Capítulo 3
Eu vejo que você chegou tão longe
Para estar exatamente onde você está
Qual é a idade da sua alma?
I Won't Give Up – Jason Mraz
– Você conheceu o novo residente? Scott? – É a primeira coisa que Hope, de apenas quinze anos e com diagnóstico de câncer de pulmão, pergunta ao perceber que eu adentrei a sala de quimioterapia.
– Infelizmente. – Murmuro ao me aproximar da garota que usa uma touca preta.
Faz apenas uma semana que os dois novos residentes chegaram no hospital Lemoine, mas sinto que Scott está aqui há um ano inteiro. Ele sempre impede a minha leitura matinal no ônibus por conta das suas implicações, sempre encontra um jeito diferente de me tirar do sério quando nos esbarramos pelo corredor e nunca perde a oportunidade de me provocar. Mas, aparentemente, os pacientes o amam.
– Ele passou aqui agora pouco para conversar com a família do Max... – Hope mantém a sua atenção no tablet em seu colo, que está transmitindo um jogo qualquer de hóquei no gelo, o esporte pelo qual a garota é fanática.
E é claro que eu percebo que Hope está fingindo não estar interessada no tópico Scott, quando ela claramente quer falar sobre ele.
– É mesmo? – Mantenho a conversa por educação. Sento-me no banco ao lado da sua poltrona cinza enquanto eu leio a sua ficha. A dose da sua medicação permanece inalterada, então, no mesmo instante, decido preparar o seu acesso.
– Ele é bonito... – Ela murmura enquanto continua mantendo a sua falsa atenção sobre o tablet, o que me faz querer rir do seu óbvio interesse nele. – Você não acha? – É o que ela pergunta no exato momento em que eu passo o algodão com álcool em seu braço.
– Acho. – Respondo em um único e tímido sussurro. Porque, por mais que eu odeie admitir, o playboyzinho é realmente muito bonito. – E ele é velho demais para você, Hope. – Decido cortar qualquer falsa esperança que a garota está alimentando pelo Scott.
– O quê? – Hope solta uma risada anasalada, o que chama a minha atenção.
Ergo o meu rosto em direção à garota, e a agulha em minhas mãos perduram no ar. Os meus olhos azuis encontram os seus, castanhos, que estão contornados por lápis preto, e ela ainda está sorrindo, como se eu não estivesse entendendo o real propósito daquela conversa.
– Eu sei que ele é velho demais para mim. – Ela finalmente decide me explicar. – Mas não é velho para você, Sun. – Ela sussurra a última parte com um sorriso malicioso preenchendo os seus lábios.
E eu não consigo ter qualquer outra reação a não ser rir. E rir alto, o que a obriga a me encarar de maneira completamente horrorizada e confusa.
– Garota, ele é um moreno bonito. – Hope coloca o tablet de lado para erguer as suas mãos em protesto. – E você é uma ruiva bonita. Qual o problema?
Ah, Hope. São tantos problemas. Tantos problemas. A começar pela personalidade extremamente duvidosa e absolutamente irritante do Scott, que é capaz de fazer o meu sangue borbulhar de raiva com a sua simples presença ao meu lado.
– O problema é que você está fugindo da sua medicação. – Aponto para a agulha em minha outra mão, que ainda aguarda o encontro com a sua pele.
A garota murmura alguma coisa e volta a prestar atenção em seu jogo de hóquei. E, quando eu finalmente consigo furar a sua veia e preparar corretamente o seu acesso, um xingamento baixo escapa dos seus lábios. Aparentemente, o seu time está perdendo.
A quimioterapia agora entra lentamente em seu sangue, e permanecerá assim por duas longas horas.
Então, dirijo-me ao Max, nosso paciente mais novo do hospital Lemoine, de apenas seis anos de idade, que também está sentado em sua poltrona cinza, aguardando a sua medicação semanal. Hoje ele está usando um gorro de tricô verde.
– Adorei a sua touca, Max. – Comento alegremente quando me aproximo do garotinho e da sua família, que o está acompanhando. Antes mesmo de esperar pela sua resposta, procuro pela sua ficha.
– Obrigado, enfermeira Sun. – Ele parece estar inquieto, como toda semana. Max odeia ficar sentado por horas durante o seu tratamento, exatamente como eu também odiava.
Ao encontrar a sua ficha, analiso todas as suas informações novamente, mesmo conhecendo cada mínimo detalhe do seu caso. Seis anos de idade. Tumor cerebral. 14mg/kg da sua quimioterapia. Espera um momento, 14mg/kg? A sua dose era de 18mg/kg.
– Está certo, Sun. – A mãe de Max me tranquiliza por um momento. – Ele diminuiu a dose.
Ele diminuiu a dose? Ele quem? Procuro rapidamente a assinatura do médico responsável por Max. E é obvio que a resposta simplesmente não pode ser diferente: J. Scott H. É claro que o charmoso residente Scott é o responsável por essa estupidez sem tamanho.
Após ser obrigada a aplicar a dose indicada em sua ficha – mesmo que eu tenha sérias e duras críticas quanto a mudança – dirijo-me apressadamente em direção ao centro cirúrgico, ignorando completamente todos os meus afazeres e pacientes que ainda preciso visitar nesta manhã.
– Oi, Sun. – O enfermeiro Luke me cumprimenta pelos corredores. Mas eu apenas o respondo com um breve e curto "oi" e continuo a minha caminhada, sentindo o sangue ferver dentro do meu corpo a cada pequeno passo que dou.
