𝐶𝐴𝑃𝐼́𝑇𝑈𝐿𝑂 𝑆𝐸𝐼𝑆
Benício e eu nos acomodamos na varanda ensolarada, envolvidos pela tranquila tarde. Minha cadeira de rodas ocupava seu espaço habitual, enquanto ele se ajeitava graciosamente em um rústico banquinho de madeira. Os raios do sol acariciavam gentilmente nossos rostos, e a brisa suave trazia consigo um ar de possibilidades e sonhos.
Inclinando-me em direção a ele, fui tomado por um entusiasmo contagiante.
— E se, daqui a alguns anos, olharmos para trás e recordarmos este momento? O que você gostaria de sentir? — perguntei, minha voz carregada de curiosidade e esperança.
Ele sorriu, levantou o olhar para o horizonte e pareceu buscar inspiração no céu.
— Minha alma anseia por desbravar o mundo ao lado do meu passarinho. — respondeu, seus olhos brilhando com uma chama interna.
Minha risada ressoou no ar, ecoando pensamentos de aventuras mirabolantes que poderíamos vivenciar nessa jornada sem rumo.
— Mas e se você se perder nas encruzilhadas do mundo e nunca mais retornar? — questionei, tentando imaginar os cenários possíveis.
Ele riu, carregado da ousadia de um visionário.
— Bem, nesse caso, será uma eterna viagem! E eu estaria em boa companhia. Mas, é claro, se a saudade bater forte, não hesitarei em voltar para casa.
Nossa conversa então tomou um rumo inesperado. Curioso, mergulhei mais fundo.
— E sobre aquele alguém que você parece digitar com tanta inspiração? Então, é seu passarinho? — indaguei, minha curiosidade crescendo a cada momento.
Ele pareceu perder-se por um instante, deixando um silêncio tênue pairar no ar. Seu olhar se perdeu nas nuvens, como se ele buscasse nos matizes do céu as palavras que descreveriam esse sentimento. Após um momento, um suspiro escapou de seus lábios e um sorriso verdadeiro iluminou seu rosto.
— É ele mesmo. Meu namorado, Be Dois. — exclamou, com uma expressão que cativava a atenção.
— Esse passarinho tem nome? — perguntei, tentando desvendar o mistério e aumentando ainda mais minha curiosidade.
Benício me fitou com intensidade, sua expressão repleta de ternura.
— Sim, tem! — disse com os olhos brilhando. — Ele se chama Henrique. Um passarinho que encontrou refúgio no meu ombro e, de certa forma, fez lar no meu coração.
Ele continuou a narrativa, lembrando-se das promessas, das brincadeiras compartilhadas e das risadas trocadas. Falou das poesias que seu "passarinho" escrevia, dos gestos de carinho que os uniam e do quanto era protetor e resiliente.
Eu estava tão envolvido na narrativa dele que não consegui interrompê-lo. Cada detalhe parecia essencial para entender completamente a história. Seus gestos acompanhavam suas palavras, dando vida ao que dizia. Era como assistir a um filme romântico, com ele de protagonista da sua própria história de amor. Quando ele finalmente concluiu, nossos olhares se cruzaram. Seus olhos heterocromáticos brilhavam com emoção, tingidos com uma pitada de melancolia.
— Eu nem desconfiava que você era gay. — comentei, deixando escapar minha surpresa.
— Isso muda algo para você? — perguntou, com um tom de leve apreensão.
Refleti por um momento, e uma enxurrada de emoções logo preencheu meus pensamentos. Por um lado, pus-me a pensar na minha própria sexualidade; por outro, a ideia de Benício enfrentar possíveis desafios por ser gay naquele lugar preocupava-me profundamente.
— Não, Beni. Foi apenas uma observação. Nossa amizade permanece inalterada. Mas, sabe, eu me preocupo com você. Na sua convivência na clínica, lidando com essas pessoas. Algumas podem não ser tão compreensivas quanto eu e acabar magoando você. — disse, minha voz carregando uma mistura de cuidado e preocupação genuína.
— Fico aliviado em ouvir isso. E você sabia que ele adoraria conhecê-lo e, quem sabe, tornar-se um amigo querido? — disse, com um sorriso aliviado, dissipando toda a preocupação.
— Duvido que alguém, além de você, esteja ansioso para conhecer o recluso jardineiro que habita em mim. — arqueei uma sobrancelha em tom de brincadeira.
Ele riu, então seu olhar voltou para o celular, seus dedos dançando sobre a tela com agilidade e entusiasmo. Era como se sua paixão e energia se estendessem até mesmo ao dispositivo em suas mãos.
Deixei "Be Um" digitar livremente enquanto minha atenção vagava pela varanda e além. A brisa suave carregava o perfume das flores. O zumbido das abelhas me fez relaxar e fechar os olhos por um instante, permitindo que a sensação revigorante me envolvesse.
— Sabe, Beni... — murmurei, com um sorriso que se desenhava lentamente em meus lábios, como as pinceladas de um pintor ao criar sua obra-prima. — Enquanto você compartilhava a história do seu amado e descrevia essa paixão ardente, algo notável tomou conta de mim.
— E o que é? — sua voz trazia uma pitada de curiosidade, e os cantos de sua boca curvaram-se em um sorriso.
— Fui tomado por um insight, uma epifania, como se um véu tivesse sido delicadamente retirado dos meus olhos.
O olhar que trocávamos agora era mais profundo, como se compartilhássemos um segredo que só nós compreendíamos, como dois irmãos. Continuei, ao passo que ele se interessou pelo meu devaneio:
— É como se cada obstáculo, por mais aparentemente insuportável que seja, se tornasse apenas um momento de aprendizado e superação.
Minhas palavras fluíam agora com um ritmo poético, como se estivesse recitando versos de um poema inspirador.
— Be Dois, você consegue enxergar além do que muitos nem sequer notam. — Benício balbuciou, sua voz tocada por uma mistura de respeito e gratidão.
— Às vezes, a beleza mais profunda se esconde nas entrelinhas da vida cotidiana, esperando que a descubramos com olhos atentos e corações abertos.
Meus olhos encontraram os dele, e um entendimento mútuo parecia fluir entre nós, como um rio tranquilo da amizade verdadeira.
Ele ergueu os olhos do celular para me encarar, e seu sorriso se ampliou ao ouvir minhas palavras.
— É verdade, Be Dois. A beleza reside em cada canto, basta olharmos com corações abertos. Mas, voltando ao assunto sobre o meu passarinho, ele está realmente ansioso para te conhecer.
— Nesse caso, diga a ele que será um prazer conhecê-lo quando ele tiver a oportunidade de te visitar.
— Bem... na verdade, ele não poderá vir, mas vocês podem começar a conversar pelo celular ou computador. O que você acha? — disse, sorrindo, claramente esperando que eu aceitasse o convite.
— Está ótimo, então! Diga ao Henrique que ficarei feliz em conversar com ele.
— Tenho um pressentimento de que vocês vão se tornar grandes amigos... — sussurrou, voltando sua atenção para as teclas do celular.
Enquanto a tarde se desenrolava, continuamos rindo, compartilhando histórias e sonhos, ambos mergulhados em nosso próprio mundo de imaginação. Conforme o sol começava a se pôr, uma sensação de esperança renovada tomou conta de mim, oferecendo um vislumbre do que o futuro poderia conter.
Total de palavras: 1091
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