41 - Inconsequente

Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Anunciação - Alceu Valença

Dois dias se passaram e o aniversário de Gael finalmente havia chegado. Diana não o via desde a noite de quarta-feira, que se encontraram no bar após o tatuador visitar Bento para matar saudades do amigo. O dono do estabelecimento decidiu que o rapaz precisava de pelo menos uma semana para se acostumar com o fuso-horário local antes de voltar a trabalhar já que tudo estava correndo bem desde que ele foi para a Bélgica, mesmo ele afirmando que já estava pronto para voltar para seu posto de garçom.

Ela preferiu manter distância naqueles dois dias para poder se dedicar ao jantar que estava planejando para aquela noite de sexta-feira, e mesmo que os pratos não ficassem tão bons quanto os daqueles participantes que ela virou noites assistindo, ainda assim tinha certeza de que seria especial. Também adiantou todo o seu trabalho no escritório no dia anterior para poder correr atrás dos detalhes que faltavam - e apesar do presente estar guardado em seu armário desde um dia antes do tatuador voltar para casa, mais alguns foram comprados de última hora.

Gael já sabia que o jantar prometido seria naquela noite, então não se surpreendeu quando saiu do elevador e ainda no corredor se deparou com um cheiro maravilhoso que brincou com seu estômago. Diana recebeu o namorado com um abraço forte e um beijo apaixonado após desejar feliz aniversário e ele sorriu ao ver que além dos cabelos soltos e rebeldes, ela também usava os óculos que ele tanto gostava, além de um vestido preto muito parecido com o que pegou emprestado de Rita há quase dez meses. Olhar para a mulher daquela forma o fez voltar para a noite do aniversário da irmã, quando conseguiu desvendar o que havia por trás daqueles olhos tão diferentes - e provavelmente quando se apaixonou.

Diana estava ansiosa não só pelo jantar, mas com aquela noite no geral. Preparou cada detalhe que julgou importante, perdeu noites de sono tentando achar uma maneira de fazer aquilo da maneira correta, precisou se convencer de que tudo sairia exatamente como planejou, mesmo estando mais insegura do que jamais esteve em toda a sua vida. Gael não percebeu em momento algum o nervosismo da namorada, pois estava extasiado com toda aquela produção que ela fez apenas para os dois, já que algumas velas enfeitavam o centro da mesa posta de maneira para impressionar e algumas músicas faziam a trilha sonora daquele ambiente à meia-luz.


- Eu queria poder fazer algo mais elaborado, mas as circunstâncias e habilidades só me permitiram fazer isso. Eu espero... na verdade, eu estou torcendo e muito para estar bom ou ao menos tolerável.


O estômago de Gael roncou assim que ela serviu o primeiro prato. De fato não era nada extremamente elaborado, mas a aparência daquela salada caesar estava maravilhosa e por mais que ela afirmasse não ser nada demais, ele jamais pensou que ela faria não só o prato principal, mas também as entradas. Diana o olhava ansiosa e só sorriu quando o viu fechar os olhos para saborear aquela primeira garfada.


- Quase me esqueci da bebida! - Diana foi até a cozinha e voltou com uma garrafa de vinho - É minha última garrafa, pena que é vinho seco e eu não sou muito fã.


Diana encheu a taça do namorado e em seguida colocou suco de laranja em seu copo. Aquela salada estava tão deliciosa que Gael só abria a boca para elogiar a mulher. Ela sorriu e após terminarem as entradas, trouxe o prato principal - um escondidinho de carne seca com queijo que ela passou mais tempo do que imaginou para fazer acompanhado de uma bela porção de arroz. O tatuador sorriu ao ver como ela empenhou em cumprir sua parte do combinado e até mesmo a advogada estava orgulhosa de ter conseguido seguir a receita e não ter queimado ou estragado nada.


- Ora, ora... Parece que temos mais alguém que sabe cozinhar nessa casa! Você já não tem mais uma desculpa pra viver de lanches...

- Só pra sua informação, já tem uma semana que eu não gasto um centavo com lanches - ela sorriu - Mas quanto a cozinhar... acho que prefiro quando você cozinha pra mim - deu de ombros.

- Tudo bem, eu não me importo de ser usado por você na cozinha - riu.


