Capítulo 9

Você odeia o nome Donna
Você ama julgar o carma de estranhos
[...] Os caminhões sempre te preocuparam
Donna – The Lumineers

– Obrigada, Sun. – A voz de Hope escapa dos seus lábios como um fino sussurro. Imagino que os pontos em seu peito ainda estão doloridos, porque a sua cirurgia foi a poucos dias atrás.

Observo mais uma vez a sua ficha médica. O seu último exame não mostrou tumor algum pelo seu corpo. Simplesmente não há sinal algum do câncer que antes dominava o seu pulmão. Apenas mais algumas rodadas de quimioterapia serão necessárias para a liberação completa de Hope, por precaução. E, então, ela finalmente será considerada curada.

– Está animada para voltar a jogar hóquei? – Pergunto com um grande sorriso em meu rosto.

– Claro. O meu time é péssimo, eles precisam de mim. – A sua respiração é pesada e lenta, mesmo com o acesso do oxigênio preso em seu nariz.

– Estou feliz por você, Hope. – Seguro a sua mão, delicadamente. Sinto os seus dedos frios e trêmulos abaixo dos meus, e Hope sorri.

Saio do seu quarto com o coração extremamente leve, sentindo-me genuinamente feliz. É gratificante acompanhar a evolução e o tratamento dos meus pacientes. Há quem diga que o setor oncológico é triste, com incontáveis perdas, mas ninguém conta sobre a alegria que nos preenche quando um paciente é curado.

– Sun! – Escuto alguém me chamar próximo à entrada do hospital Lemoine, no fim do meu longo e cansativo expediente.

Ao me virar para trás, encontro o enfermeiro Luke caminhando rapidamente em minha direção. Alguns pingos da fina garoa recaem sobre mim enquanto eu estou parada em meio a calçada, próxima ao ponto de ônibus.

Ele se aproxima e, no mesmo instante, Luke ergue o seu guarda-chuva sobre a minha cabeça, protegendo-me da fraca garoa. Respiro profundamente, porque eu realmente gosto de sentir a chuva sobre mim.

– Oi, Luke. – Cumprimento-o gentilmente.

– Como você está? Poxa, mal tivemos tempo de conversar hoje. – Ele lentamente se aproxima de mim, buscando também ficar abaixo do seu próprio guarda-chuva.

A verdade é que hoje eu não conversei com ninguém porque eu estive entretida demais com o meu novo livro de romance. O casal central tem uma química surreal, mas são orgulhosos demais para admitirem que querem ficar juntos. Devoro as páginas em cada pequena pausa que eu tenho, inclusive no almoço.

E, quando eu não estou lendo, fico um tanto quanto distraída, pensando em quando eu encontrarei um Leon para mim.

– Estou ótima, e você? – Respondo-o no exato segundo em que chegamos no ponto de ônibus. Pelo canto dos olhos eu encontro Jackson Scott sentado, esperando pelo nosso ônibus. E ele nos observa com visível atenção.

– Estou bem. – Luke agora fecha o seu guarda-chuva porque estamos abaixo da cobertura do ponto. – Sabe, eu estive pensando... – Ele coça a cabeça timidamente, e é absolutamente adorável. – Amanhã você não quer sair para tomar um café? Depois do trabalho?

Abro os meus lábios, completamente surpresa com o pedido inusitado. Ele realmente está me chamando para sair? O próprio e tímido enfermeiro Luke? Um café? Isso poderia ser considerado um encontro? Porque, bom, é apenas um café... E se ele estiver me chamando para um encontro? Meu Deus, um encontro? Eu já tive um encontro antes? Cristo, eu nunca tive um encontro.

– Claro! – As palavras saltam dos meus lábios antes mesmo que eu possa raciocinar. Sinto os pensamentos confusos e acelerados dentro da minha mente. – Eu vou adorar, Luke.

Sinto que as palavras finais partiram da boca para fora, sem qualquer verdade escondida em suas letras. Sou completamente incapaz de sentir qualquer onda de ansiedade e animação percorrer o meu corpo com a ideia. E, então, sinto-me a pior pessoa do universo, porque eu deveria estar feliz, certo?

– Combinado! – Ele sorri largamente. Em seguida, vejo-o dar um passo à frente, erguendo o seu braço para dar sinal ao seu ônibus. – Te vejo amanhã, Sun! – É tudo o que o enfermeiro Luke diz antes de entrar e sumir no ônibus.

Minutos depois, o meu ônibus se aproxima, e Jackson Scott não demora para se levantar do banco e dar o sinal. E, como sempre, ele senta no acento ao meu lado.

Droga, eu só queria ler o meu livro, mas agora eu sei que será simplesmente impossível.

– Você está mesmo cogitando sair com ele? – Jackson pergunta em um determinado momento, o que automaticamente me faz respirar profundamente.

– Por que você quer saber? – Ergo os meus ombros, levemente. – Eu não opinei em momento algum quando você chamou a residente Fortier para sair. – Volto a minha atenção para a janela ao meu lado, observando a linda Toronto.

– Você não pode sair com ele. – Jackson protesta ao meu lado. Há indignação palpável em sua voz, o que me faz olhar para ele no mesmo instante.

– O quê? – Pergunto, inconformada. Por que Jackson Scott de repente parece estar interessado na minha inexistente vida amorosa? – Por quê? – Cruzo os meus braços, aguardando a sua resposta.

– Porque ele não te conhece. – A sua voz saí baixa, quase como um sussurro.

