7 - Cobaia

Fico arrepiado quando escuto seu nome, penso em você mas não é a mesma coisa. Não vou estar satisfeito até estar sob sua pele.
Shiver - Maroon 5

Pouco mais de uma semana havia se passado, o carro de Diana já havia sido consertado – e Gael tinha razão, o problema era a bateria – e sua vida voltava ao normal. Os coques milimetricamente penteados voltaram a lhe causar dor de cabeça dia após dia, assim como o excesso de maquiagem entupia seus poros e causava algumas espinhas.

A rotina que conhecia há anos e que deu uma trégua no momento em que atropelou Gael voltou a se fazer presente pois depois que ele a deixou em casa naquela sexta-feira os dois não voltaram mais a se falar ou a se encontrar, então mais uma vez Diana atendia o noivo em sua porta em um daqueles dias em que gostaria de ficar sozinha após um longo expediente no escritório.


– Boa noite, princesa.


Maurício a beijou e a entregou um buquê de flores. Diana ignorou o "princesa" e tentou soar contente ao respondê-lo, mas estava cansada demais para isso. Aceitou o arranjo de cravos coloridos e procurou algum jarro para colocá-los enquanto seu noivo tirava o paletó e seguia até o sofá, já descalçando os sapatos sociais e ligando a televisão.


– Obrigada pelas flores – Diana sorriu ao sentar ao lado do noivo – Qual a ocasião?

– Nenhuma – ele passou o braço por seu ombro e a trouxe para mais perto – Não preciso de motivos para dar flores para a minha noiva, mas sua casa precisa um pouco mais de vida, quase não tem decoração aqui – olhou ao redor e voltou a se concentrar na televisão.

– Ah, claro, assim como o meu escritório.


Diana forçou um sorriso e se lembrou do vaso seco em sua sala. As flores que havia acabado de ganhar eram lindas, mas ela sabia que teriam o mesmo triste fim que as de seu escritório. Não que não gostasse delas, mas simplesmente não sabia cuidar. Não tinha tempo para cuidar. Já havia perdido as contas de quantos buquês jogou fora poucos dias depois de ganhar ao longo dos sete anos de relacionamento, mas seu noivo continuava a presenteando sempre que via que o arranjo anterior não existia mais.

Aninhada no abraço de Maurício, Diana escolhia algum filme em uma das plataformas de streaming disponíveis. Dificilmente os dois se interessavam pelo mesmo gênero e sempre depois de muita discussão para decidirem o que assistir, ela cedia aos interesses de seu noivo. Ele deu o play em algum filme de ação barulhento e concentrou-se na televisão enquanto ela tentava se interessar pelo enredo.

O filme de quase duas horas de duração acabou, para o alívio de Diana. Perseguições de carros, bombas, tiros, explosões em efeitos visuais exagerados e mocinhas indefesas que se apaixonam perdidamente pelo homem alfa e musculoso que vivem para protegê-las nunca a atraíram, então por mais que tentasse se interessar pela trama, a tela de seu celular procurando por algo para comer parecia mais interessante. Maurício também focou sua atenção em seu smartphone enquanto os créditos passavam pela tela da televisão.


– Pedi comida chinesa pra gente – Maurício bloqueou a tela e a abraçou.

– Você sabe que comida chinesa me faz mal – Diana se afastou do abraço.

– Bobagem, princesa. Foi só aquela vez, não vai acontecer de novo.

– Mau, eu vomitei a noite toda e passei dois dias de cama.

– Hoje eu pedi em outro restaurante, não vai se repetir, eu juro.


Diana revirou os olhos e desbloqueou a tela de seu celular mais uma vez, mas agora para fechar o aplicativo de delivery. Abriu o WhatsApp e na mesma hora uma notificação pipocou em sua tela. Ela assustou ao ver quem era e por um segundo receou que Rita tivesse aprontado mais uma vez.


– Diana, eu tenho uma pergunta muito importante – foi a primeira mensagem de Gael, até que ele enviou mais uma em seguida: – Você gosta de gorgonzola?