Os pratos já estavam vazios e o casal conversava sob a luz de velas enquanto suas mãos se acariciavam sobre a mesa. Diana tinha os olhos cheios de expectativas e Gael se perguntava o que mais a mulher estava aprontando, mas ela não sabia se já estava na hora de entregar os presentes que comprou - na verdade, estava enrolando propositalmente. O convidou para assistir a um filme e se aninhou a ele no sofá, como há muito tempo vinha desejando. A comédia hollywoodiana era tão ruim que foi o motivo perfeito para esquecerem a televisão e pararem no quarto. Não sabiam mais a quanto tempo estavam naquela cama quando a mulher extasiada deitou a cabeça no peito tatuado.


- Por mim, eu fico aqui a noite inteira - ele sorriu ao acariciar os cabelos suados de Diana.

- Mas seu aniversário ainda não acabou, você me persuadiu a vir parar aqui só pra me tirar do foco dessa noite - ela retribuiu o sorriso, mesmo que ele não estivesse vendo seu rosto.

- Eu te persuadi?! Quem escolheu o filme foi você, e eu vi muito bem que ele estava na lista "assistir novamente", ou seja, você sabia que era ruim e só precisava de um pretexto pra me trazer pra cama sem ser direta - o divertimento na voz de Gael a fez erguer o olhar travesso até ele.

- Ok, eu me declaro culpada - ela riu - Mas vai dizer que você não gostou...

- Você pode fazer isso quantas vezes quiser, eu vou adorar - deu de ombros e roubou um selinho de Diana.


O beijo se aprofundou ainda mais, mas antes que Gael pudesse deitar sobre seu corpo, Diana o empurrou para se levantar assim que bateu os olhos no relógio em sua mesa de cabeceira. Faltava pouco mais de uma hora para a meia-noite e os presentes deveriam ser entregues antes do dia acabar. Ela colocou o vestido de qualquer jeito, foi apressada até a cozinha e voltou com um pequeno bolo com as velas acesas formando o número 28 enquanto cantava parabéns. O tatuador cantou junto dela assim que a mulher se ajoelhou sobre a cama com a bandeja, tentando não derrubar nada.


- Agora você precisa fazer um desejo - ela sorriu.

- Que todos os nossos planos e sonhos se realizem, principalmente aqueles que incluem nós dois.


Gael assoprou as velas e ela sentiu seu coração acelerar com aquele desejo. O rapaz correu o dedo pela cobertura e em seguida o passou no queixo da mulher, a fazendo reclamar pela sujeira. Antes que ela pudesse se levantar para limpar, ele a segurou pela nuca e a aproximou até que seus lábios limpassem o glacê tão próximo de sua boca. Diana arrepiou com aquela sensação e passou a cobertura direto nos lábios do tatuador, o beijando até não restar mais nada.

Mais uma vez Diana estava perdendo o foco daquela noite, mas não era sua culpa se Gael a provocava de maneiras tão intensas que ela até esquecia do próprio rumo. Ao olhar mais uma vez para o relógio, obrigou o namorado a se vestir e foi até a cozinha para servir os dois pedaços de bolo que só pela cobertura eles já sabiam que estava maravilhoso. O tatuador pegava mais um pedaço quando ela surgiu do quarto com uma sacola de presente relativamente grande.


- O que é isso?! - ele perguntou de boca cheia.

- O primeiro presente - ela sorriu - Eu não saberia esconder igual a você...


A sacola era pesada e Gael ficou verdadeiramente surpreso ao ver uma jaqueta de couro novíssima. Aquela era tão linda quanto a que ele já tinha, mas o modelo era diferente e serviu como uma luva. Ele foi até o quarto para se olhar por inteiro e Diana ficou observando aquele homem enquanto pensava na sorte de tudo aquilo ser seu. Ele tirou a peça e a abraçou forte, agradecendo inúmeras vezes pelo presente. Ela apenas sorriu e pegou mais um embrulho, agora uma caixa que estava no guarda-roupa.

Gael rasgou o papel e se deparou com um par de coturnos pretos tão bonitos que dava até dó de usar. Calçou os sapatos novos e sua namorada respirou aliviada ao ver que a numeração estava certa. Diana achava que talvez o rapaz até estivesse estranhando aqueles presentes aleatórios já que no seu aniversário ele deu presentes que se complementavam e que sabia que ela realmente queria. Até que a última parte chegou, e era a que ela estava mais ansiosa.


