4 - Dez centavos
Vamos todos rir para, então, não chorar. Vamos todos levantar nossos copos para o céu, para um pouco de vinho tinto, erros e desculpas.
Red Wine, Mistakes, Mythology - Jack Johnson
Apesar de ter colocado o endereço de sua casa, não foi lá que desembarcou. Estava no meio do caminho quando pediu para que o motorista desviasse até o bairro da Liberdade, já que não estava tão tarde assim. Desceu do carro em frente a um bar pouco movimentado para uma quinta-feira e decidiu entrar munida de sua garrafa de vinho.
Não era como se Diana nunca tivesse frequentado um bar antes, mas não era uma cliente assídua de ambientes assim. Maurício gostava apenas de restaurantes e cafeterias, então nunca iam a bares juntos, nem mesmo durante os cinco anos de faculdade. Mas lá estava ela, caminhando em direção ao balcão preto perto da parede emoldurada por garrafas e iluminação neon, desviando das mesas de madeira distribuídas no salão mediano à meia luz.
Diana reconheceu o rapaz de cabelos longos e tatuagem no pescoço conversando com um homem negro, alto e forte do outro lado do balcão. Foi até os dois e mesmo não ouvindo a conversa, tinha certeza que era algo engraçado já que a risada contagiante do outro homem até lhe despertou a vontade de rir junto deles. Pigarreou para chamar a atenção dos dois.
– Em que posso aju... – Gael parou sua frase no meio – Diana?!
– Eu gostaria de ver o menu, por favor – Diana esboçou um sorriso polido.
– Claro – estendeu o papel plastificado para ela – O que você tá fazendo aqui? Se perdeu?!
– Não, vim por conta própria. Qual é o lanche mais gorduroso que você tem?
– Nisso eu posso ajudar – o outro homem tomou a frente com um sorriso – Eu te indico o X-AVC. Nenhum outro é tão gorduroso, grande e não-saudável quanto ele.
– Ela quer algo gorduroso, mas acho que quer continuar viva – Gael respondeu e o homem sorriu – A propósito, ela é a mulher que me atropelou ontem.
– Olha só! Quase matou meu melhor amigo e meu melhor funcionário! – o homem falou em meio ao riso – Me chamo Bento, prazer – estendeu a mão para ela.
– Diana, prazer – sorriu cordialmente – Acredito que o Gael tenha razão, talvez o X-AVC seja um pouco demais para mim. Acho que um X-Bacon Duplo seja o suficiente. Ah, e uma porção de fritas e uma Coca-Cola.
– A senhora que manda, já vou fazer – Bento seguiu para a cozinha, deixando Diana na companhia de Gael.
– E então, que bons ventos a trazem? Convenhamos que você não é o tipo de cliente que frequenta isso aqui – Gael debruçou sobre o balcão.
– Nada em especial, mas estava passando aqui na frente e decidi entrar.
Diana mentiu por não saber o real motivo pelo qual decidiu desviar seu caminho até ali. Talvez só quisesse fugir de sua casa perfeitamente em ordem, ou talvez porque estava com fome e sabia que se subisse até seu apartamento e depois pedisse algum delivery, teria preguiça de descer para buscar o pedido.
– Mas você parece estar vindo de algum lugar especial – Gael apontou para o vinho ainda com o laço de presente e em seguida para a roupa de Diana.
– Ah, isso... – estalou a língua – Aniversário do meu pai. O jantar era strogonoff de camarão e eu odeio camarão, então estou faminta. O vinho é o presente que levei.
– Rico leva o presente e traz de volta? – Gael soltou uma gargalhada – Essa é nova pra mim.
– Ele ganhou um muito mais sofisticado da minha irmã, então acho que ele não daria falta desse aqui. E só para a sua informação, eu não sou rica.
– Empresta essa garrafa aqui – Gael pegou o vinho e procurou pelo nome no Google – Você não é rica não, pagou 270 reais em uma garrafa de vinho e não tem grana – ironizou ao virar o celular para ela.
– Não é 270 reais, é 269,90 – apontou o preço.
– Ah, claro, porque dez centavos faz uma diferença imensa – Gael continuou rindo.
– Eu não entrarei nessa questão com você, mas só para a sua informação, eu ganhei esse vinho de um cliente – arqueou as sobrancelhas.
– Sabe a única coisa que eu ganho dos meus clientes? – Gael se debruçou ainda mais sobre o balcão e se aproximou dela – Calote.
Diana não conseguiu manter sua pose elegantemente impecável e séria e soltou uma risada alta, fazendo Gael rir também. Logo ele foi chamado para atender um dos poucos clientes e ela continuou ali, com um sorriso no rosto e se distraindo com a grande parede de bebidas. Bento logo voltou com o lanche e a porção de fritas. O hambúrguer vistoso encheu seus olhos e logo na primeira mordida Diana se sentiu nas nuvens. Nuvens feitas de bacon e carne.
– Meu Deus... – falou de boca cheia, deixando todos os modos de lado – Como eu não conhecia esse lugar?!