Diana não conseguiu segurar o sorriso, não entendia como ele conseguia agir tão naturalmente mesmo em perguntas tão aleatórias.


– Boa noite, Gael. Eu não entendi a importância dessa pergunta, mas sim, eu gosto de gorgonzola. Por quê?

– Daqui 15 minutos vai chegar um lanche aí pra você, fica esperta na buzina.

– Você é louco?! Não precisa!


Gael não respondeu mais. Diana continuou encarando a conversa com o rapaz sem entender nada do que estava acontecendo, acreditava que era uma brincadeira. Só podia ser uma brincadeira. Ao se lembrar que seu noivo pediu comida chinesa, torceu para não ser uma brincadeira. Mas não, ele não mandaria um lanche para sua casa, eles mal se conheciam.


– Você está bem, princesa? – Maurício perguntou ao notar a interrogação no rosto da noiva.

– Eu estou... Eu... eu pedi um lanche pra mim – concluiu mesmo sem a certeza de que o lanche chegaria.


Maurício questionou, pediu para a noiva cancelar o pedido, reclamou que havia escolhido o melhor restaurante chinês da região para ela trocar por um simples hambúrguer, afirmou que ela não respeitava as escolhas dele, bradou até se cansar. E enquanto isso Diana se perguntava se de fato receberia o tal lanche que Gael falou. Seu noivo ainda reclamava sozinho quando ela ouviu uma buzina insistente e alguém gritar seu nome. Na mesma hora correu até sua carteira e saiu pela porta, ignorando os comentários de Maurício se o entregador não conhecia o interfone.

Diana só se deu conta que estava usando um pijama curto demais quando se aproximava do térreo, mas o elevador de seu prédio era tão lento que demoraria muito mais para atender ao chamado, então seguiu até o portão do jeito que estava. Assim que chegou na rua teve vontade de voltar para dentro de casa. Ela não esperava que Gael seria o entregador, mas lá estava ele com o capacete em uma mão e um saco de papel na outra.


– Você é louco – foi a primeira coisa que Diana conseguiu dizer.

– Não sou eu que tô de baby-doll na rua – Gael sorriu e o rosto de Diana corou na hora.

– É, não seria algo legal de se ver – ela tentou descontrair para disfarçar a vergonha – Quanto eu te devo pelo lanche?

– Não é nada, por conta da casa. Já que você não vai fazer uma tatuagem nunca, então eu te ofereço um lanche. Meu trabalho pelo seu, lembra?

– Você salvou a minha noite, senão eu teria que jantar comida chinesa – ela fez uma careta e ele a acompanhou, já que também não gostava – Só não entendi o que o gorgonzola tem a ver com isso. Ou foi só mais uma pergunta aleatória das que você costuma fazer?

– É um hambúrguer novo da casa com creme de gorgonzola. O Bento criou e antes de colocar no cardápio quis algumas opiniões, e como eu gosto de absolutamente tudo que aquele cara cozinha eu precisava de uma opinião de fora.

– Então eu sou sua cobaia? – Diana esboçou um sorriso.

– Basicamente isso. Mas vamos focar no "meu trabalho pelo seu", tá?


Gael sorriu e Diana não conteve o seu sorriso também. Os dois conversaram por alguns instantes e ela pensava como o rapaz era divertido mesmo quando não fazia questão de ser. Ele também gostava da companhia dela e só decidiu levar o lanche porque depois daquela última carona os dois já não tinham mais assuntos para tratarem e ele gostava de conversar com a advogada, tanto que insistiu para Bento deixá-lo fazer a entrega no lugar do motoboy apenas para trocarem uma meia dúzia de palavras. A conversa foi interrompida pelo barulho do portão.


– Princesa, tudo bem por aqui?


Maurício surgiu atrás da noiva, a fazendo assustar. Gael o mediu de cima a baixo e teve a certeza de que Diana tinha um noivo à sua altura. O homem extremamente alinhado tinha uma postura elegante mesmo em um momento informal como aquele, o que deixava o tatuador pensando que a perfeição buscada pela moça se aplicava até mesmo em seu relacionamento.