Ergo as minhas mãos e, então, empurro a porta do centro cirúrgico com força, fazendo-a abrir abruptamente. E lá eu encontro o playboyzinho idiota lavando as suas mãos, preparando-se para entrar em cirurgia. Ele ergue os seus olhos castanhos e curiosos em minha direção.
– Bom dia, lindinha. – Scott agora volta a sua atenção às suas mãos, como se a minha presença ali fosse insignificante.
– Você perdeu o juízo? – Esbravejo em alto e bom som, o que o deixa em estado de alerta. Escuto a minha alta voz ecoar pela pequena sala vazia. – O que você pensou que estava fazendo quando diminuiu a dose da quimio do Max?
– Eu não sabia que você também era formada em medicina. – Vejo-o sorrir ironicamente, ainda mantendo a sua atenção em seus dedos. – Sempre me surpreendendo, enfermeira Sun.
– Estou falando sério, Scott. Você está retardando o tratamento dele. – Cruzo os meus braços enquanto jogo o peso do meu corpo sobre a perna.
– Escuta, lindinha. Eu sou o médico dele, não você. – Por um segundo os seus olhos penetrantes analisam o meu rosto com atenção, e Scott está sério. Mas em momento algum eu me sinto intimidada. – Então, que tal você fazer o seu trabalho e parar de se intrometer no meu?
– Você não é o médico dele. – Friso a palavra médico, para que ele me entenda. – É apenas um residente que não sabe o que está fazendo. – Respiro profundamente e, por fim, ergo a minha sobrancelha em desafio. – Irei falar com a sua preceptora e ela irá afastá-lo do Max.
– Boa sorte com isso, enfermeira Sun. – Ele volta a sorrir largamente. – Porque ela apoiou a minha decisão acerca do tratamento dele. – Scott retira o pé do pedal e a torneira desliga.
E não demora até ele caminhar até mim, lentamente. Vejo-o se aproximar, o que me obriga a dar um pequeno e curto passo para trás, e, então, as minhas costas encontram a parede fria.
– Agora me deixe trabalhar. – Os seus olhos estão fixos nos meus. – Luva. – Ele aponta para a embalagem de luvas esterilizadas com a cabeça, pedindo silenciosamente para eu as colocar em suas mãos lavadas.
Até parece que eu irei obedecê-lo. Ao invés disso, faço um high five, e o maldito sorriso em seu rosto desaparece no mesmo segundo. Ops, sem-querer eu contaminei a sua preciosa mão. Então, Scott é obrigado a lavá-la novamente.
Ignorando completamente as suas murmurações, deixo para trás um Scott irado.
✿✿✿
"Hugo encontrou Camille parada no mesmo lugar de sempre, com um sorriso acolhedor que aqueceu o seu coração."
– Você é louca? – Escuto uma grave voz ecoar pela cantina do hospital no exato momento em que a porta é violentamente aberta. – Você realmente marcou um horário para falar com a minha preceptora?
Respiro profundamente, frustrada por mais uma vez ser obrigada a abandonar a minha leitura no meu horário de almoço. Então, ergo os olhos do livro de romance que está em minhas mãos e, parado em minha frente, está Scott de braços cruzados.
– Eu costumo cumprir a minha palavra. – Balanço a minha cabeça, levemente.
Pelo canto dos olhos eu vejo o enfermeiro Luke sorrir minimamente com a minha resposta. Gosto de almoçar ao seu lado porque, ao contrário de certos residentes, Luke não atrapalha as minhas leituras ou mesmo os episódios dos meus doramas.
– Aqui! – Scott joga dois blocos de papel na mesa ao lado do meu prato de comida já vazio.
Reviro os olhos lentamente, mas seguro os dois blocos de papel grampeados entre as minhas mãos. Por um momento, eu analiso o que está escrito em suas inúmeras páginas. São dois artigos científicos que provam que a diminuição da droga específica que Max está tomando aumenta a qualidade de vida do paciente, porque ele sentirá menos efeito colateral.
E há incontáveis anotações no rodapé das folhas, além de vários grifos com marca texto. Scott realmente estudou esses artigos.
– Engraçado. – Jogo os papéis de volta sobre a mesa, inclinando os meus ombros. – Por que você não imprimiu o estudo que afirma que diminuir a dose desse medicamento diminui a qualidade de vida a longo prazo? – Cito o estudo que li há semanas atrás, o responsável por me deixar tão nervosa pela manhã.
– A longo prazo! – Scott ergue as suas mãos, impaciente. – Estamos fazendo um tratamento de curto prazo com a quimio para prepará-lo para a cirurgia. E a melhor escolha é diminuir a dose. Max vai sentir menos náusea e menos fraqueza no processo.
Encosto-me sobre a cadeira, analisando-o minuciosamente. Pela primeira vez em uma semana, estou sem palavras diante do residente Scott, e eu encaro isso como uma dolorosa derrota.
– Então me desculpa se o residente que não sabe o que está fazendo está prezando pela qualidade de vida do garoto. – Ele se inclina em minha direção, demoradamente.
Nossos rostos estão próximos o bastante para eu sentir a sua respiração quente se chocar com a minha pele morna, o que me causa arrepios. Os seus olhos castanhos permanecem firmes em frente aos meus, e, de repente, a minha respiração se torna levemente irregular.
– Vai parar de se intrometer no meu trabalho agora, lindinha?
– Jamais. – Respondo com um sorriso mínimo em meus lábios.
E, estranhamente, eu percebo que Scott também sorri de maneira discreta antes de finalmente sair da cantina do Lemoine.
– Que cara idiota. – Luke comenta assim que o vê sair do nosso campo de visão. – Você está bem, Sun?
E eu apenas balanço a cabeça em negação.
– O desgraçado é um bom médico. – Admito, baixinho.
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