Capítulo 5
Não acho que você seja a pessoa certa para ele
Pense no que poderia ter acontecido se nós
Pegássemos um ônibus para Chinatown
Ho Hey – The Lumineers
– ...Então eu vou dar alta para ela. – A residente Fortier analisa mais uma vez o prontuário da idosa que está se recuperando de um câncer. Os seus exames estão ótimos, e a sua cirurgia foi um sucesso. – Precisamos liberar este quarto.
– Você não pode dar alta para ela. – Balanço a cabeça em negação, rapidamente.
– Por que não? – Ela, no mesmo instante, ergue os seus olhos azuis para mim, parecendo estar absolutamente confusa.
Viro-me em direção à janela de vidro do quarto da paciente. Observo, por um curto momento, a idosa de cabelos brancos e costas curvadas pela avançada idade. Há rugas tristes e cansadas em seu rosto, e ela está sentada em uma cadeira de rodas, sozinha.
Lembro-me de como eu também precisei usar uma cadeira de rodas na infância, por conta do grande e desconfortável cansaço que eu sentia em decorrência da quimioterapia.
– Esta senhora está aqui há três semanas... – Começo a explicar, calmamente. – E em nenhum momento ela recebeu uma visita sequer. Os seus filhos e os seus netos não vieram ao hospital, e ao menos ligaram para ter notícias dela. – Fecho os meus olhos por segundo. – Ela acabou de passar por uma grande cirurgia e...
– Mas ela já se recuperou da cirurgia que fizemos. – Fortier aperta os seus olhos para mim, não parecendo entender o ponto que eu estava tentando chegar.
– Mas agora ela está presa a uma cadeira de rodas. – Aponto com a cabeça para a idosa dentro de seu quarto, sentada em sua cadeira. É uma imagem solitária. – Você acha que ela tem capacidade de se cuidar sozinha?
– Você está dizendo que devemos deixá-la "internada" aqui?
– Ela não tem uma rede de apoio. Como ela vai cozinhar em casa se ela está em uma cadeira de rodas? – Pergunto, agora mantendo a minha atenção na residente Fortier. – Aqui ela tem pessoas que cuidam dela.
A garota aperta os seus lábios, passando os seus olhos claros entre mim, a idosa sozinha em seu quarto do hospital, e o prontuário da paciente, que não revela nenhuma justificativa médica para a sua permanência no Lemoine.
Mas, ao abrir a sua boca para finalmente me responder, o residente Scott se aproxima de nós, silenciosamente. Ao notar a sua presença, eu automaticamente reviro os meus olhos, e, estranhamente, ele parece não ligar.
– Oi, Fortier. – Ele a cumprimenta, ignorando completamente a minha presença ali. Bom, isso é novidade para mim.
– Oi, Scott. – Ela o responde com um sorriso tímido em seu rosto. Certo, talvez eu realmente esteja sobrando nesta conversa, mas algo dentro de mim simplesmente me impede de sair andando. Até porque eu preciso saber o que acontecerá com a paciente.
– Se eu me lembro bem, estou devendo um drink para você. – Scott coloca as suas mãos no casaco do seu jaleco branco, mas em nenhum momento ele demonstra nervosismo. É, ele realmente está fingindo que eu não estou aqui.
– Ah, é. – A residente ri, sozinha. Em seguida, ela coloca uma mecha do seu cabelo loiro e liso atrás de sua orelha. – Eu falei que conseguiria dar conta daquela cirurgia sozinha. – A garota inclina os ombros levemente, como se ela sempre tivesse razão sobre o assunto.
Comprimo os lábios enquanto apoio o peso do meu corpo sobre uma das minhas pernas, um pouco impaciente. Eu só quero ter a plena certeza de que a paciente permanecerá no hospital, e, enquanto isso não é possível, sou obrigada a ver Scott e a outra residente se paquerando na minha frente. Grande dia.
– E quando é que você está livre? – Ele pergunta, erguendo uma de suas sobrancelhas para ela.
– Sábado. – Fortier responde, tentando inutilmente disfarçar o sorriso que insiste em alcançar os seus lábios.
– Ótimo. – Scott lhe oferece um sorriso mínimo em resposta. – Te pego às sete. – Percebo que ele está piscando para ela, disfarçadamente. Sinto um pequeno incomodo dentro de mim.
Antes que a garota possa responder algo em troca, o residente Scott simplesmente saí andando pelo corredor com um sorriso preguiçoso em seu rosto. Os fios do seu cabelo escuro balançam levemente enquanto ele se afasta de nós.