– Ah, e você me conhece muito bem. – Reviro os olhos lentamente.

– Conheço, Violet. – Ele balança a cabeça, levemente. Ouvir o meu nome sair entre os seus lábios me causa arrepios. E Jackson está sério. – Você lê livros de romance porque não tem coragem de encarar a realidade.

Aperto os meus olhos enquanto sinto o meu sangue borbulhar abaixo da minha pele. Apesar da raiva que sinto em mim, eu apenas digo:

– Não é segredo para ninguém que eu gosto de ler livros de romance. Não se ache especial por saber disso. – E novamente eu me viro em direção à janela, ignorando-o completamente.

– Você nunca anda com um guarda-chuva na bolsa porque você gosta de sentir a água cair. – A sua voz continua fraca. – E você odiou que o enfermeiro Luke te cobriu hoje.

E a sua revelação me faz erguer os meus olhos em direção aos seus por um momento. Pergunto-me como ele sabe disso. Talvez pelo fato de eu sempre ter sido a única criança a ir ao parquinho em dias chuvosos na escola.

– E então? – Movo os meus ombros, evidenciando o quão não impressionada eu estou. – Parabéns pelo chute. – Forço um sorriso mínimo para ele.

– Você odeia mostarda e ama ketchup. – Ele continua. Há uma longa pausa, como se incontáveis lembranças passassem diante da sua mente. – Você sempre adorou ouvir The Lumineers. A sua cor preferida é lilás. Você ama chocolate com amendoim e é alérgica a camarão. Você é péssima no patins e no skate, mas sabe escalar árvores como ninguém. Você ama flores, principalmente margaridas. Você tem medo do escuro e de esquilos, desde que um deles tentou subir na sua calça. Você pinta quando está se sentindo triste. Você sempre dá um passo para trás quando está nervosa ou ansiosa. E você sempre quis ser enfermeira.

E em todos os momentos, os olhos castanhos de Jackson permaneceram fixos nos meus. A cada nova informação, a expressão dura em meu rosto se suavizava enquanto o meu coração batia aceleradamente.

– Como? – É tudo o que saí dos meus lábios.

Como alguém pode conhecer tantos mínimos detalhes sobre mim sendo que estudamos juntos apenas um único ano na escola, há quinze anos atrás? Jackson realmente me observava e prestava delicada atenção em mim?

– Você não acreditaria se eu te dissesse. – É tudo o que ele responde.

A minha boca se abre, mas som algum consegue ultrapassá-la. Jackson Scott desce os seus olhos castanhos em direção aos meus lábios e, após um longo e eterno segundo, ele solta uma risada anasalada enquanto balança a cabeça, levemente.

– Até amanhã, lindinha. – Ele se levanta e, por fim, saí do ônibus.

O que foi que acabou de acontecer aqui?

E essa exata pergunta ainda rodeia a minha cabeça quando eu ligo a televisão da minha casa para assistir o dorama que eu estou absolutamente viciada. Pensei em ler o restante do livro de romance, mas estou cansada e distraída demais para tal.

A personagem principal do dorama saí com um dos garotos do seu triângulo amoroso, mas é nítido e notório que ela jamais ficará com ele. E, então, enquanto eu como um yakisoba, dou-me conta de que eu odeio triângulos amorosos com todas as minhas forças.

Porque, na realidade, não existe triângulo amoroso algum. Você sempre sabe quem a personagem vai escolher, sempre sabe quem é o cara certo e ideal. Mas há uma enrolação absolutamente irritante envolvendo uma terceira pessoa, que sempre sairá de coração partido.

E eu não quero que o enfermeiro Luke faça parte da minha enrolação desnecessária e dolorosa. Eu só o vejo como um colega de trabalho e nada mais. Nunca sequer cogitei o ver de maneira diferente. E eu não quero que ele faça o tolo papel do personagem terciário da minha própria história.

Por isso, envio uma mensagem dizendo que amanhã eu não poderei ir, desmarcando qualquer plano que nos envolva.

Após enviar a mensagem, fecho os meus olhos, completamente cansada. Maggie mia ao meu lado, sobre o confortável sofá. E, agora, uma música romântica toca no dorama porque o charmoso garoto está olhando para os lábios da inocente garota.

E é absolutamente impossível não lembrar de Jackson Scott Hill.

– Por que ele não deixa a minha cabeça em paz? – Murmuro em alto e bom som contra a almofada.

A minha gata, Maggie, olha curiosa para mim. E, por fim, ela sobe em meu colo.

– Sabe qual é o pior, Mag? – Pergunto diretamente para ela, que está se ajeitando em meu colo. – Que eu também o conheço bem.

Minha gata mia mais uma vez.

– Ele ama mostarda e dispensa o ketchup. Ele sempre anda com um guarda-chuva na mochila, porque ele odeia a chuva. Ele é ótimo no patins e corre mais rápido que todo mundo. Seu desenho preferido é Carros e a sua cor preferida é azul. Ele detesta framboesa, mas adora cereja. Ele é alérgico a amendoim e tem medo de avião. Ele prefere salgado do que doce. E ele se isola do mundo quando está triste.

Maggie apoia a sua cabeça em minha mão, pedindo carinho. Afago o seu pelo delicadamente enquanto eu a ouço ronronar. E, agora, a personagem do dorama está admitindo para a sua melhor amiga que ela realmente gosta do mocinho.

– Acho que, através de toda a raiva, eu também o observava na escola, Mag. 

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