𝐶𝐴𝑃𝐼́𝑇𝑈𝐿𝑂 𝑄𝑈𝐴𝑇𝑅𝑂
No cenário sereno do meu jardim, onde encontro refúgio para minha alma, a alegria florescia como um segredo bem guardado. Era um santuário onde cada flor exalava um perfume doce que envolvia meus sentidos. Ali, eu me sentia explorando as emoções delicadamente, acariciando as pétalas com dedos curiosos, como quem explora as notas de um piano especial. Nesse mundo de cores e formas, eu me perdia em um transe sensorial, onde as sensações dançavam como borboletas ao vento. Até as mil vozes se calavam em reverência.
Entretanto, um desses momentos de êxtase foi interrompido de maneira inesperada e indesejada. Dois dos pacientes mais violentos adentraram meu paraíso pessoal, e o esplendor das flores pareceu diminuir diante de suas presenças, como se a própria natureza reconhecesse que algo estava fora de lugar. Meus olhos se estreitaram, e meu coração se encheu de desconforto ao ver suas pegadas desrespeitosas sobre as preciosas flores.
É interessante como a invasão de estranhos pode perturbar profundamente a tranquilidade de um lugar que consideramos nosso. Muitas vezes, esses momentos nos desafiam a proteger o que valorizamos e a encontrar uma maneira diplomática de lidar com intrusos indesejados. E foi exatamente o que aconteceu naquele instante. Minha voz, uma chama de indignação, rompeu o silêncio do jardim:
— Teriam a gentileza de afastar seus lindos pés imundos das minhas flores? Essas solas ordinárias estão profanando minhas pequenas!
Uma risada zombeteira escapou dos lábios deles, como notas dissonantes em uma melodia perfeita. Era como se rissem da minha ligação com aquele lugar sagrado.
— Estamos profanando suas pequenas? E quem vai nos impedir? Você? Vai chamar um dos enfermeiros, mocinha?
Ao ouvir as chacotas de ambos, uma fagulha que eu havia sufocado por muito tempo se acendeu, incendiando meu âmago. Tentei de todas as formas, controlar esse meu lado e com uma lentidão calculada, ergui-me, deixando cair à terra que grudaram em minhas mãos, e fixei meu olhar no mais insolente deles. Repeti minhas palavras, agora carregadas de ódio e determinação férrea:
— Vou repetir devagar, pois acho que os dois energúmenos, além de burros, são surdos também. Removam, agora, suas patas emporcalhadas deste meu recanto de paz! — berrei, fechando os punhos.
— Espera! Eu ouvi direito? Ele nos chamou de quê? — disse o maior, virando a cabeça para seu colega.
— De energúmeno, Valdir! E surdo! — respondeu, lambendo os lábios em escárnio.
— Caiam fora, idiotas desmiolados! Saiam do meu jardim, seus malucos desgraçados, comedores de cocô!
Minhas palavras explodiram no ar, cortando como lâminas afiadas. E então, num gesto carregado de fúria contida, avancei com determinação implacável, agarrando um deles, num abraço súbito e firme, como quem tenta conter uma tempestade. A surpresa estampada no rosto do outro, momentaneamente atordoado, logo se converteu em reação instantânea. Contudo, minha ousadia não tardou a se chocar contra a dura realidade, e me vi lançado ao solo, vítima de um confronto que minha determinação não pôde prever.
— O que foi que você disse? Quer morrer, idiota? Tá pensando que pode mandar em mim, florzinha? — proferiu as palavras, aproximou-se tanto do meu rosto que pude sentir seu hálito amargo e repugnante, ao passo que sua saliva esguichava em meu rosto.
— Sai de cima de mim, seu retardado! — gritei, me remexendo, tentando me libertar.
— Não sei o que é esse energu-alguma-coisa, mas vou fazer você engolir tudo de volta!
Ele saiu como um raio, e com brutalidade, começaram a me chutar em uma tormenta de força e violência que me consumia como um furacão. Cada chute era como o golpear de um martelo, e a agonia dolorosa se espalhava em todas as fibras do meu ser. Entre gemidos agudos de dor, vislumbrei o abismo da rendição, acreditando que a vida estava prestes a me escapar.
