42 - Comercial de margarina

Eu busquei quem sou.
Você, pra mim, mostrou que eu não sou sozinha nesse mundo.
Cuida de Mim - O Teatro Mágico

– Eu falei pra você que a gente não podia deixar tudo pra última hora, mas você não me ouve!

– Calma amor, tá tudo sob controle...

– Tudo sob controle pra você! Eu preciso fazer xixi e essa fila não anda!


 Gael riu da namorada irritada que reclamava enquanto aguardava a enorme fila de carros para entrar no estacionamento do shopping em plena antevéspera de Natal. Diana estava há pelo menos duas semanas falando para o tatuador que eles precisavam comprar os presentes para a família dele, mesmo com o rapaz afirmando que eles só se presenteavam durante o amigo secreto depois da meia-noite. O casal havia decidido que contaria sobre a gravidez após a ceia e a mulher estava tão ansiosa que planejou um presente para a sogra e um para cada cunhada.

Na segunda-feira seguinte ao aniversário de Gael, Diana iniciou o pré-natal e o casal se emocionou ao ouvir o coraçãozinho agitado batendo forte enquanto olhavam para a imagem do bebê no monitor – que nada mais era do que uma mancha estranha sem muita forma, mas eles se emocionaram mesmo assim. Saíram do consultório e a primeira parada foi em uma loja de roupas infantis, onde o tatuador fez questão de comprar um macacão preto de bolinhas brancas para combinar com a jaqueta de couro e o coturno de crochê, repetindo sempre que sua filha seria a mais estilosa da escolinha – porque nada mais tirava de sua cabeça que seria uma menina.

Diana fez os exames e respirou aliviada ao ver que todos os resultados estavam dentro dos conformes, pois desde o positivo pesquisou inúmeros problemas que poderiam acontecer. Dali em diante ela e Gael passaram a planejar como e quando contariam para a família dele, e foi depois de muitas ideias negadas por ela que chegaram até aquele shopping apinhado de gente para revelar uma foto do ultrassom e comprar mais alguns detalhes deixados para a última hora pelo tatuador.

Os corredores cheios não eram comuns naquele shopping relativamente caro e preferido da classe-média emergente e Diana escolheu aquele lugar justamente por achar que estaria vazio, mas pessoas empinavam o nariz enquanto carregavam sacolas e mais sacolas de lojas de departamento que acreditavam piamente ser de luxo. Gael se sentia um peixe fora d'água ali e sabia que no fundo a namorada se sentia da mesma forma.

Após a mulher finalmente usar o banheiro depois de reclamar por todo o caminho, comprarem todos os presentes já planejados (incluindo os do amigo-secreto) e Gael entrar em todas as lojas infantis à procura de um body natalino que o bebê só usaria no ano seguinte, decidiram ir embora. Estavam passando pela praça de alimentação quando um cheiro muito característico invadiu as narinas de Diana e sua boca salivou no mesmo instante. Ela estancou os passos e seus olhos brilharam.


– Tá tudo bem? – Gael perguntou quando sentiu sua mão sendo puxada pela mulher.

– Eu preciso comer camarão – Diana foi enfática.

– Mas você odeia...

– Não importa. Eu quero e o bebê também. Ah, a gente também quer um milk-shake de morango.


 Diana abriu um sorriso e pediu por favor, mas sequer passou pela cabeça de Gael negar um pedido daqueles, por mais estranho que fosse. A mulher procurou uma mesa para se sentar enquanto o tatuador foi até os dois restaurantes e voltou com o pedido inusitado da namorada. Aquele era o primeiro desejo de Diana e nem ela entendia como podia desejar algo que odiava tanto, mas de repente lá estava ela, degustando aquela porção de camarão acompanhada de um milk-shake de morango como se aquela combinação bizarra fosse a refeição mais deliciosa do mundo.


– Você precisa experimentar – ela estendeu um camarão mergulhado no milk-shake para Gael, que torceu o nariz.

