local, colocando o corpo em uma maca.

   Will ficou sozinho com os outros dois homens. — Thom, você sabe o que aconteceu?

      — N- Não, Will. ─ respondeu com um abrupto travamento. — Eu estava passando de bicicleta e ele me chamou pedindo ajuda ─ apontou para o homem loiro sentado na cadeira.

   — Por que fez isso? ─ Bill foi aos poucos cedendo ao momento e avançou para cima do outro rapaz.

   — Você está louco, eu não fiz porra nenhuma. Eu nem sei quem é esse cara. ─ ele não parava de gesticular com os braços.

   — Mas eu sei bem quem é você, Weber. Seu filho de uma puta. ─ Bill perdeu a compostura de vez, acusando-o do crime e levando seu revólver a cabeça de Weber. — Pensa que não me lembro de você aquele dia na delegacia? Você e aquele grupinho de drogados. Quer o que? Se vingar de mim? ─ Weber foi posto contra a parede e com a boca da arma apontada para seu crânio.

   — Calma aí, xerife. Eu não sou assassino. Nunca fui. ─ Nesse momento, Thomas percebendo o grau da situação tentou ajudar. — Will, vá com calma. Não há provas aqui.

   — Não se meta, Thomas. Ele vem comigo.

   Will segurou Weber pelo braço, tirou do bolso suas algemas e o prendeu ali mesmo. Assim, o jogou brutalmente na parte de trás do carro.

   Will fez o trajeto de volta a delegacia em completo silêncio e o vidro que o separava da parte traseira onde estava Weber era bem grosso. Grosso o suficiente para evitar que ele ouvisse o que o condenado tinha para dizer enquanto gritava em todo o caminho.

   Chegaram a delegacia em instantes. Havia passado pouco mais de uma hora e meia desde sua saída e quando retornou muitos policiais estavam deixando o local e Blanche estava arrumando sua sala para sair quando Will chegou com Weber.

   Ele passou correndo pela porta enquanto puxava-o.

   — O que é isso, Will? Quem é esse? ─ questionou com surpresa.

   — Assunto meu.

   Will passou pela sala normalmente, mas fora parado por Hobs e Paul.

   — Vai levar esse para a sala escura, chefe? ─ perguntou o primeiro.

   — Não. Esse vai pra minha própria sala. ─ Will chutou a porta e jogou o homem na mesa, bagunçando-a ainda mais. — Tranca a porta. ─ pediu para os outros dois, que acataram.

   A sala do xerife era bem simples, um quadro de condecoração do mesmo, uma estante de livros, dois móveis com diversos itens policiais e sua mesa com uma luz e outros apetrechos. 

   — Mas que porra é essa, Will? ─ Paul ficou assustado quando viu Will puxar um canivete contra o pescoço do suspeito.

   Will pensou por um momento e saiu de cima de Weber. Deixou o canivete no chão, destrancou a porta e foi ao banheiro.

   Paul e Hobs aproveitaram a ausência do xerife para entender melhor a situação e questionaram Weber que detalhou a história para os dois. Ele jurava que não havia sido o assassino.

   Enquanto isso, Will estava sentado no chão do banheiro. Recostado na parede de azulejo branca. Em lágrimas, refletindo sobre o que havia acontecido. Foi o primeiro momento em que pôde desabar em choro, sozinho, sem absolutamente nada para atrapalhá-lo. Seu corpo escorregava lentamente junto ao seu choro.

   Will teve poucos minutos e se recompôs, enxugando os olhos, mas ainda assim estava com o rosto inchado e marcado pelas lágrimas.

   O xerife voltou a sua sala. Mais tranquilo do que antes, perguntou aos dois o que haviam feito com o casal de ladrões do início da noite. — Os dois, onde estão?

   — Você saiu de rompante, xerife... Eu e o Paul interrogamos os dois. ─ respondeu Hobs.

   — Tudo bem... E aí? No que deu? - disse enquanto recuperava seu canivete no chão.

   — O Departamento de Iowa pediu a transferência dos dois. O Billy ficou responsável por levar. – Era um homem gordo que tratava assuntos com outras delegacias.

   — Nós conversamos com ele por um tempo aqui, Will... ─ Hobs foi cortado por Will. — Levem ele. Ele vai passar a noite aqui.

   — Mas Will, não podemos prendê-lo assim sem provas. ─ Paul questionou o xerife pois de fato não era possível prender um suspeito de tal forma.

   — Coloque um colchão na sala escura. Ele está preso temporariamente pelo assassinato de Bill Thompson, o meu pai, até que se prove o contrário. Entenderam? ─ Will foi definitivo em suas ordens, sem pestanejar por um momento sequer.

   Paul e Hobs obedeceram ao xerife e Weber passou a noite na delegacia.

   — Fala pro Code e pro Dustin ficarem aqui nessa madrugada. ─ Code e Dustin eram dois rapazes iniciantes na polícia de Axel e foram designados a passarem a madrugada no local. Mesmo contra suas vontades.

   Will iria para a casa depois daquele dia intenso. Ele estava encostado capô de seu carro no frio enquanto acendia um cigarro, até que seus dois amigos saíram pela porta.

   — Vão tomar meu cigarro de novo?

   — Não, xerife. ─ disse Paul com um sorriso gentil no rosto.

   Paul e Hobs colocaram suas mãos nos ombros de Will num momento de afago para o xerife que havia vivido uma noite obscura e cheia de dúvidas.

   Will foi para sua casa naquele momento. Todo o caminho dali para sua residência foi doloroso. Quase vinte minutos na estrada e em lágrimas pela perda do pai.

   Quando chegou, jogou seu revólver num dos móveis de sua sala, sequer acendeu as luzes. Colocou seu chapéu na mesa de jantar na cozinha e seu cinto foi parar numa das poltronas empoeiradas da sala.

   Dirigiu-se ao seu quarto, onde tirou parte de sua farda e abriu um dos álbuns de fotografia da família que estava numa das estantes de ferro que tinham ali.

   — Sou só eu... Só eu. ─ dizia ele em voz baixa, enquanto passava a mão numa das fotos que tinham seu pai e sua mãe.

   A relação entre Will e Bill era muito forte, muito mais do que só pai e filho. Will costumava dizer que seu pai sempre foi seu melhor amigo.

   Suas lágrimas caíram em cima das fotos. Ele tentava passar as mãos nos olhos marejados, mas as lágrimas não paravam. Não davam trégua. E ele entendia isso.

   Aproveitar sua solidão para colocar seu lado mais frágil para fora era uma das características de Will para se mostrar um homem ─ e xerife ─ forte e defensor da lei para seus amigos, funcionários ou qualquer outra coisa.

   Quando colocou sua cabeça no travesseiro, Will passou a refletir sobre sua ação de prender Weber. Ser-se-ia um ato de justiça heróica ou um ato desesperado de um homem machucado buscando vingança por seu pai.

   Questionando a si mesmo sobre sua atitude. Segura ou irresponsável, só o tempo poderia dizer.

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