𝐶𝐴𝑃𝐼́𝑇𝑈𝐿𝑂 𝑆𝐸𝑇𝐸


       A noite desceu como um véu silencioso, trazendo consigo uma orquestra de chuva intensa que compunha uma melodia melancólica nas janelas. As gotas grossas dançavam uma coreografia hipnótica, como lágrimas de um céu em luto, enquanto eu me encontrava mergulhado em um turbilhão de dor, herança cruel da cirurgia. Minha irritação, já fervilhando sob a superfície, transbordou como um rio em fúria, transformando-me em uma nuvem tempestuosa de frustração.

Olhava pensativamente para o horizonte através da janela da clínica psiquiátrica, sentindo que as vozes retornariam como um vendaval dentro de mim. O céu estava nublado, refletindo perfeitamente o caos interno que me assolava.

— Olá, como você está se sentindo hoje? — perguntou José, aproximando-se com um sorriso gentil que não conseguia ocultar completamente a preocupação em seus olhos azuis.

— Não muito bem, para ser sincero. Parece que minha mente está constantemente em turbulência, como um mar agitado. — suspirei, sem conseguir desviar o olhar do céu cinzento.

Ele examinou os curativos com cuidado, verificando se estava tudo conforme o esperado. A cada toque leve e profissional, sua preocupação era evidente, contrastando com a impessoalidade dos procedimentos médicos.

— Entendo como pode ser difícil lidar com essa agitação interna, Mendez. Às vezes, nossos pensamentos podem parecer uma tempestade que não quer acalmar. Mas estou aqui para te ajudar a navegar por isso. — disse ele, com um tom de voz que era, em simultâneo, firme e reconfortante.

Na clínica, era comum chamar os pacientes pelo sobrenome, mas na boca dele, "Mendez" soava quase como um nome de guerra, um lembrete da batalha constante que eu enfrentava.

— Parece que nada que eu faça consegue silenciar essa tempestade! Suas palavras são gentis, mas a tranquilidade parece inatingível para alguém como eu! Por mais que você tente, parece um murmúrio diante deste redemoinho de vozes gritando ao mesmo tempo! — explodi com mais intensidade, sentindo a frustração transbordar.

Ele se aproximou da minha cama, sentando-se ao meu lado. Era a única alma gentil que trabalhava naquele lugar. Parecia mais um anjo entre demônios. Percebi sua frustração, pois sabia que acabaria tratando-o mal em algum momento. Isso só piorava ainda mais a situação.

— Sei que pode parecer assim, mas acredite em mim, você não está sozinho nessa jornada. Às vezes, precisamos de um pouco de ajuda para acalmar as águas tumultuadas. Hoje, por exemplo, trouxe uma combinação de analgésicos e calmantes que podem proporcionar alívio temporário, tanto físico quanto mental.

— Ou seja, vai me dopar! — respirei fundo, sentindo a ironia em minhas palavras. — E se esse alívio for apenas temporário? Se a tempestade voltar com ainda mais força? Se eu acabar sendo violento?

— São muitas questões para sua mente processar, não? É natural ter essas preocupações, Mendez. Cada momento de alívio importa. Durante esses momentos, podemos explorar maneiras de cultivar a tranquilidade duradoura. Talvez, além da medicação, você possa experimentar técnicas de relaxamento, como meditação ou respiração profunda. Também estou aqui para conversar, se quiser compartilhar seus pensamentos e sentimentos. — disse, com um leve sorriso. - E não consigo imaginar você sendo violento comigo, mesmo que tente.

— Não duvide...

Olhei para ele, uma mistura de desespero e esperança nos meus olhos.

— Aprecio sua paciência e dedicação, mesmo quando estou sendo... bem, amargo. Meu medo é começar a piorar. Mas meu problema simplesmente não desaparecerá com uma simples meditação.

Ele colocou a mão no meu ombro, um gesto de solidariedade que parecia carregar o peso de todas as minhas dores.

— Entendo que momentos de amargura fazem parte do processo. Acredito que, com paciência e determinação, podemos ajudar a acalmar essa tempestade gradualmente. E lembre-se, Mendez, a tempestade não define quem você é. Você é mais que seus momentos de turbulência. Até as piores tempestades se curvam diante da bonança.