– Tudo, Mau – Diana forçou um sorriso.

– Você estava demorando, eu desci para ver se está tudo bem e também porque a comida chinesa já está chegando.

– Ela demorou porque eu esqueci a maquininha de cartão, aí a gente tá vendo como fazer o pagamento, mas já falei pra ela que na próxima ela acerta, não é, senhora? – Gael piscou disfarçadamente ao perceber que ela não sabia como justificar a demora.

– Claro, foi isso mesmo – ela sorriu aliviada – Na próxima eu acerto.

– Então tudo certo – Maurício colocou uma mão no bolso e com a outra abraçou a cintura da noiva – Da próxima vez não precisa gritar pelo nome dela, os vizinhos não gostam. É só apertar o apartamento 51 no interfone, por favor.


Maurício soou educado como sempre, mas sua pose era de superioridade. Logo o motoboy trazendo comida chinesa chegou e ele foi receber seu pedido, dando a chance de Diana agradecer a Gael pelo lanche e pela conversa rápida que tiveram. O tatuador se despediu e ela o viu acelerar pela rua antes de subir para o apartamento na companhia do noivo.


– Você não deveria ter descido com essa roupa aí – Maurício quebrou o silêncio enquanto desembalava sua comida.

– Ou eu desceria assim ou ele ficaria buzinando, e como você mesmo disse, os vizinhos poderiam se incomodar – Diana o respondeu e deu a primeira mordida, sentindo uma explosão de sabores em sua boca. Aquele hambúrguer era ainda melhor que o X-Bacon que pediu quando foi ao bar.

– Não gosto da minha noiva mostrando as coxas assim para um motoboy qualquer, só eu posso ter o prazer de vê-las assim.

– Mas faz tempo que não vê nada, não é mesmo? – Diana esboçou um sorriso em resposta.

– Mas hoje eu estou aqui e minha fome não é unicamente no sentido literal da palavra.


Maurício sorriu e Diana retribuiu, mas o jantar continuou em silêncio como sempre acabava acontecendo. Ele ainda insistiu para que ela ao menos experimentasse a comida chinesa, mas com um sabor tão bom quanto o daquele hambúrguer em sua boca, ela negou ainda mais do que antes.

Após retirar a louça da mesa e escovar os dentes Diana pensou em enviar uma mensagem para Gael agradecendo pelo lanche e dando a sua opinião completamente positiva, mas enquanto se aninhava em sua cama com o celular em mãos Maurício deitou ao seu lado e a fez deixar o aparelho de lado, avançando sobre seu corpo e invadindo sua boca sem cerimônias. Ela não se lembrava quando foi o último momento de intimidade com o noivo já que ambos vinham trabalhando muito nas últimas semanas – talvez até mesmo nos últimos meses – mas naquele momento retribuiu todas as investidas do rapaz.

Maurício matava a saudade que estava do corpo de sua noiva com pressa antes de tê-la por completo junto a si e Diana ofegava baixinho a cada movimento sob os lençóis bagunçados pelos dois enquanto suas bocas se exploravam. Ele a invadia com rapidez e sua pressa não fazia jus aos momentos antes tão suaves dos dois. Parecia que apesar de tão íntimos não estavam conectados, então ela fechou os olhos para se concentrar apenas em seu prazer – o que foi interrompido no momento em que ele se jogou exausto ao seu lado.


– Meu Deus, você é demais – Maurício estava ofegante.

– Eu percebi – Diana disfarçou a frustração em sua voz – Eu vou tomar um banho para dormir e faça o mesmo caso você for dormir aqui.

– Espera, só me dê vinte minutos e nós podemos repetir.


A essa altura Maurício falava sozinho, pois Diana já estava a caminho do banheiro. Seu noivo a aguardou sair para poder jogar uma água no corpo antes de se despedir alegando não poderia dormir com ela por conta de um documento que estava em seu apartamento e que ele precisaria levar para o escritório no dia seguinte, mas ao contrário do que pensou, ela não o pediu para ficar. De volta a sua cama e dessa vez sozinha, voltou a pegar seu celular.


