39 - Nunca, jamais, em hipótese alguma

Mas nunca me disseram o que devo fazer quando a saudade acorda a beleza que faz sofrer. Nunca me disseram como devo proceder. Chorar, beijar, te abraçar, é isso que quero fazer.
Quando Eu Te Encontrar - Biquíni Cavadão 

Quinze dias se passaram, mas Gael não chegou.

Uma semana antes da data em que deveria retornar ao Brasil, Marc propôs que o tatuador estendesse sua viagem por mais um mês. Gael não pôde negar, estava com novos planos para quando voltasse para casa e todo euro que ganhava era necessário para o futuro que vinha almejando. Diferentemente de quando pediu a opinião da namorada antes de aceitar o convite para ir até a Bélgica, dessa vez ele só contou a novidade depois de ter aceitado. Diana naquele momento não tentaria convencê-lo a voltar, muito pelo contrário, ficou feliz e vibrou com o tatuador, apesar de toda a saudade que agora duraria mais trinta dias.

Aquela experiência de namorar alguém que estava do outro lado do mundo e ter que aprender a confiar novamente era difícil para alguém que passou por tantas traições e quebras de confiança, mas diariamente Diana repetia a si mesma que Gael não era Maurício. Que Gael era uma pessoa digna, diferentemente do ex-noivo que sempre teve um caráter duvidoso. Às vezes o bichinho da dúvida dava as caras e a advogada logo procurava uma distração para não alimentar aquela sensação angustiante.

E Gael de fato não tinha olhos para mais ninguém.

Sim, o país europeu tinha mulheres lindas. Sim, algumas delas se interessaram por Gael, mesmo o vendo somente no estúdio ou em cafeterias. Não, ele não correspondia a nenhuma investida. Alguns de seus colegas zombavam o fato do tatuador se manter fiel mesmo a milhares de quilômetros de distância, mas todos ali eram solteiros e alguns sequer já haviam sentido o mesmo que ele. E jamais sentiriam, pois ninguém ali conhecia Diana e o poder que aqueles olhos heterocromáticos traziam consigo.

Aqueles olhos heterocromáticos estavam ainda mais destacados pelas lágrimas que insistiam em se acumular na linha d'água quando Gael contou durante uma vídeo-chamada no dia 15 de outubro, um mês após o aniversário de Diana, que pela segunda vez a sua viagem se estenderia. Dessa vez ela lutava com todas as forças para esconder sua frustração por ter que esperá-lo por mais um mês, mas foi naquela noite que a primeira discussão do casal aconteceu.


– No meu aniversário faltavam quinze dias. Quantas vezes mais vai faltar só quinze dias?! – ela reclamou ao engolir aquela angústia.

– Porra amor, tenta me entender... eu preciso desse dinheiro. Preciso muito. O Marc gostou de mim a ponto de bancar minha moradia por todo esse tempo, eu não posso simplesmente dizer não!

– E aí vai chegar ao final de novembro e ele vai te pedir mais um mês. E depois mais outro, e mais outro... Era pra você ter voltado no final de setembro, Gael!

– Eu pensei que você tivesse me apoiado quando ele me pediu pra ficar mais um mês!

– Isso foi quando eu achei que você voltaria no final de outubro. Mas agora é até o final de novembro. Eu já estou com medo de chegar a metade do mês que vem e você me ligar pra falar que vai largar tudo o que tem no Brasil e vai morar aí!

– Diana, você tá sendo injusta! Não tem uma só coisa que eu não faça pensando em você e na minha família. Se eu vou ficar mais um mês aqui é pra ter pelo menos um pouco mais de dinheiro pra ter uma vida confortável aí, com vocês.

– Eu posso estar sendo injusta, egoísta ou o que você quiser que eu seja, mas tente entender a minha frustração! Eu sinto sua falta, Gael. Todos os dias eu sinto sua falta, sinto falta do que a gente era antes do nosso relacionamento se basear apenas em chamadas de vídeo. Eu sinto falta do seu abraço, do seu cheiro, do seu toque... e nada disso vai ser suprido através de uma tela! Pra você pode até estar confortável assim, mas pra mim não!

– Também não está nada confortável pra mim essa situação! Ou você acha que eu gosto de te ter só na minha imaginação?! Se eu pudesse, eu teria você aqui. Se eu não tivesse planos e não precisasse tanto desse dinheiro, eu mandaria tudo à merda e pegaria o próximo voo só pra chegar o quanto antes na sua casa. Mas eu não posso fazer isso, por mais que eu queira. Um dia você vai entender o porquê eu estou me desdobrando tanto aqui, o porquê eu preciso continuar aqui por mais um mês.

