Capítulo 10

Camisolas de hospital nunca se encaixam como deveriam
Nós gritamos com a enfermeira, não fez nenhum bem
Long Way From Home – The Lumineers

Aproveito a rara e impressionante ausência de chamadas em meu bip para ir à sala de observação. Ao chegar lá, aproximo-me da parede de vidro para poder acompanhar a cirurgia de Max, o nosso paciente mais novo do Lemoine.

Seu corpo está coberto com um pesado pano azul, e sua cabeça é a única coisa exposta. Jackson e a cirurgiã chefe estão retirando cuidadosamente o tumor cerebral que o atormenta a meses. Há um silêncio ensurdecedor na sala de cirurgia.

Pela pequena tela, é possível observar perfeitamente a remoção. Um baixo apito ecoa pela sala, e a anestesista logo se levanta para desativar o som.

– Falta muito para acabar? – A anestesista pergunta, de repente. Alguns instrumentadores ao seu lado analisam o monitor com curiosidade e preocupação. Um deles ergue o seu olho em surpresa.

– Algumas horas. – Jackson murmura, ainda mantendo-se atento à retirada delicada e arriscada.

Aperto os meus olhos em sua direção. Estou na sala de observação, relativamente longe dele, mas é notório que as suas mãos estão levemente trêmulas. E aquilo me chama a atenção, porque eu nunca o vi tremer antes.

– Os batimentos cardíacos estão acelerados demais. – Ela alerta ao resto da equipe de cirurgia, e todos eles viram o rosto em sua direção, exceto Jackson.

– Então dê um betabloqueador para diminuir os batimentos. – Ele dá de ombros, sem dar qualquer importância para a observação da mulher. Jackson obviamente está pressionado por conta da cirurgia.

– Metoprolol. – A cirurgiã finalmente diz o nome do remédio que precisa ser administrado.

Ela rapidamente procura pelo frasco do medicamento em seu limitado estoque, mas outro apito ressoa no monitor ao seu lado. As pessoas próximas observam novamente a máquina que indica os batimentos cardíacos. Algo está errado. Algo está muito errado.

– Que droga, desliga esse som! – Jackson aumenta o seu tom de voz.

– Ele vai ter uma parada cardíaca. – A cirurgiã chefe vira a sua cabeça para o lado e, então, sem dizer qualquer outra palavra, larga os seus instrumentos sobre a mesinha ao seu lado, friamente. – Cadê o Metropolol? – Ela pergunta ao restante da equipe.

A mulher finalmente encontra o frasco do medicamento e, em seguida, puxa a seringa para aplicar o fármaco em Max. Mas o barulho irritante da máquina que monitora os seus batimentos agora ecoa um som agudo e contínuo.

Max está tendo uma parada cardíaca.

O restante da equipe cirúrgica presente no local se movimenta rapidamente, e Jackson se afasta do corpo do garoto. É visível a confusão e o medo dominarem cada milímetro dos olhos de Jackson Scott.

Dois homens fortes retiram apressadamente o pano azul esterilizado que cobre o corpo de Max e, no mesmo instante, iniciam a massagem cardíaca enquanto outras pessoas preparam o desfibrilador.

– Cadê a merda do desfibrilador? – O homem que está realizando a massagem diz ao sentir a exaustão consumir a sua mão.

– Se afasta! – Jackson ordena ao seu aproximar com o equipamento em mãos. É possível ouvir o agonizante barulho do desfibrilador carregando. Quando o homem finalmente se afasta, Jackson o descarrega no peito de Max.

O corpo do garoto se move minimamente com toda a descarga elétrica que foi recebida, mas o som contínuo no monitor ao seu lado revela que o seu coração ainda está parado. No mesmo segundo, um homem se aproxima para continuar a massagem cardíaca. E, após um minuto, é visível pequenas gotículas de suor escorrer pela sua testa.

– Troca! – Ele pede, exausto. Outra pessoa deve assumir a massagem e, para a surpresa de todos, é Jackson quem assume a responsabilidade.

Após dois minutos, não há atividade alguma no coração de Max.

– Recarrega de novo! – A voz de Jackson é autoritária. Novamente o som do equipamento recarregando ecoa pela sala, e é um pouco mais alto. – Afasta.

O corpo de Max se movimenta mais uma vez com toda a descarga. E, pela primeira vez, dois batimentos seguidos surgem em seu pequeno coração, o que faz toda a equipe suspirar em alivio. E eu solto todo o ar preso em meus pulmões.

Mas o som contínuo volta a nos atormentar. Jackson e a cirurgiã chefe olham com demasiada preocupação um para o outro, enquanto o restante da equipe observam o monitor. O coração de Max ainda não voltou a bater.

Outra pessoa assume a massagem cardíaca enquanto a cirurgiã se movimenta rapidamente para administrar 1mg de Epinefrina. Mas ainda não há sucesso algum na ressuscitação do garoto.

– Recarrega de novo! – Jackson volta a ordenar. O som é ainda mais alto que da última vez, porque a quantidade de Joules é aumentada. – Afasta. – Ele repete ao se aproximar do corpo de Max.