"Boa noite, Gael. Devo agradecê-lo pelo hambúrguer e por favor, repasse o agradecimento e os meus parabéns ao Bento por ter criado algo tão delicioso. Já podem colocá-lo no cardápio, pois está aprovadíssimo. Obrigada por ter me escolhido para sua cobaia. Até mais."


Gael leu a mensagem em voz alta para Bento em meio à musica que tocava no bar praticamente vazio. O homem estufou o peito cheio de si pelo elogio da moça que atropelou seu amigo e afirmou que o colocaria no cardápio, pois se uma mulher como Diana que parecia tão exigente gostou, era porque realmente era bom.


– E põe exigente nisso, até o noivo dela passou pelo "controle de qualidade" – Gael ironizou e fez aspas no ar – Juro, Bento, o cara tem uma postura que eu nunca vi igual. Quem é que fica de roupa social em casa?! Até ela estava de pijama, e olha que ela... é ela!

Ela é ela? – Bento abriu um sorriso sarcástico – Olha meu amigo...

– Eu quis dizer que ela é toda elegante e metódica e estava de pijama na rua, então ele poderia aparecer feito uma pessoa normal também – o interrompeu – Você e minha mãe criam umas ideias que eu vou te contar...

– Você é quem está dizendo! – ergueu as mãos em rendição – Mas que eu estranhei você se propor a levar um lanche lá na casa dela, eu estranhei.

– Ela ajudou a Rita, é o mínimo que eu posso fazer. E outra, eu conheço essa mulher só há duas semanas, ela é noiva e eu não sou desses que rouba mulher alheia.

– E mesmo que fosse, convenhamos que uma mulher daquelas não olharia pra você por mais que você seja todo bonitão e tatuado e que quase metade das clientes desse bar queiram te pegar. Ela tem jeito de que curte um engravatado mesmo.

– Falando nisso aquela morena ali me entregou o telefone agora há pouco – apontou para a mulher a algumas mesas de distância e tirou do bolso um guardanapo com o número anotado – Talvez eu volte pra casa acompanhado hoje.


Bento riu alto pois sabia que Gael sempre dizia isso, mas nunca ia embora acompanhado. Não que não tivesse lábia, mas com os dois empregos ele sempre estava cansado no fim da noite e dava uma desculpa para poder dormir sozinho em sua cama. Poucas foram as vezes em que viu o melhor amigo de fato sair com alguma cliente, pois ele sempre se arrependia no dia seguinte já que elas sabiam onde ele trabalhava e nem sempre ele estava disposto a um segundo ou terceiro encontro.

Mesmo sabendo que no final das contas não iria convidá-la para sua casa e nem para lugar algum, Gael flertou com a morena durante todo o restante da noite e até mesmo a beijou quando seu expediente acabou, mas foi embora sozinho em sua moto. Fechou a garagem com o cadeado e foi direto para o chuveiro para relaxar o corpo antes de finalmente se entregar à sua cama.

Fechou os olhos e deixou a água morna escorrer por seu corpo enquanto cantarolava a música que saía de seu celular, até que Best of You começou a tocar e foi inevitável não se lembrar de Diana. Inevitável não se lembrar de Diana no meio da calçada vestindo seu curto baby-doll de cetim. E então Gael se deu conta de que talvez a presença da morena do bar seria muito bem-vinda naquele momento de solidão onde sua imaginação parecia brincar com seus sentidos.

Olá meus amores! Como estão?! Espero que bem!

Lembro quando escrevi esse capítulo, deveria ser estritamente focado na vida de casal da Diana e do Maurício, mas quando eu menos esperava, lá estava o Gael mandando mensagem e aparecendo no capítulo sem ser convidado e terminando tudo bem à vontade no banho 🌚 kkkk

Espero que tenham gostado, nos vemos em breve!

Beijinhos ♥

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