– O problema não é um mês, Gael. O problema não são quinze dias. O problema é que de tantos em tantos dias, você vai passar três meses aí. Em novembro vai completar seis meses que estamos juntos, mas metade desse tempo você vai ter passado aí!

– Eu já disse, um dia você vai entender que esses três meses vão ter valido à pena. Que três meses não é nada perto do tempo que a gente ainda tem.

– Eu espero que a gente tenha mesmo. Porque antes de embarcar naquele avião você me prometeu que nada ia mudar, e olha o quanto já mudou.

– Você tá querendo dizer que não sabe o que vai ser de nós? – Gael sentiu o nó na garganta apertar.

– Eu só estou dizendo que não sei mais o que esperar – Diana deu de ombros e desviou os olhos marejados para qualquer lugar que não fosse aquela feição triste de Gael na tela do celular.

– Eu não quero mais prolongar essa discussão, eu estou exausto, já são três horas da manhã aqui e eu preciso dormir – Gael bufou, passando as mãos nervosas pelos cabelos bagunçados – Enfim, você pode até não saber o que esperar, mas eu só espero por você. Boa noite.


Diana murmurou um "boa noite" que Gael sequer ouviu, pois coisas demais passavam por sua cabeça no momento em que desligou a chamada. No fundo a mulher sentia que estava exagerando, mas o medo de perdê-lo para aquela nova realidade ainda a assombrava e o fato de ser pessimista e esperar sempre pelo pior não colaborava em nada.

"Mas eu só espero por você", a voz de Gael se repetiu em sua mente. Ela vinha esperando por ele desde o final de setembro, mas já estava cansada de esperar. Ao abrir a gaveta de sua mesa de cabeceira para pegar um remédio para a dor de cabeça que aos poucos se achegava, viu o brilho da pedra de seu anel de noivado que estava esquecido ali desde o término e o admirou como nunca antes. A aliança em ouro branco com um diamante vistoso a fez ponderar sobre algumas coisas e tomar uma decisão, então pegou o celular e não pensou duas vezes no que fazer.

Os dias seguintes a discussão foram monossilábicos. O casal ainda se falava todos os dias, mas era como se algo ainda estivesse errado. Gael sentia Diana cada vez mais distante, enquanto ela ainda remoía aquela decisão do rapaz e na atitude que tomou após a discussão que tiveram. Não sabia dizer se estava arrependida e sentia que deveria estar, mas um misto de sensações tomava seu corpo e pesava seu estômago conforme o tempo passava.


O último sábado de outubro parecia não ter fim. Clientes não paravam de chegar para a promoção de Halloween e Gael já estava cansado de tatuar gatos pretos – já que a fama de má sorte que o animal carrega consigo no país europeu é tão forte que os mais rebeldes e alternativos faziam questão de marcá-los na pele nessa data. O tatuador aproveitou os poucos minutos de folga entre um cliente e outro para ligar para Diana, mas ela não atendeu. Depois dos dias de poucas palavras que tiveram, ele passou a se perguntar se todo aquele esforço estava valendo à pena. Já não tinha mais certeza.

Nem acreditou quando passou o papel sobre o antebraço recém tatuado com o desenho de um esqueleto segurando uma xícara de café. Aquela foi a última tatuagem do dia e se sua coluna falasse, agradeceria aos céus por não estar mais curvada sobre uma maca. Gael se despediu dos colegas e caminhou abraçado à sua jaqueta de couro para se proteger da garoa fina que caía naquele fim de tarde frio por pouco mais de um quarteirão até chegar em sua casa.

Seu cansaço era tanto que até sua mente estava lhe pregando peças, o fazendo ver por um segundo a figura de Diana sentada nos degraus de entrada. Piscou os olhos algumas vezes para voltar à realidade, mas ainda assim a viu ali, abraçada ao corpo ao lado de uma pequena mala. A mulher sorriu assim que ergueu o olhar até ele e só então Gael teve a certeza de que ela estava ali em carne e osso – e bochechas rosadas pelo vento gelado que o outono europeu trazia.


– Diana...


Tudo o que Gael conseguiu foi murmurar seu nome antes de abraçá-la forte o suficiente para tirá-la do chão. Diana abraçou seu pescoço e tomou seus lábios gelados com pressa, como se o mundo fosse acabar caso não matasse a saudade daquela boca o quanto antes. O tatuador passava as mãos pelos cabelos, costas, rosto, braços... por toda a mulher apenas para certificar-se de que não era mais um sonho. E não era.


– Eu não consigo acreditar – ele sussurrou com a testa encostada na dela, fazendo o hálito quente bater contra o nariz gelado pelo frio.