— É isso mesmo, Valdir! Pega ele, cara! Pega esse imbecil! — gritou o outro, empurrando-me de volta ao chão enquanto eu tentava me erguer. — Vamos ensinar a ele uma lição!
Chutes implacáveis atingiam minhas costelas, pernas e cabeça. O sabor metálico do sangue invadiu minha boca, e minha visão começou a turvar. Os gritos de dor se transformaram em gemidos abafados enquanto meu corpo cedia à brutalidade. Eles continuavam, impiedosos, e eu podia sentir cada impacto como se meu corpo estivesse se despedaçando por dentro. Eu conseguia ouvir os gritos e aplausos a minha volta, sem forças para me reerguer.
Foi então que, no meio daquele inferno, uma luz redentora rasgou a escuridão. Benício surgiu, tal qual um anjo enviado por deuses benevolentes, ergueu-se contra um deles e, com socos e mordidas, afastou um dos agressores. A luz do sol trespassou minhas pupilas dilatadas de dor, e gritos de revolta ecoaram em harmonia com a trilha sonora do caos. Com os olhos marejados de gratidão e o coração batendo descompassadamente, ergui-me do solo, testemunhando meu amigo com punhos destemidos, tentando me defender a todo custo.
Movido por uma coragem que eu nem sabia possuir, limpei o sangue e terra dos lábios e lancei-me como um cometa em direção às costas do segundo agressor, agarrando-me a ele com a fúria de um leão acuado. Um arranco de desespero fez-me morder sua orelha, como um ato instintivo de sobrevivência. Um grito de surpresa e dor misturou-se ao tumulto, ecoando pelo jardim como um apelo à razão.
— Ah! Maldito, filho da p#t@! — urrou o agressor, suas palavras carregadas de raiva pura, enquanto se contorcia para se soltar de mim, enquanto Beni ainda se debatia com o outro, a violência palpável no ar aumentando a cada segundo.
E então, como uma voz impondo ordem sobre o caos, uma autoridade indiscutível fez-se ouvir:
— Basta! Já chega com isso! O que vocês pensam que estão fazendo? Isso tem que acabar agora, seus arruaceiros! Parem imediatamente! Vocês vão ficar aí parados, idiotas? — exclamou, dirigindo-se aos enfermeiros. — Separem esses loucos de pedra! Meu Deus! Odeio este trabalho!
Mãos enérgicas nos separaram, num rompante de humanidade restaurada, pertencentes aos enfermeiros que, em sua própria maneira distorcida, haviam participado como espectadores sádicos de toda a cena.
Levados à enfermaria, fomos submetidos a exames minuciosos, onde minha dor, tão aguda quanto um punhal cravado em meu flanco, tornou-se o foco principal. Mas, mesmo sob a opressão da dor, não pude deixar de expressar minha profunda gratidão a meu xará Benício, um herói inesperado que me resgatou das garras daqueles desordeiros.
— Meu amigo, sou eternamente grato por este ato de valentia. Sem você, a minha desventura de hoje acabaria comigo de vez! Eu não passaria de uma sombra! Muito obrigado!
Ele, apesar da dor, sorriu com sinceridade e uma sensação profunda nasceu entre nós, uma aliança singular emergindo da resiliência compartilhada. Os apelidos "Beni Um" e "Beni Dois" floresceram em minha mente, uma forma de refletir a unicidade dessa amizade, desafiando estatísticas e forjando laços indestrutíveis. Uma conexão fortalecida no inesperado, e temperada com a virtude que só os verdadeiros heróis possuem.
— Como eu poderia deixar o meu único amigo aqui, sofrer nas mãos daqueles nojentos? Senti um calor no rosto e não consegui ver mais nada pela frente!
— Pelos deuses... Chamei eles de comedores de cocô. — murmurei.
Meu amigo gargalhou, apesar dos arranhões e do olho roxo. Forcei um sorriso, mais um arremedo do que algo genuíno. Uma dor alucinante queimava minhas costas, impedindo-me de respirar normalmente. Foi então que percebi o sangue grosso jorrando pela boca em uma golfada repentina, como se minha própria vida estivesse escorrendo.
Fui levado às pressas para exames, deixando meu xará com os olhos arregalados em desespero nítido e um enorme medo palpável.
Total de palavras: 1265
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