Sua voz, cheia de empatia e força, penetrava as camadas de escuridão que me envolviam. Por um momento, senti um vislumbre de esperança, como se a presença dele pudesse realmente fazer diferença na minha batalha interminável. E talvez, só talvez, a serenidade que ele prometia não fosse uma ilusão.

Naquele momento, meu olhar se perdeu nas distantes fronteiras do horizonte, como se as palavras fossem grilhões que eu temia quebrar. As lágrimas que ameaçavam deslizar pelo meu rosto eram testemunhas silenciosas da tormenta que rugia em meu peito. Eu sabia que, se permitisse que as palavras fluíssem, elas seriam apenas folhas secas, varridas pelo vento da indiferença.

— A vida nos reserva surpresas, Mendez, e algumas delas podem vir de onde menos esperamos. Mantenha a fé, mesmo quando tudo parecer perdido. Você precisa acreditar mais em você. — sorriu, levantando de onde estava. — Agora, tente repousar. Virei mais tarde, para ver como você está.

Saiu, me deixando na companhia de meus pensamentos. O repicar das gotas na janela do quarto criava uma trilha sonora única, como se cada uma delas sussurrasse segredos sobre as profundezas da noite. A sombra projetada no chão, resultado da dança entre a luz e a chuva, hipnotizava meus sentidos, transportando-me para um mundo de reflexões serenas. Eu me perdia na contemplação da jornada dessas lágrimas do céu, deslizando pela superfície do vidro antes de desaparecerem, como se carregassem consigo fragmentos das minhas próprias inquietações.

Em dias sombrios, minha mente se transformava em um sinistro campo de batalha, onde as vozes agonizantes clamavam incessantemente por atenção, e, como soldados implacáveis, dominavam meus pensamentos. A dor latejante em minha cabeça se intensificava, tornando-se uma presença opressiva que eu tentava desesperadamente afastar, mas que teimava em me abraçar como uma sombra gélida. Batidas inúteis com as mãos e músicas estridentes nos meus ouvidos não passavam de meros sussurros em meio à cacofonia ensurdecedora de instruções e demandas que pareciam emanar de uma entidade invisível e insaciável. A pressão constante no meu peito era sufocante, cada comando interno se transformando em um grito que reverberava por todo o meu ser, confundindo minha própria identidade. Meus pensamentos eram um redemoinho caótico, cada um lutando por atenção, como uma multidão em pânico tentando escapar de um incêndio.

Eu me sentia aprisionado, cativo de uma mente que não me dava trégua, as vozes internas dominando cada espaço da minha consciência. Era como se uma força sombria e insaciável estivesse exigindo mais de mim do que eu poderia dar, absorvendo toda a minha energia e deixando-me à beira do colapso. Meus esforços para encontrar alívio eram inúteis, apenas um eco distante contra o barulho ensurdecedor que preenchia cada canto da minha mente. A sensação de impotência era avassaladora, um lembrete constante da minha fragilidade diante dessa batalha silenciosa e implacável.

Às vezes, eu me perguntava se haveria um momento de paz, um instante fugaz em que as vozes seriam silenciadas e eu poderia simplesmente existir, livre das amarras invisíveis que me prendiam. No entanto, essa esperança era frequentemente eclipsada pela realidade implacável da minha condição, uma jornada marcada por altos e baixos, avanços e retrocessos, como uma dança interminável entre luz e sombra.

Meus dias eram uma sucessão de desafios, cada um mais exigente do que o anterior, testando minha resistência e determinação. Cada pequena conquista era uma vitória pessoal, um lembrete do poder da resiliência e da vontade de superar obstáculos aparentemente insuperáveis. Porém, esses momentos de triunfo eram frequentemente seguidos por uma sensação de vazio, lembranças dolorosas das batalhas ainda não vencidas e dos desafios que aguardavam à frente.

Na quietude da noite, eu encontrava um refúgio temporário, um santuário de paz onde as feridas da batalha podiam começar a cicatrizar. Era um momento de introspecção, de contemplação silenciosa, onde eu podia me comunicar comigo mesmo e com o mundo ao meu redor. À luz das estrelas, encontrava respostas para perguntas não formuladas, descobrindo verdades ocultas nas sombras da minha mente.

Total de palavras: 1287

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top