– Na verdade, nem eu – ela sorriu – Mas pelo amor de Deus, vamos entrar, eu vou congelar.


Gael destrancou a porta e Diana finalmente conheceu o lar que abrigava seu namorado nos últimos dois meses. Era ainda menor do que parecia pelo celular, mas ao menos o aquecedor funcionava muito bem. O rapaz retirou a jaqueta úmida da chuva e ela fez o mesmo, o fazendo perceber a pele totalmente gelada, além do nariz vermelho. A temperatura externa estava perto dos dez graus e ele não fazia ideia de quanto tempo a mulher estava sentada naqueles degraus, então por mais que estivesse ansioso em saber como ela foi parar ali, a obrigou a tomar um banho quente enquanto ele preparava um café para aquecê-la.


– Eu jamais pensei que te veria sentada nessa mesa – ele falou assim que a entregou a xícara fumegante.

– Confesso que eu também não – sorriu e se afundou na blusa de moletom que pegou do rapaz.

– E então?! Não vai me contar como foi que veio parar aqui? Por que eu pensei que você não quisesse mais saber de mim.

– No dia que nós discutimos você me disse que só esperava por mim. Eu fiquei remoendo isso porque eu estava cansada de esperar por você, então não queria mais ter que esperar. Achei meu anel de noivado jogado na minha gaveta e ele estava sem serventia nenhuma, mas eu sabia que não foi uma joia barata. Pesquisei as passagens pra esse feriado do Dia de Finados e comprei na mesma noite, torcendo pra aliança valer pelo menos metade da passagem. No sábado liguei pra Rita e perguntei se ela topava ir comigo no Centro pra tentar vender. Rodamos bastante até que uma joalheria comprou e o valor pagou praticamente a passagem de ida, o restante eu dividi no máximo de parcelas possíveis. Não sabia se você ia querer me ver, mas eu precisei arriscar.

– Então quer dizer que de uma forma indireta o Maurício pagou a sua passagem pra vir me ver? – Gael jogou a cabeça para trás em uma gargalhada gostosa e que Diana estava com saudades de ouvir sem ser através de uma tela.

– Basicamente isso – ela deu de ombros, admirando aquele sorriso largo que só Gael tinha.

– Ele colaborou com o nosso relacionamento mais do que imagina – balançou a cabeça ainda com o sorriso no rosto.

– Se um dia a gente casar, já dá até para chamar ele para ser padrinho – Diana riu da própria ironia, mas se arrependeu no mesmo instante ao falar sobre casamento, já que isso sequer passava por sua cabeça.

– Ele pode ser florista, eu já saquei que ele curte flores.


Gael deu de ombros, sem se importar com o assunto e sem perceber a forma como a namorada ficou envergonhada ao falar sobre casamento. Diana deu risada mas não o estendeu, pois realmente ficou sem jeito ao abordar um tema que antes considerava tão sério. Um breve silêncio tomou aquela pequena casa e o tatuador estava feliz demais por ter sua namorada ali, então não pretendia deixar aquela quietude se estender.


– Eu ia evitar voltar naquele dia, mas preciso só ter certeza. Se você tá aqui, então é porque tá tudo 100% bem entre a gente, né?

– Sim – Diana sorriu e segurou a mão tatuada sobre a mesa – Você tinha razão, eu fui injusta e egoísta. É que eu estava... eu ainda estou com tanta saudade que a frustração em não te ter por mais um mês falou mais alto do que a razão. Do que todas as suas razões. Eu não tenho direito de questionar os seus motivos para continuar aqui.

– Eu realmente tenho os meus motivos, mas não vou mais estender. Aliás, nem se eu quisesse eu poderia estender, eu não posso ficar mais que 90 dias aqui. Mas eu realmente quero voltar pra casa. Quero ver minha mãe, minhas irmãs, as crianças, o Bento... minha vida toda tá lá em São Paulo. Bom, um pedaço tá aqui comigo, mas logo vai voltar pra casa também – sorriu.

– Então é bom a gente aproveitar cada segundo antes da minha volta...


Gael não aguentava mais se manter longe de Diana, então aproveitou aquela deixa e avançou sobre ela como se a mulher fosse água no deserto. Sentia falta do corpo que ilustrou vários momentos solitários dos últimos dois meses, mas que agora estava sendo pressionado contra o seu sobre aquela mesa. Dos lábios que constantemente se lembrava do sabor e que naquela hora tinham o gosto do café que foi deixado de lado e agora respingava sobre a madeira que batia contra o beiral da janela de maneira ritmada. Da forma ébria que ela murmurava seu nome ao ser tocada como naquele momento. Da mão agitada que corria em suas costas e o arranhava sempre que o sentia contra si. Dos dedos emaranhados nos fios bagunçados que tentavam guiá-lo. Dos sons de prazer que soavam feito música em seus ouvidos. Sentia falta de Diana daquela forma tão tórrida que só ele parecia conhecer.