– Não, obrigado – ele sorriu – Mas bom apetite!

– Será que depois que o bebê nascer eu vou voltar a não gostar disso?

– Acho que você vai voltar a odiar assim que essa mistura te der dor de barriga.

– Acho melhor eu parar de comer então... – falou antes de morder mais um camarão mergulhado no milk-shake.


 Gael estava prestes a falar alguma coisa quando um vulto de pouco mais de um metro passou em sua frente e agarrou a cintura de Diana ainda sentada à mesa.


Titia Diana!


 Diana também só percebeu a presença de Lucca quando teve a sua cintura agarrada pelo menino sorridente que a apertava com força. Ela retribuiu o abraço e ficou surpresa em como o sobrinho havia crescido desde a última vez que o viu, há quase cinco meses. Naquele momento torceu para que ele estivesse na companhia de Fábio, pois se tinha algo que não precisava era encontrar sua irmã ou seus pais. Para seu azar, ouviu a voz de Fernanda gritar o nome do filho a algumas mesas de distância e não se surpreendeu ao ver Maurício ao lado dela.


– Quantas vezes eu já disse que é para você ficar do meu lado o tempo todo, Lucca?! – Fernanda puxou o filho, fazendo o menino desgrudar da cintura de sua tia.

– Mas mamãe, eu tenho muita saudade da titia... – ele fez um beicinho ao choramingar para a mãe.


 Até então Fernanda não havia sequer olhado para a irmã, estava tratando aquela situação como se o filho tivesse abraçado uma estranha qualquer. Diana, ao contrário, não deixou de encará-la, assim como Gael fazia com Maurício. O advogado tentou manter distância, como se estivesse envergonhado de ter sido flagrado pela ex-noiva mais uma vez, mesmo eles já não tendo mais nada.


– Nós já conversamos sobre isso, Lucca. Ela não é mais sua tia. Vamos embora logo! – o puxou mais uma vez, mas o menino se jogou no chão.

– Eu quero falar com a titia! Eu quero falar com a titia! – ele resmungou inúmeras vezes com a voz chorosa.

– Você tem um minuto – sua mãe bufou após se irritar com a voz do menino.


 Lucca não sabia contar o tempo, então passou pelo menos três minutos contando todo o seu dia e sua semana para a tia que demonstrava interesse. Fernanda e Maurício estavam agoniados para ir embora e Diana se divertia internamente com aquela inquietação dos dois.


– Já deu mais de um minuto, Lucca.

– Só mais um minuto, mamãe, por favor!

– Vamos, Lucca, senão não vai dar tempo de ir na casa da sua avó.


 Foi a vez de Maurício tentar convencer o menino, fazendo Diana se atentar naquela frase dita sem pensar pelo homem impaciente. Até então ela não havia dirigido a palavra a nenhum dos dois, mas naquele momento não conseguiu segurar sua língua.


– A família de comercial de margarina ataca novamente, até jantam juntos, você viu, amor?! – deu uma risada sarcástica ao mergulhar mais um camarão no milk-shake, fazendo sua irmã olhar com nojo para aquela combinação.

– Eis aí a família tradicional brasileira – Gael riu – No fim, não choca ninguém.

– Ainda bem que eu não faço mais parte dela – mordeu o camarão em sua mão.

– Ao menos eu ainda tenho uma família. Tenho com quem contar. Não sou sozinha igual a você – Fernanda empinou o nariz.

– Ela tem a minha família – Gael encarou a mulher e passou o braço pelo ombro da namorada – Aliás, a nossa família.

– Eu adoraria passar o meu tempo aqui ouvindo você falar sobre a sua preciosa familiazinha, mas eu realmente tenho mais o que fazer – Fernanda forçou um sorriso para Gael e se voltou para o filho mais uma vez abraçado na cintura de Diana – Vamos, Lucca. Se você não me obedecer, você vai morar com o seu pai.

– Eu gosto do meu pai – o menino abriu um sorriso – Tchau, titia! Tchau moço namorado da titia! Você também é meu tio?


