5 - Rita
Não adianta chamar quando alguém está perdido procurando se encontrar.
Ovelha Negra - Rita Lee
O celular vibrava incansavelmente na mesa de cabeceira, mas Diana não moveu um músculo em meio aos lençóis. Ela chegou tão cansada na noite anterior que não tirou nem mesmo a maquiagem assim como fazia todos os dias ao chegar em casa, apenas buscou um analgésico no armário enquanto escovava os dentes e se jogou na cama sem ao menos vestir o pijama.
Diana só acordou quando seu corpo já estava dolorido por estar tanto tempo na cama, mas há muito tempo ela não tinha uma noite tão boa de sono. Não foi uma noite recheada de sonhos e foi isso que a fez tão bem – ela apenas dormiu. Apagou. Sem insônia, sem sonhos, sem pesadelos, sem virar de um lado para o outro. Apenas um imenso nada de quase dez horas de duração.
E foram essas dez horas que a desesperaram. Assim que pegou o celular para ver o horário, viu pelo menos doze chamadas perdidas – algumas do escritório e algumas de Maurício – e o relógio digital apontando onze da manhã. Diana nunca havia acordado tão tarde e naquele momento toda a paz que uma boa noite de sono trouxe se dissipou em meio a xingamentos.
"Eu sou uma irresponsável", pensou enquanto encarava seu rosto amassado e com restos de maquiagem no espelho. Tomou o banho mais rápido que conseguiu e vestiu a primeira roupa que encontrou sem nem se dar ao trabalho de passar. Abriu mão da maquiagem diária e se esqueceu do coque, deixando os cabelos soltos depois de passar o secador.
Diana nunca chegou tão rápido no escritório. Subiu até o décimo andar impaciente encarando o relógio de pulso e entrou correndo no escritório, deixando a elegância de lado. A recepcionista a cumprimentou assustada, já que nunca havia visto a sua chefe afobada daquela maneira. Ela até pensou que poderia ir descansar em sua sala, mas foi informada que Maurício gostaria de vê-la assim que chegasse. Assim que entrou na sala igualmente sóbria e elegante do noivo ele se levantou com o semblante preocupado.
– Por Deus, Diana! – apoiou as mãos em seus braços – O que te aconteceu?!
– Eu perdi a hora – falou ainda cansada.
– Você está com uma feição horrível, dormiu mal? – Maurício parecia genuinamente preocupado.
– Pelo contrário, dormi muito bem. Minha feição está horrível porque não passei maquiagem hoje – esboçou um sorriso.
– Princesa, você sabe que não pode se apresentar assim aqui, e se chegar um cliente importante? Não que você esteja feia, mas...
– Mas eu me esqueci da maquiagem hoje – ela o interrompeu.
– E quanto a ontem, porque não me atendeu? Eu e seus pais ficamos preocupados porque você não avisou que chegou.
– Eu cheguei muito cansada, tão cansada que tomei banho e dormi.
Diana nunca foi a favor de mentiras, mas naquele momento julgou ser necessária. Não poderia dizer que desviou seu caminho até um bar e que ficou bebendo o vinho que levou para seu pai junto de dois desconhecidos até tarde da noite e por isso perdeu a hora. Maurício pareceu acreditar na desculpa da noiva e mudou de assunto, contando sobre o restante da incrível noite que teve ao lado dos sogros – e que ela definitivamente não estava afim de saber.
A tarde não demorou a passar, e por ter chegado tão tarde Diana preferiu ficar além de seu horário para colocar todas as suas coisas em dia. Maurício se despediu da noiva às cinco da tarde e às seis a recepcionista fez o mesmo. Mas ela continuou ali, com os olhos vermelhos e cansados encarando a tela do computador. O relógio marcava oito horas quando ela finalmente desligou o monitor.
O cansaço bateu no momento em que entrou no elevador. Os dez andares pareciam demorar mais e o caminho até seu carro parecia mais distante. Diana tentou ligar o automóvel, mas ele apagou na mesma hora. Ela virou a chave inúmeras vezes até se dar por vencida, convencida de que aquele não era um de seus melhores dias.
Pensou em chamar um Uber, mas a bateria de seu celular havia acabado ainda durante a tarde e na correria daquela manhã acabou se esquecendo de levar o carregador. Pegou sua bolsa e subiu os dez andares mais uma vez. Destrancou o escritório mais uma vez e se sentou em sua mesa mais uma vez.