– Tá vendo, quem precisa de um vinho de 270 conto quando se tem um lanchezão desse por vinte? – Gael sorriu orgulhoso.
– Você está incomodado com esse vinho, não é mesmo? – Diana respondeu ao limpar a boca com o guardanapo – Pode abrir – arrastou a garrafa para ele mais uma vez.
– O quê? Não! – Gael devolveu – Eu não tenho nem roupa pra tomar um vinho desses.
– É só vinho – Diana deu de ombros – Bento, você pode abrir para nós, por favor?
– Só se eu puder tomar – Bento respondeu com um sorriso.
– Fique à vontade.
Bento abriu o vinho e distribuiu em três copos americanos. Ele e Gael brindaram em meio a piadas ainda sobre o valor e Diana se esforçava para não sorrir com a empolgação daqueles dois desconhecidos que a fizeram se divertir mais em alguns minutos de conversa do que sua família em algumas horas.
– Não vale o preço – Gael deu seu veredicto.
– Mas não é ruim – Bento complementou.
– Vocês estão desfazendo do meu vinho de 270 reais? – Diana riu.
– Não, ele foi 269,90 – Gael abriu um sorriso – Você esqueceu de tirar os dez centavos.
Por mais que se esforçasse para manter sua seriedade, Diana estava animada com seus companheiros. Talvez o excesso de vinho colaborasse para sua extroversão, já que foram algumas taças na casa de seus pais e uns dois copos americanos no bar. Gael e Bento secaram o que restou da garrafa e Diana só percebeu que estava na hora de ir quando pegou o celular e viu algumas chamadas perdidas de Maurício. Disse que avisaria assim que chegasse em seu apartamento, mas se esqueceu – e afinal de contas, nem estava em casa.
– Por favor, tente não atropelar ninguém no caminho de volta – Gael pediu.
– Não estou dirigindo hoje. E para sua informação, eu nunca me envolvi em um acidente antes.
– Como vai embora? – Bento perguntou enquanto limpava o balcão.
– Vou chamar um Uber – Diana deu de ombros.
– Uma mulher sozinha andando de Uber à essa hora é perigoso. Quer que eu te leve? – Gael ofereceu.
– Uma mulher sozinha pegando carona com um desconhecido à essa hora é perigoso – ela respondeu com um sorriso.
– Ontem você deu carona pra esse mesmo desconhecido – Gael arqueou a sobrancelha.
– O Gael tem um ponto – Bento sorriu.
– Tudo bem! – Diana suspirou – Eu aceito a carona.
Os dois seguiram até a rua, mas Gael voltou para dentro ao se dar conta que havia esquecido algo. Bento foi logo atrás e parou algumas vezes no percurso para falar com os pouquíssimos clientes espalhados. Diana parou na calçada e olhou ao redor à procura do carro do rapaz que a levaria.
– Vamos?
Gael a estendeu um capacete e subiu na moto que estava estacionada em frente ao bar. Diana arregalou os olhos na mesma hora e negou com a cabeça, fazendo Bento rir sozinho.
– Eu não vou andar de moto – ela continuou a balançar a cabeça negativamente.
– Por que não? – Gael girou a chave – Tem medo?
– Eu nunca andei de moto! – Diana confessou – E nem pretendo.
– Qual é! Eu não vou correr...
– Primeiro que eu nunca andei de moto, segundo que eu não quero colocar um capacete que sabe Deus por quantas cabeças passaram, terceiro que eu não quero ter que abraçar a cintura de um desconhecido e por último, imagina se alguém me vê descendo da garupa de outro homem que não é o meu noivo?!
– Esse capacete é relativamente novo e só minha mãe e minha irmã usaram, você não precisa me abraçar porque você pode segurar aqui – apontou a alça traseira – Quanto ao que vão pensar, isso já não é problema meu e nem seu, afinal são os outros que estão pensando.
– Eu estou de vestido – Diana falou por fim – Nisso você há de concordar que se torna inviável.
– Agora ela tem um ponto – Bento voltou a sorrir.
– Eu peço um Uber, podem ficar tranquilos, eu moro na Santa Cecília, menos de dez minutos eu estou em casa.
– Espera... – Bento vasculhou os bolsos – Leva ela no meu carro.
Bento jogou a chave e seu amigo a pegou no ar. Diana assentiu e o seguiu até o automóvel preto estacionado em frente ao comércio vizinho. Apesar de ter andado de Uber mais do que gostaria antes de comprar seu carro, ela nunca foi adepta de caronas, principalmente com pessoas que mal conhecia. Já Gael parecia estar bem à vontade ligando o rádio e ajeitando os espelhos.
– O Bento foi com a sua cara, ele não empresta o carro dele pra ninguém nunca, ainda mais pra mim – Gael sorriu encarando o próprio reflexo no retrovisor.
– Fico feliz – Diana falou e se calou em seguida.
– Não precisa ficar com essa cara, eu não vou fazer nada com você além de te deixar em casa – afivelou o cinto e pegou o celular – Diz aí, quer ouvir o quê?
– O que você quiser ouvir – deu de ombros.