Diana não sabia se era toda aquela saudade acumulada que a fez implorar por mais ou o simples fato de ser Gael ali em sua frente que a instigava ainda mais. Sua exaustão a fez subir até o mezanino para poder se deitar enquanto o rapaz tomava um copo d'água para se recuperar. A vista lá de cima era ainda mais bonita do que a do primeiro andar e ela a admirou por tempo o suficiente até o corpo desnudo do tatuador tomar sua atenção. Definitivamente era uma visão mais agradável. Ele sorriu pela forma sedenta que ela o olhava e deitou ao seu lado. A mulher admirou o tórax tatuado por alguns instantes até perceber um novo desenho na pele.


– Essa tatuagem é nova... – ela acendeu o abajur para tentar enxergar melhor.

– Era pra ser surpresa...


Assim que ele foi até a luz, Diana reconheceu aquele olhar. Nenhuma outra palavra passou por sua cabeça a não ser inconsequente. Ela nunca, jamais, em hipótese alguma faria algo daquele tipo, inclusive sempre julgou quem fazia qualquer tatuagem para outra pessoa a não ser pai e mãe – e no caso dela, nem para eles. Mas lá estava o seu namorado inconsequente com seus olhos tatuados do lado esquerdo do tórax. Não dava para fingir que eram de outra pessoa, pois um olho era verde e o outro castanho. Heterocromáticos, assim como os dela. Ela também reconheceu a foto de onde aquele olhar foi tirado – a primeira que tiraram juntos, na laje da casa de sua sogra enquanto estavam bêbados, há praticamente oito meses.


– Não pode ser... – ela murmurou em um riso desacreditado.

Surpresa! – ele forçou um sorriso.

– Gael do céu, como você é louco...

– Eu ouvi isso algumas vezes enquanto era tatuado – deu de ombros.

– Você vai se arrepender disso, eu tenho certeza.

– Não vou – foi assertivo – Isso eu posso te garantir.

– Garantir como, Gael?! E se um dia a gente terminar?!

– Credo, bate na madeira! – ele virou no colchão e deu três toques no chão – Eu vivo o hoje. Se um dia isso acontecer, mas não vai, eu vou ter a lembrança de um momento da minha vida em que eu conheci uma pessoa incrível, em que eu cresci como ser humano, em que eu fui feliz, em que eu aceitei viver algo totalmente novo porque a dona desses olhos me convenceu de que eu era capaz. Eu tenho mais tatuagens do que poderia contar e não me arrependo de nenhuma, por que eu me arrependeria logo da que eu fiz em homenagem à pessoa que me faz feliz?!

– Continuo afirmando que você é louco...

– Sim, por você – a beijou – Mas isso você já sabe, eu já te disse antes.


Gael voltou a beijá-la de forma ávida e ela enrijeceu sob o corpo pesado que a pressionava contra o colchão. Ele já estava pronto para ela mais uma vez e cada centímetro de sua pele estava arrepiado ao senti-lo a invadindo sem cerimônias. A falta que sentia dele era preenchida aos poucos a cada movimento forte sobre seu quadril inquieto e a cada gemido rouco em seu ouvido enquanto agarrava seus cabelos. Diana havia encontrado sua kryptonita naquele homem suado que sorria ao atingir o clímax dentro de si. 

Olá meus amores (ainda tem alguém aqui?), como estão?

Olha só quem resolveu dar as caras depois de meses, não é mesmo? Não mereço perdão, eu sei. De uns meses pra cá eu dei uma surtada, nunca estive tão cansada (meu trabalho tem sugado a minha saúde mental todinha) e quando estou em casa quero apenas dormir (mas a terapia tá em dia e logo logo eu volto, a vontade de escrever inclusive tá voltando aos poucos).

Enfim, o que acharam do capítulo?
Eu sigo sendo cadelinha desses dois, tanto que nem queria ter escrito essa discussão, mas eu no lugar da Diana teria ficado muito injuriada com essa extensão da viagem (só não teria grana pra ir visitar ele porque né, sou pobre). O que acharam dessa discussão e da decisão dela de ir até a Bélgica?

Amo vocês, por favor, não desistam de mim e do livro.
Nos vemos em breve! (assim espero)
Beijinhos 

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