 Gael sorriu com a pergunta, mas sequer teve a chance de responder, pois Fernanda agarrou o filho pelo braço e se afastou o mais rápido que conseguiu da irmã e daquela situação inconveniente. Diana apenas riu e sentiu um alívio reconfortante ao perceber que Fernanda, Maurício e seus pais não lhe causavam mais nenhuma reação negativa. A indiferença que sentia nunca foi tão bem-vinda antes.

***

A pequena árvore de Natal com poucos galhos e muitos enfeites iluminava o canto da laje, a mesa estava coberta de travessas de carnes e saladas já pela metade, a música se mesclava com o som das casas vizinhas e das motos na rua e a pilha de presentes diminuía conforme os amigos secretos eram revelados. Faltava apenas dona Cida, que segurava seu embrulho e dava dicas de quem havia tirado, mesmo Isadora sendo a única sem um embrulho nas mãos.

A senhora de gorro de Papai Noel – ideia de Rita, que comprou gorros para todos na 25 de Março assim que recebeu seu primeiro salário – rasgava elogios para a filha mais velha, citando repetidamente o quanto se orgulhava do esforço para seguir seu sonho. Isadora se emocionou com o presente singelo que recebeu, mas cheio de significado. Uma bolsa grande com a estampa de uma coruja, símbolo da pedagogia, com "Professora Isadora" bordado à máquina por sua mãe. Ainda faltava um ano para se formar e estava cada vez mais difícil conciliar os estudos, o trabalho e os filhos, mas sua família acreditava em seu potencial e isso já era o suficiente para continuar.


– Ainda tem presente na árvore, foi o Papai Noel que deixou? - Alice perguntou com sua curiosidade infantil.

– Ah... foi, foi sim.


Diana sorriu um tanto envergonhada para a menina. Queria muito entregar os presentes e contar da gravidez para todos, mas um certo receio a segurava. Gael já havia dito diversas vezes que todos ficariam em êxtase com a novidade, mas como sempre, sua insegurança a fazia acreditar que não era uma boa ideia. Sabendo de todas as voltas que o cérebro de sua namorada dariam até encontrar um motivo para não falarem nada, o tatuador tomou a frente e foi até os poucos embrulhos que sobraram sob a árvore.


– Aqui, Alice, esse o Papai Noel deixou lá em casa pra você – a entregou uma caixa embrulhada e estendeu outro embrulho exatamente igual para o sobrinho – E esse ele deixou pra você, Ryan.


 As crianças correram para os pais após rasgarem o papel e seus olhos brilharem com os patinetes que ganharam dos tios. Isadora deu bronca em Diana e Gael por gastarem tanto com os dois, mas agradeceu emocionada por eles proporcionarem aquilo para eles, pois seus filhos não haviam ganhado o que pediram ao Papai Noel, já que um gasto inesperado com o carro velho que tinham acabou com todo o orçamento daquele fim de ano.


– Não foi nada – Gael deu de ombros – A gente tem um presente pra vocês também. É só uma lembrancinha, já que o presente que vou dar pra vocês não chega mais esse ano...


 Diana sentia seu estômago revirar a cada embrulho entregue por Gael. Planejou esse momento por tanto tempo nas últimas duas semanas e agora estava tão insegura quanto a primeira vez em que pisou naquela casa. Queria conseguir focar sua atenção em cada um, mas seus olhos corriam por todos que desfaziam os laços dos presentes.


Eu não acredito! – dona Cida exclamou, mas não em um grito, como os dois imaginaram. Foi em um tom cuidadoso, mas extasiado, como se o bebê já estivesse dormindo nos braços de Diana. Ela segurava o porta-retrato com o ultrassom e a frase "me desculpa, vovó, mas seu presente só chega ano que vem". A emoção transbordou, e a caixa de chocolates que acompanhava ficou esquecida dentro do embrulho quando a senhora correu para abraçar o filho e a nora.