Completamente aflita, eu ando de um lado para o outro enquanto todos os presentes na sala de cirurgia se alternam entre a massagem cardíaca e o uso do desfibrilador. Longos e intermináveis minutos se arrastam enquanto a equipe faz o possível e o impossível para reverter a parada cardíaca de Max.

E, em determinado momento, a cirurgiã chefe diz:

– Já se passou mais de 35 minutos. – E ela subitamente se afasta do corpo sem vida de Max.

– Afasta! – Jackson mais uma vez descarrega o desfibrilador sobre o peito avermelhado do garoto. O seu corpo treme, mas simplesmente não há batimento algum.

– Scott, já se passou 35 minutos. – A cirurgiã chefe toca delicadamente o seu ombro, chamando-o para si.

Mas Jackson Scott apenas inclina o seu ombro para o lado, desviando-se da mulher. Ele inicia novamente a massagem cardíaca, sozinho. Todos as demais pessoas estão exaustas, sem esperança alguma. E ele é o único a persistir.

As mãos de Jackson tremem de cansaço, e o suor do seu rosto escorre lentamente pela sua testa. Ele continua a fazer a massagem cardíaca, e há dolorosas lágrimas em seu olho.

– Não vale a pena insistir, Scott. Se ele voltar, haverá sequelas permanentes. – A cirurgiã tenta o afastar, sem sucesso algum.

– Mas ele vai voltar! – Jackson protesta, sem perder o ritmo constante da massagem. Há dor em sua voz. – Max não pode morrer. Não pode. Ele confiou em mim.

– Scott, para! – Agora ela ordena, afastando as suas mãos do corpo de Max. – Hora da morte 4:37PM.

Jackson passa as mãos sobre os seus próprios cabelos, derrubando a touca de proteção que ele usava. Os seus olhos estão levemente arregalados, perdidos em algum lugar entre os seus pensamentos. Percebo que a sua respiração está pesada e irregular. O sangue seco de Max ainda está em sua roupa.

E, sem dizer mais nada, Jackson Scott saí apressadamente da sala de cirurgia. E eu não demoro para descer as escadas da sala de observação para o encontrar. Mas, ao chegar no andar de baixo, vejo somente o seu avental e luvas no lixo.

Corro rapidamente pelos corredores do hospital, procurando-o por todos os cantos daquele gigantesco hospital. Mas eu não o encontro em lugar algum.

E, então, resolvo subir ao telhado do Lemoine, que tem o acesso restrito aos funcionários. Porque foi neste exato lugar que eu fui quando perdi o meu primeiro paciente. E eu respiro aliviada ao encontrá-lo sentado sobre o chão cimentado do telhado do hospital.

Jackson Scott Hill está encolhido no canto, próximo à mureta. Os seus dedos abraçam os fios escuros do seu cabelo, e a sua mão ainda treme. Lágrimas escorrem pelo seu rosto, sem descanso algum, e os seus olhos castanhos estão avermelhados.

– Jack... – Chamo-o.

– Sei que fui hipócrita. – Ele se refere ao fato de, dias atrás, brigar comigo por estar envolvida demais com Hope, quando, na verdade, ele estava envolvido demais com Max. – Eu realmente não quero ouvir o seu sermão, Violet. – Ele abaixa o seu rosto para que eu não o veja chorar. Em seguida, ele balança as mãos, pedindo para que eu saia dali.

Mas eu nunca gostei de o obedecer. Por isso, eu apenas me aproximo lentamente dele. Ajoelho-me ao seu lado e, pela primeira vez, abraço-o delicadamente. Jackson parece relutante no início, mas retribui ainda mais intensamente, abraçando-me fortemente.

E ele afunda a sua cabeça em meu pescoço, onde posso sentir as suas lágrimas quentes encontrarem a minha pele fria. O seu corpo inteiro treme entre os meus braços. Eu nunca o vi chorar.

– Ele só tinha seis anos, droga. – A sua voz está embargada. – Seis anos. E ele morreu na minha mesa de cirurgia.

– Não foi sua culpa, Jackson. – Afago as suas costas, calorosamente. – Você fez tudo o que podia ser feito. – Afasto-me dele e observo os seus olhos castanhos com atenção. – Não foi sua culpa. – Enfatizo.

Ele se encosta sobre a mureta, respirando profundamente. Mas as lágrimas continuam caindo dos seus olhos.

– Eu também vim aqui quando perdi o meu primeiro paciente, sabia? – Digo após um tempo, observando o nosso redor.

– A dor vai embora? – Ele pergunta, com os olhos fechados.

– Não. – Balanço a cabeça, levemente. E eu sou mais honesta do que gostaria neste momento. Mas a verdade é essa. Nunca nos acostumamos com a perda de um paciente, e sempre irá doer em nosso coração, eternamente. A diferença é que aprendemos a lidar com essa dor. Aprendemos a torna-la humanamente suportável.

Jackson passa as mãos em seu cabelo escuro mais uma vez. Ele ainda parece perdido. Ainda parece arrasado, quebrado da pior forma possível.

– E o que você fez depois de sair daqui? – Ele direciona os seus olhos para mim, e eles estão completamente vazios.

– Fui beber. – Sorrio, tristemente. – Vem comigo, conheço o lugar ideal.

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