Pelo canto dos olhos, percebo a residente Fortier se virar para trás somente para o observar atentamente. Os seus olhos azuis o analisam de cima a baixo, demoradamente.
– Fique tranquila, Sun. – Ela sussurra, ainda com o corpo virado. Mas, assim que o residente Scott some do nosso campo de visão, ela finalmente deposita a sua atenção em mim. – Vou falar para a minha preceptora e a paciente não receberá alta.
– Certo. – Respiro, completamente aliviada. – Vou tentar encontrar uma casa de repouso que ela possa ficar. Assim que eu encontrar, aviso você. E, então, você libera a alta dela.
– Gosto do jeito que você se preocupa com os pacientes, enfermeira Sun. – A residente sorri amigavelmente e, então, coloca a mão sobre o meu ombro.
Por algum motivo, eu queria sentir raiva dela. Mas eu simplesmente não consigo.
✿✿✿
Ao finalmente chegar em casa, dirijo-me ao banheiro para jogar a embalagem que cobriu o cachorro-quente que eu comprei ao lado do ponto de ônibus. Após colocá-lo na lixeira, ergo-me e observo o espelho a minha frente com atenção.
Respiro demoradamente enquanto analiso a minha própria imagem refletida em sua superfície.
O azul dos meus olhos é extremamente vívido e chamativo. Por outro lado, os olhos da residente Fortier são discretos, o seu azul é infinitamente mais delicado que o meu, e quase se aproxima do cinza. E, pela primeira vez, a cor da minha íris me incomoda profundamente.
Em seguida, coloco uma mexa do meu cabelo atrás da minha orelha, assim como a residente Fortier fez quando Scott mencionou o drink que ele está devendo a ela. Observo os cachos rebeldes que compõem o meu cabelo ruivo com um certo pesar.
E se eu o alisasse? Será que ele ficaria um pouco menos volumoso?
E se eu o pintasse de loiro? Será que eu seria tão bonita quanto...
Maggie pula sobre a pia e mia em alto e bom som, chamando a minha atenção e acordando-me para a realidade. A minha gata apoia a sua cabeça em minha mão, completamente manhosa.
– Por que Scott me ignorou hoje, Mag? – Pergunto a ela, afagando o seu pelo macio. – Ele consegue me tirar do sério até quando não dirige a palavra a mim.
E ela apenas mia em resposta. E eu rio, sem humor algum.
Pego-a em meu colo, sem ao menos me importar com todo o seu pelo grudando em minha roupa. Maggie olha para mim e, em seguida, ela esconde a sua cabeça em meu braço. De algum modo, ela entende que eu não estou feliz.
Então, dirijo-me ao meu pequeno e improvisado ateliê de pintura ao lado da sala de estar. É apenas um quartinho apertado cheio de telas anteriormente pintadas, manchas de tinta sobre o chão, centenas de pincéis e algumas fotos antigas sobre a parede. Respiro profundamente ao olhar todos os pequenos detalhes do meu lugar seguro.
Sorrio ao encontrar uma foto minha com Saturn, uma antiga amiga que me ajudou a enfrentar a leucemia que eu tive a dezesseis anos atrás, quando eu tinha apenas sete anos de idade. Ao lado dela, há uma fotografia minha e de Ocean de quando ele me ensinou a andar de patins em um parque de Toronto, nossa cidade. Abaixo dela, há uma foto do primeiro aniversário da filha de Ocean, Stella.
Mais ao lado, há uma fotografia minha na escola. Eu estava prestes a fazer nove anos de idade, e felizmente tinha sido curada da leucemia. O meu cabelo ruivo ainda estava curto e, como sempre, eu usava uma roupa lilás, a minha cor preferida. Jackson Hill aparece levemente borrado no fundo da foto, correndo com os seus amigos.
Lembro que neste dia Jackson Hill se escondeu atrás de uma árvore no parquinho para me assustar. E eu lembro da maneira como ele riu quando eu caí no chão devido ao susto. Depois disso, eu corri atrás dele.
– Oh garotinho difícil. – Eu suspiro, levemente. Decido finalmente colocar Maggie no chão, porque agora ela está inquieta em meu colo.
Por algum motivo, mais uma vez eu me lembro da conversa de Scott com a residente Fortier. Lembro da maneira como ele ao menos olhou para mim. Então, sento-me sobre um dos banquinhos e, por fim, encaro a tela branca a minha frente. Prendo o meu cabelo em um rabo de cavalo desajeitado e começo a pintar.
Pinto uma grande árvore separando um garotinho e uma garotinha.
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