- Tem mais um presente, mas esse está dividido em três partes e só mostra como você é desligado. A primeira parte está no bolso esquerdo da jaqueta nova. A segunda parte está no fundo da caixa do coturno e a terceira parte está aqui.


Diana estendeu mais uma caixa embrulhada para ele, agora menor do que a primeira. Gael retirou um saquinho de presente do bolso da jaqueta e um papel dobrado do fundo da caixa de sapato e colocou os três itens em cima da cama, sem saber por onde começar. Ela apontou o pequeno saco colorido e mandou abrir, estava mais ansiosa do que nunca. Assim que o tatuador retirou o objeto, correu seu olhar repetidas vezes entre suas mãos e os olhos heterocromáticos.


- Diana, o que é isso?! - sua voz até falhou.

- Abre o restante - foi tudo o que ela conseguiu dizer.


Gael desdobrou o papel que antes estava no fundo da caixa de sapato e suas mãos tremeram involuntariamente.


- Diana, pelo amor de Deus, que brincadeira é essa?!

- Falta só mais um presente - ela apontou a caixa ainda sobre a cama.


O tatuador respirou fundo algumas vezes e abriu aquele embrulho como se sua vida dependesse disso. Ao retirar a tampa, se deparou com um pequeno par de coturnos pretos feitos de crochê que acompanhavam uma jaqueta que imitava couro tão pequena que nem mesmo Diana entendia como uma pessoinha poderia caber ali um dia. No fundo, algumas tatuagens de chiclete forravam a caixa feito papel picado.


- Diana... - os olhos de Gael já estavam marejados e ele agarrava a pequena jaqueta de couro.

- Parece que a Bélgica deixou um presente pra gente... - ela sorriu também prestes a derrubar as lágrimas - E talvez eu seja tão inconsequente quanto você por estar feliz com isso.


Gael largou a pequena peça de couro sobre a cama e segurou o rosto de Diana entre as mãos para um beijo que transmitia tantas sensações e emoções que nenhuma palavra seria intensa o suficiente para poder descrever com exatidão. Nada seria capaz de explicar o amor que sentiam um pelo outro naquele momento e nem toda a magnitude daquele beijo com o gosto das lágrimas que derrubavam. Nada poderia explicar aquelas lágrimas também.


- Eu vou ser pai - ele murmurou e a beijou mais uma vez - Nós vamos ser pais...

- Parece que seu desejo já se realizou... ao menos um dos que incluem nós dois.

- Você me deu o maior presente que eu poderia ganhar na vida. Eu te amo tanto, Diana... - Gael se agachou e beijou a barriga coberta pelo vestido incontáveis vezes, fazendo a mulher chorar ainda mais.


No dia em que descobriu estar grávida, Diana chorou por horas. Após fazer aquele teste sonolento assim que acordou de madrugada toda torta no sofá na semana anterior, deixou a pequena régua sobre o vaso sanitário e não esperou nem mesmo um minuto, viu a primeira listra e foi para o quarto aproveitar as poucas horas de sono que lhe restava. Seu celular despertou como todos os dias e ao ir para o banheiro para seu banho matinal, pegou o teste para jogar fora e quase gritou ao ver a segunda listra um tanto fraca, mas ainda assim aparente. No mesmo instante enviou uma mensagem para Rita informando que entraria mais tarde por conta de uma reunião externa e foi até o laboratório com a certeza de que aquilo era um falso positivo.

Sua amiga questionou algumas vezes o porquê de Diana estar tão avoada no escritório e se ela havia chorado, mas a desculpa de que suas olheiras e olhos inchados foram causados pela noite que passou acordada aprendendo alguma receita para o jantar e não pelas lágrimas daquela manhã funcionou. A advogada amava Rita de todo o coração, mas dispensou a recepcionista mais cedo alegando que fecharia o escritório antes do horário para poder ficar sozinha enquanto aguardava o resultado do exame de sangue que só chegou durante a noite, depois da chamada de vídeo com o tatuador no outro continente.