Guarde todas as tatuagens, porque você vai ter um cabeçãozinho para enfeitar – Rita leu com a voz embargada, segurando também um porta-retrato e uma caixa de chicletes, além de uma caixa de chocolates. Qualquer outra pessoa acharia aquele presente estranho, mas ela achou perfeito. Não pelos doces que tanto amava, mas por ter mais um sobrinho. Sem segurar o choro, abraçou os dois.

– Nunca pensei que as rezas da mãe fossem tão certeiras e rápidas – Isadora riu tão emocionada quanto dona Cida e Rita ao abraçar o irmão e seguiu até sua cunhada. Nas mãos de seu marido, o mesmo porta-retrato e a caixa de chocolates, mas com a frase "Finalmente promovidos a titios, porque se fosse depender da Rita...". Ainda com os olhos marejados, acariciou a barriga pouco saliente e chamou pelos filhos – Alice, Ryan, tem um bebê aqui na barriga da tia Diana!


 As crianças largaram os patinetes e correram até Diana, que segurou a emoção o máximo que conseguiu, mas que perdeu o controle das lágrimas quando sentiu as mãos pequenas de Alice acariciando sua pele enquanto Ryan conversava com a barriga, dizendo que não via a hora do bebê sair de lá para brincar com ele. As lágrimas também eram agridoces, pois sabia que Sophie e Lucca não teriam a oportunidade de fazer o mesmo que os dois. Como se soubesse o que passava em sua cabeça, Gael se aproximou e a abraçou.


– Nós podemos contar aos seus pais, se você quiser.

– Eu não quero. Uma hora eles vão saber, eu sei, mas não vão ouvir saindo da minha boca. Eu só estou pensando no Lucca e na Sophie...

– A gente pode visitar o Fábio quando ele estiver com as crianças...

– Não vai ser estranho? Vou me sentir como se estivesse fazendo algo proibido...

– Seus pais já tiraram muito de você. Não deixe eles interferirem no momento mais importante da sua vida. Da nossa vida.

– Você tem razão, eu só... eu só penso demais.

Sério?! Acho que nunca percebi isso! – Gael sorriu – Vou embrulhar um vale-terapia e te dar, já que não te dei nada de Natal.

– Bom, você me deu o maior presente de todos... e mais caro também, porque o tanto que a gente vai gastar... – Diana retribuiu seu sorriso e logo se pegou mais uma vez pensando demais no futuro – É, pensando bem, eu aceito o vale-terapia também.


 Gael riu e beijou o sorriso que se manteve nos lábios da mulher da sua vida. Dona Cida agora não mantinha seu tom baixo, falava o tempo todo para quem quisesse ouvir que seria avó mais uma vez e que não poderia estar mais feliz. Rita comemorava que teria mais um bebê para mimar enquanto mascava alguns chicletes e colava tatuagens nas crianças e em si mesma. Isadora já procurava roupinhas para comprar pela internet enquanto seu marido brincava de patinete com os filhos.

Diana abraçou Gael e olhou ao redor, observando cada um daquela família que agora também era sua. Naquele momento, ela soube que tudo valeria a pena, que aquele foi o melhor presente de todos. Nunca sentiu tanto medo do futuro e teve tantas dúvidas na vida, mas também nunca se sentiu mais feliz.

Olá meus amores, como estão?
Nunca foi tão difícil concluir um capítulo. Um ano pra conseguir terminar isso aqui e eu nem gostei muito do resultado, confesso que esperava bem mais de mim (tanto que ficou bem menor do que de costume).

Maurício ainda está com a Fernanda, os pais aceitam... sei nem dizer o quanto odeio esses dois! Já Diana e Gael cada dia mais felizes deixa meu coração quentinho, eles merecem.

Aos poucos estou conseguindo voltar a escrever, tá sendo um dia de cada vez, mas eu acredito logo mais eu volto aqui. Não desistam de mim, por favor!

Nos vemos em breve,
Beijinhos! ♥

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