– Se eu perguntei é porque quero saber o que você quer.
– Pode ser qualquer coisa – murmurou.
– Qualquer coisa não tem. Qual é, Diana, me diz o que os advogados ouvem – sorriu.
– Eu estava ouvindo Foo Fighters quando te atropelei – confessou.
– Isso que é um atropelamento em grande estilo! – Gael ficou extasiado – Achei que fosse, sei lá... música de elevador. Qual música que era?
– Best of You – Diana sorriu.
– Então vai ser ela mesmo que a gente vai ouvir – procurou no celular e assim que deu o play, começou a cantar – I've got another confession to make, I'm your fool...
Gael cantou a música inteira enquanto batucava no volante, já Diana se manteve em silêncio, por mais que tivesse vontade de cantar junto. Seus pais sempre disseram que somente sua irmã era afinada, então ela sempre teve vergonha de soltar a voz em qualquer outro lugar que não fosse o chuveiro ou sozinha em seu carro.
– Como você consegue ser tão séria? – Gael aproveitou o semáforo vermelho e a encarou – Nem batucou a música que você gosta.
– Eu só sou assim – esboçou um sorriso envergonhado – Vire a próxima à direita.
– Eu tô me sentindo com a mina do GPS – riu e virou na rua informada assim que o semáforo ficou verde – Em algum momento você fica à vontade? Sei lá, desce do salto, joga ele longe, dança descalça, canta desafinado...
– O meu jeito de ser te incomoda tanto assim? – Diana estreitou os olhos em sua direção.
– Não é isso, você pode ser do jeito que quiser, eu só... Eu só acho que essa não é você – deu de ombros.
– E quem eu seria?
– Eu não sei, mal te conheço.
– Eu sou exatamente isso, Gael – apontou para si mesma – Eu devo ser assim, então eu sou.
– Qual o seu signo? – Gael perguntou e Diana esboçou um sorriso com a mudança repentina de assunto.
– Tente adivinhar – ela sorriu.
– Se você não for virginiana eu vou dizer que todo o conhecimento astrológico que minha irmã me ensinou é falho.
– Como você sabia?! – Diana espalmou as pernas.
– Você é a virginiana mais virginiana que eu conheço e olha que eu te conheci ontem! De que dia você é?
– Dia 15 de setembro.
– Eu sou sagitariano – falou mesmo sem ela perguntar – Dia 3 de dezembro.
– Eu não entendo de signos, então... – torceu os lábios – Não tenho como criar uma personalidade baseada no dia em que você nasceu. Esquerda – apontou para a rua que ele deveria virar.
– Sagitarianos são engraçados, bem-humorados, otimistas... Como você pode ver, eu me encaixo – piscou para Diana.
– Autoconfiantes também pelo jeito – riu – Pode parar ali naquele prédio depois da árvore.
– Autoconfiança é coisa de leonino. Você precisava conhecer a minha irmã mais nova, ela te daria uma aula sobre isso – riu e puxou o freio de mão – Bom, está entregue.
– Obrigada pela carona.
– Obrigado pelo vinho de 270 reais.
– 269,90, não esqueça os dez centavos.
Diana desceu do carro sentindo uma leveza que há muito não sentia. Na calçada encontrou o mesmo homem que revirava o lixo na noite anterior. O cumprimentou e por um segundo se arrependeu por não ter pedido um lanche para viagem, pois poderia entregá-lo para aquele senhor enquanto ele contava que havia gostado dos sushis. Já estava no portão quando ouviu a buzina e se virou. Assim que voltou até a janela, Gael estendeu uma nota de dez reais para ela.
– Por que você está me dando dinheiro? – Diana franziu o cenho.
– Entrega pro senhor que você cumprimentou, por favor. Não é muito, mas é o único dinheiro físico que eu tenho aqui comigo. Ele deve estar com fome e isso deve dar pra pelo menos forrar o estômago.
Diana aceitou a nota e tirou mais dez reais de sua carteira para dar uma refeição digna ao senhor. Gael ficou a observando através da janela do carro e sorriu ao vê-la se aproximar do homem com um sorriso simpático. Ficou surpreso quando o viu segurar suas mãos em forma de agradecimento. Poderia estar julgando sem conhecer, mas jamais pensou que aquela mulher seguraria as mãos de um morador de rua sem limpá-las na roupa logo em seguida.
O homem se afastou com seu carrinho de recicláveis e Gael a esperou entrar para poder voltar para o bar. Diana subiu até seu apartamento ainda com a sensação de leveza tomando conta de si, além do sorriso em seu rosto. Era como se todos os risos forçados na sala de jantar de seus pais tivessem sido esquecidos no momento em que entrou pela porta daquele bar e se acompanhou de Bento e Gael – e de seu vinho de quase 270 reais.
Olá meus amores!
Como estão?
Mais um capítulo e eu espero que estejam gostando da história. Eu amo esse capítulo, vocês não imaginam como foi gostoso escrever ele depois do último, já que o jantar com a família da Diana me deixou tão cansada quanto ela.
Ah, e só pra constar, eu amo o Gael ♥
Vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥
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