Discou o número de Maurício uma, duas, três vezes. Seu noivo não a atendia e já havia informado que naquela sexta iria assistir futebol com o pai, então por mais que tentasse não conseguiria falar com ele. Diana pensou em ligar para a casa dos pais, mas não se recordava mais do número. Ligou o computador, abriu seu e-mail e decidiu fazer o que jamais pensou que faria.
"Boa noite Gael, como está?
Sei que é estranho eu te enviar um e-mail, mas acredito que você é a única pessoa que pode me ajudar neste momento. Não sei se verá este e-mail tão cedo, mas é um tanto urgente. Pode me ligar no número abaixo por favor? Obrigada."
E enviou. Diana tinha certeza que Gael não veria o e-mail, mas era um dos poucos recursos que tinha. Maurício sequer estava perto de seu celular, pedir ajuda a Fernanda era algo fora de questão e seus pais não eram tão ligados assim às tecnologias para verem um e-mail já que mal viam o WhatsApp, então sobrou para o homem que atropelou dias antes e que entrou em contato apenas para enviar o atestado médico. Estava encarando a tela do computador quando deu um pulo em sua cadeira ao ouvir o telefone tocar.
– Andrade & Monteiro, Diana Andrade, boa noite – atendeu formalmente caso fosse algum cliente.
– Diana? – ela ouviu em meio a um falatório do outro lado da linha – É o Gael, vi seu e-mail e estranhei, já que eu só recebo e-mail de marketing de uns sites que eu nunca vi na vida. Tá tudo bem?
– Ai, graças a Deus você viu! – ela relaxou na cadeira – Sei que isso não é sua obrigação, mas você poderia por favor pedir um Uber para mim? Meu carro não quer ligar e estou presa no escritório.
– Claro, me passa o endereço daí e da sua casa.
Ela estava esperando por alguma desculpa assim como a maioria das pessoas dariam caso algum desconhecido pedisse um favor desse tipo, mas ele sequer pensou antes de aceitar. Diana passou o endereço do escritório e também de sua casa para o rapaz, que pediu para que ela esperasse do lado de dentro do edifício.
Diana agradeceu a boa vontade de Gael em ajudá-la e mais uma vez desceu os dez andares no elevador. A entrada da garagem estava iluminada, mas a guarita do porteiro estava vazia e isso naturalmente a deixava insegura, apesar da rua ser movimentada. O Uber estava demorando e já cansada de esperar, se sentou nos degraus da guarita. Estava distraída com as pessoas passando pela calçada quando ouviu uma buzina e faróis piscarem em direção a ela. Assim que saiu, viu o rapaz com o braço tatuado para fora da janela do carro preto.
– Você não é Uber – ela constatou.
– E nem mecânico, mas abre aí que eu vou dar uma olhada no seu carro – sorriu.
Diana abriu o portão e Gael foi direto em direção ao carro branco estacionado – o único automóvel na garagem do prédio. Assim que pediu para abrir o capô ela se lembrou que a chave ficou sobre a mesa de sua sala. E mais uma vez precisou subir os dez andares, mas dessa vez acompanhada do rapaz.
– Caramba, que chique – ele falou assim que Diana acendeu as luzes de sua sala.
– Meus sogros que decoraram tudo – deu de ombros – Minha sogra é arquiteta, quis planejar tudo e não aceitou nenhuma objeção.
– Aquilo ali foi ideia dela também? – Gael apontou para um vaso de flores mortas e secas.
– Ah, não – sorriu – Esse vaso foi o meu noivo que me deu, mas eu nunca consegui manter nenhuma planta viva, não sei nem porque ele insiste. E para ser sincera, nem sou tão fã de flores, mas ele diz que um escritório feminino deve ter ao menos um vaso de flores.
Gael fingiu não ver o revirar de olhos sutil que Diana deu ao completar sua frase e seu suspiro cansado. Assim que pegaram as chaves os dois desceram até a garagem e ele finalmente pode ver o problema do carro após algumas novas tentativas de ligá-lo.
– A bateria arriou – ele constatou – Provavelmente você esqueceu alguma coisa ligada quando chegou e ela foi embora. Eu acho que o Bento não tem cabos no carro, mas é fácil de resolver, se quiser a gente pode ir buscar na casa dele e...
– Não precisa se preocupar, amanhã eu aciono o seguro – o interrompeu – Eu sei que você ainda tem que trabalhar, já te tirei da sua obrigação para me socorrer.
Gael aceitou, afinal ela não estava errada. O bar não estava tão movimentado já que o mês de janeiro não é dos melhores para estabelecimentos próximos a faculdades, mas assim que desligou o telefone não pensou duas vezes antes de pedir as chaves do carro de Bento, que no mesmo instante aceitou emprestar quando soube o motivo.