Após aquele positivo escancarado na tela de seu celular, não restava outra opção a não ser chorar até pegar no sono - o que foi bem difícil nas noites seguintes, onde Diana se questionava se estava pronta para isso, qual seria a reação de Gael, o que iria dizer para as pessoas, já que estava em um relacionamento relativamente novo e se iria contar aos seus pais, mesmo não falando mais com eles. Também tinha medo de ser uma mãe ruim ou até mesmo não saber como ser mãe. Toda vez que perdia o sono, pensava seriamente em ligar para o namorado em plena madrugada para contar tudo - assim como desejou contar no momento em que o viu chegar no aeroporto.

Seu coração se acalmou um pouco no fim de semana, quando visitou dona Cida e viu o amor que a senhora cuidava dos netos, além de observar mais Isadora e a criação e educação que a cunhada dava para os filhos. Ela tinha certeza de que não seria nada fácil, mas também sabia que por mais que tentasse negar, estava feliz por ter um serzinho em seu útero que sequer tinha um rosto, mas que ela já amava somente por saber que existia. Foi então que passou a planejar o presente de aniversário de Gael, a começar pelos coturnos de crochê que encomendou e que agora o tatuador segurava nas mãos.


- Meu filho vai ser estiloso demais - ele deu um sorriso bobo vendo os pequenos sapatinhos em sua mão.

- Ou sua filha - ela sorriu e se deitou na cama, sendo acompanhada por ele.

- Meu Deus, minha filha vai ser a criança mais estilosa da escolinha... - encarou o teto e voltou os olhos para ela - Pensa nessa menina de jaqueta de couro com uma tatuagem da Barbie no braço!

- Nós deveríamos estar tão felizes assim? - apoiou-se em um só braço para ficar de frente para ele.

- Quem diz se a gente deve ficar feliz ou não é só a gente mesmo... Ninguém vai pagar nossas contas e nem comprar as fraldas.


Diana esteve prestes a pensar demais - assim como vinha fazendo frequentemente nos últimos dias - quando Gael a aninhou em seu corpo e a abraçou, a fazendo relaxar. A madrugada se achegou e ela já estava dormindo ao lado do tatuador, mas ele continuava acordado encarando aqueles pequenos coturnos de crochê em suas mãos iluminados pelo abajur. Aquela sensação era surreal demais. Todas as lágrimas que deixou escorrer enquanto olhava aquele item tão minúsculo e imaginava que dentro de alguns meses o calçaria em um bebê com um pezinho ainda menor. Um bebê que seria seu. Desviou o olhar para a mulher adormecida ao seu lado e sorriu sem perceber. Era tão grato a ela. A amava tanto. Não imaginava que era possível gostar tanto assim de alguém.


- Amor... - ele a chamou em um sussurro, a fazendo espreguiçar antes de abrir os olhos lentamente.

- Bom dia... - ela respondeu com a voz arrastada ao abraçar seu pescoço.

- Ainda não amanheceu, mas eu precisava... Só precisava te agradecer por me fazer o homem mais feliz desse mundo. Eu te amo num nível que eu nem sabia que era capaz. Obrigado.


Diana esboçou um sorriso sonolento e o beijou vagarosamente, sussurrando de volta todo o amor que sentia. Gael a abraçou como quem abraça todo o seu mundo - e de fato todo o seu mundo agora estava ali, com dois corações batendo dentro de si. Ao perceber a respiração pesada de quem havia caído no sono mais uma vez enquanto era beijada, ele sorriu e passou a acariciar a barriga, contornando desenhos imaginários com as pontas dos dedos sobre a pele. Ainda com os lábios curvados em um sorriso bobo que surgia a cada instante que se lembrava de que seria pai, agradeceu silenciosamente aos céus por estar vivendo aquele momento tão extraordinário ao lado da mulher que amava.

Olá meus amores! Como estão?!
Sei que estou ausente, já venho falando isso há um bom tempo... mas dessa vez eu mereço as desculpas de vocês, né? Olha que capítulo mais delícia, mais amorzinho...

Ver Gael e Diana felizes me deixam feliz demais ♥

O que acharam da forma como a Diana contou? Vocês esperavam depois do último capítulo?

É isso, nos vemos em breve (oremos)
Beijinhos ♥

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