Assim que entraram no carro Gael a intimou a escolher o que ouviriam no percurso de pouco mais de vinte minutos. Depois de muitos "tanto faz" Diana finalmente escolheu Queen. Ela tentava conter o sorriso conforme ele cantava Radio Ga Ga sem se importar que estava desafinado. Quando a música acabou e ele recuperou seu fôlego, a encarou e viu o sorriso contido que ela mantinha nos lábios.
– Com todo respeito a você e seu noivo, você fica bem assim.
– Assim como? – ela o encarou de volta.
– Sem toda aquela maquiagem, o cabelo solto e principalmente sorrindo.
– Eu só estou assim hoje por conta do vinho de ontem – sorriu – Eu perdi a hora hoje de manhã e não tive tempo de me arrumar para trabalhar.
– Eu não teria saco de acordar super cedo só pra ficar ajeitado.
– Eu acordo antes das sete para me arrumar e saio de casa às sete e quarenta. Já me acostumei.
– Você é doida. Pelo o nome que você falou no telefone o escritório é seu, então por que chega tão cedo? Todo patrão que eu tive chegava tarde.
– É meu e do meu noivo. A maior parte é dele, na verdade. E eu chego cedo porque é a minha obrigação.
– Então é Diana Andrade e... – esperou até que ela completasse.
– Maurício Monteiro.
– Mano, você é tão equilibrada que até seu noivo tem o nome equilibrado, M e M – riu sozinho da própria constatação.
– Eu não diria equilibrada... Talvez metódica? – riu – Não que eu o tenha escolhido pelo nome, mas eu confesso que soa agradável.
– O meu é Gael da Silva Oliveira, não combina em nada. Era pra ser Gabriel, a propósito, mas meu pai estava bêbado quando me registrou e se enrolou pra falar o nome. Eu até prefiro Gael, era diferente e quase ninguém tinha, mas agora tomou o lugar dos Enzos né?
Gael falou e Diana sorriu da maneira como ele costumava contar coisas aleatórias que no fim se tornavam interessantes. Ele voltou a cantar assim que outra música começou e ela batucava os dedos sobre a bolsa, até que a cantoria foi interrompida pelo toque do celular do rapaz, que atendeu no alto-falante.
– Filho? – a voz saiu cortada pelo alto-falante do aparelho.
– Oi mãe, tá tudo bem?
– É a Rita de novo... – a mulher falou reticente e Diana percebeu o semblante animado do motorista murchar.
– O que ela fez dessa vez? – suspirou.
– Eu não entendi direito, mas ela tá detida na delegacia aqui do bairro, parece que recebeu voz de prisão...
– Ai meu Deus... – bufou e passou a mão pelo rosto – Eu vou ligar pro Bento e deixar uma amiga em casa e já tô indo pra lá.
Os dois se despediram e Gael voltou a focar a atenção no trânsito ainda processando a informação recebida pela mãe. Diana estava desconfortável por ter ouvido a conversa dos dois, principalmente por ser algo do tipo. Ela não sabia quem era a tal Rita e também não queria perguntar para não ser intrometida, mas depois de um tempo em silêncio ele decidiu falar.
– Desculpa te fazer ouvir isso. Vou te deixar em casa e ir atrás do B.O da minha irmã.
– Não se preocupe comigo. Vamos até a delegacia, talvez eu possa ajudar.
– Você deve estar cansada, não precisa ir comigo não, eu te deixo em casa, já tá pertinho.
– Gael, olha o tanto que você me ajudou hoje. Me deixe retribuir o favor.
Gael se deu por vencido e assentiu antes de ligar para Bento informando o ocorrido. As músicas acabaram no momento em que ele atendeu a mãe e os quarenta minutos até a zona leste foram longos e silenciosos. Diana estava cansada e faminta, mas não deixaria de retribuir o favor para aquele que não pensou duas vezes antes de ajudá-la.
Quando finalmente adentraram a delegacia uma moça de vinte e poucos anos começou a acenar para os dois com a mão algemada à cadeira. Só pelo sorriso que a moça estampava enquanto balançava a mão no ar Diana percebeu que era irmã de Gael, apesar dos dois não se parecerem em nada.
– Finalmente, cabeção! Achei que você não viria mais – Rita falou como se estar algemada à cadeira não fosse grande coisa.
– Eu tenho vontade de te largar aqui, Rita, eu juro – ele deu um beijo em sua cabeça e apontou para a mulher elegante ao seu lado – Essa é a Diana.
– Sua namorada nova? – Rita perguntou com divertimento no olhar – Apesar que não, uma mulher chique e bonita como essa nunca olharia pra você.
– Eu sou uma conhecida do Gael e serei a sua advogada hoje, muito prazer.
Diana a cumprimentou com um sorriso, ignorando totalmente a pergunta que a moça fez para o irmão. Logo o assunto foi interrompido por um policial com cara de poucos amigos que soltou a algema de Rita e chamou os três para dentro de uma sala.
– E então senhorita Rita, quer contar para os dois o porquê está aqui mais uma vez? – o policial falou com um sorriso debochado.
– Eles estão me acusando de desacato a esse daí e me deram voz de prisão, mas eu não desacatei – ela deu de ombros e apontou o policial a sua frente.
– Você tem certeza? Lembro muito bem quando você me chamou de porco nojento e marionete do Estado – o homem continuava sorrindo e naquela altura tanto Diana quanto Gael estavam o achando um grande folgado.
– De santo é que não vou te chamar, me enquadrou na rua sem motivos porque eu só estava comendo um lanche e ainda me obrigou a ser revistada por você, além de vir com violência pra cima de mim – Rita falava sem medo do homem, por mais ameaçador que ele tentasse parecer.
– Havia alguma policial do gênero feminino no local? – Diana interrompeu a discussão.
– Não, só esse aí e outro cara – Rita cruzou os braços já libertos – Mas ainda assim eles não tinham motivos pra me revistar, eu juro que não tinha nada, só estava sentada na calçada comendo um lanche com uns amigos e ele agiu com violência só comigo. Ficou segurando o coldre como forma de ameaça por eu me recusar a ser revistada por um homem e por dizer que se ele insistisse eu ia filmar.
– Houve uma denúncia de usuários de drogas no local e eu já conheço a Rita muito bem para saber que não seria uma novidade – o policial mais uma vez retrucou.
– O senhor revistou todos os demais presentes, correto? – Diana perguntou e ele assentiu – Encontrou algo ilícito com algum deles? – o homem negou.
– Claro que não, porque a gente só estava comendo! – Rita alterou a voz mais uma vez.
– Bom, de acordo com o Código Penal a abordagem para revista só pode ser feita caso haja suspeita de arma de fogo, tráfico ou objetos roubados. Pelo o que a minha cliente alega, ela ou seus colegas não eram suspeitos de nada disso e o senhor mesmo contou que a denúncia foi de usuários de drogas no local, não de tráfico. Como o senhor também afirmou, não encontrou nada ilícito durante a revista.
– Mas ela me desacatou e por isso eu...
– Por favor, me deixe terminar – Diana o interrompeu – A mulher só deve ser revistada por uma policial do sexo feminino e tem o direito de negar uma abordagem fora da lei, o senhor já deve ter conhecimento disso. Minha cliente se exaltou e não se dirigiu ao senhor da forma correta apenas por temer ter o seu direito violado mais uma vez. No mais, caso o senhor queira continuar com o processo de desacato, minha cliente pode entrar com uma denúncia contra a conduta policial abusiva durante a abordagem e nesse caso teríamos acesso às câmeras de vigilância da rua, além dos depoimentos dos presentes, pois não há razões para algemá-la a não ser que ela tenha apresentado resistência ou intenção de fuga. Ela apresentou?
Diana esboçou um sorriso elegantemente vitorioso. Gael estava surpreso com a forma que a mulher conduziu a discussão com maestria e Rita segurava o riso da cara do policial à sua frente, pois sabia que no fundo ele tinha a certeza de que houve uma abordagem abusiva de sua parte. O homem bufou e se levantou sem responder a última pergunta da advogada, seguindo até a porta.
– Eu vou liberar vocês – abriu a porta e deu passagem para os três – Mas nós nos vemos por aí, Rita.
– Eu posso contar isso como ameaça, doutora? – Rita perguntou em voz alta para Diana.
– Cala a boca Rita, senão quem vai pedir pra te deixar presa sou eu – Gael sussurrou para a irmã, a fazendo soltar uma risada alta ao abraçar seu braço.
Olá meus amores! Como estão?
Estou postando hoje (03/12) porque é o aniversário do Gael e eu sou besta e tô postando pra ele kk
Enfim, gostaram? Quais as primeiras impressões da Rita? Ela me ganhou quando desacatou um policial folgado haha
Nos vemos em breve!
Beijinhos ♥
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