36 - Egocentrismo
Você tem medo de perder o que não tem e esconde sua insegurança por trás de um sorriso. O tempo todo do lado errado, a coerência do seu lado. Hoje vai ser diferente, sem mais de suas armadilhas verbais, e o que parece ser mais irônico - vou usá-las em você.
Armadilhas Verbais - Dead Fish
Três semanas se passaram desde que Gael decidiu aceitar a proposta de passar 30 dias tatuando em um estúdio renomado da Bélgica. O seu passaporte havia ficado pronto naquela sexta-feira, suas passagens de ida e volta já haviam sido compradas e ele partiria no dia 29 de agosto, dali exatos 9 dias. Neste meio tempo ele tentava aprender algumas palavras nos três idiomas oficiais do país – holandês, francês e alemão – mas tudo o que conseguia era reclamar dialetos inventados. Por fim, o estúdio que o convidou informou que ele poderia se comunicar em inglês e todos compreenderiam, e caso alguém não o entendesse, um de seus colegas tatuadores poderia ajudar. O rapaz também leu inúmeros textos e artigos sobre o país que mal conhecia, tentando entender ao menos um pouco da cultura que seria inserido dentro de alguns dias.
Enquanto ele se concentrava em sua viagem, o proprietário do estúdio em que ele trabalhava no centro de São Paulo procurava um tatuador para colocar em seu lugar durante todo o mês de setembro. Já no bar, Bento sequer pensava em um substituto. Até poderia contratar um funcionário temporário, mas jamais abriria mão de seu melhor amigo ao seu lado. Rita se ofereceu diversas vezes para ficar no lugar do irmão, mas Gael pediu para o homem procurar outra pessoa. Sua irmã precisava sim de um emprego, mas ali não era o mais indicado. O garçom sempre se deparava com pessoas usando drogas nas calçadas ao redor do bar durante os intervalos das universidades e queria manter a irmã longe daquilo o máximo possível, principalmente enquanto estivesse do outro lado do mundo.
O que Gael não sabia é que Diana tinha planos para sua irmã. Naquelas três semanas a advogada teve a companhia da cunhada por alguns dias até se instalar de vez no novo escritório e percebeu que ela não só levava jeito como também gostava de recepcionar seus clientes enquanto fingia ser funcionária do lugar. Ainda não poderia pagar um salário tão bom quanto a amiga merecia, mas garantiria o piso salarial da categoria. Tinha certeza de que trabalhar com Rita faria seus dias serem mais leves, além de mantê-la por perto, assim como prometeu ao namorado que faria.
O casal também ficava junto por boa parte do tempo livre que tinham enquanto a data da viagem não chegava. Para afastar a ansiedade, Diana evitava dar atenção aos pensamentos negativos que se aproximavam e focava somente na grandiosa oportunidade que aquele mês de setembro traria para a vida do tatuador. O ajudava nas pesquisas sobre o país e a aperfeiçoar seu inglês não tão avançado assim, além de ensinar o raso francês que aprendeu em sua viagem à Paris com Maurício. Também montou uma lista com tudo que ele não poderia esquecer de levar, no melhor estilo Diana Andrade. Gael não poderia ser mais grato ao destino por trazer aquela mulher para a sua vida.
Por ser no mês de setembro, a viagem atrapalharia qualquer plano para se comemorar o aniversário da mulher. Diana completaria 31 anos no dia 15 e o rapaz poderia parabenizá-la apenas virtualmente. Gael ficou apreensivo e inseguro por conta desse detalhe não tão pequeno assim, pois pelo pouco que conheceu de Maurício, tinha certeza de que todo ano o homem deveria presenteá-la com luxos e jantares caros. Não poderia proporcionar a mesma experiência que o ex-noivo da namorada mesmo que estivesse no Brasil, mas não esperava que as felicitações acontecessem apenas pela tela de um celular. Depois de muito perder o sono pensando nisso, decidiu que comemorariam antes da viagem.
Já Diana sequer se lembrava que seu aniversário se aproximava. No tempo em que estava com Gael, dedicava-se apenas a apreciar sua companhia entre beijos, jantares, filmes, sexo, séries e até mesmo em silêncio, dormindo em seu abraço sempre tão aconchegante. Já o período em que estava no escritório mal tinha tempo de se distrair, pois atualizações de processos chegavam, novos clientes surgiam esporadicamente, audiências no fórum eram agendadas e reuniões aconteciam após estudos dos casos mais recentes.
Naquela manhã quente onde o pequeno ventilador de mesa não dava conta de refrescar sua sala, Diana tentava se acostumar com o barulho do trânsito por conta da janela aberta enquanto massageava as têmporas para aliviar a dor de cabeça que a tomou antes de seguir para o Fórum. Dali algumas horas aconteceria a primeira audiência de conciliação do divórcio de Fábio e Fernanda e a advogada exalava tensão ao encarar os arquivos abertos em seu computador, não conseguindo se distrair nem mesmo com as histórias de Rita.
Diana não via a irmã desde o dia das mães, quando se agrediram no meio da sala de estar. Fernanda continuava bonita, mas sua feição sempre confiante já parecia inexistente e suas olheiras não se disfarçavam tão bem nem mesmo com toda a maquiagem. O ar presunçoso ainda presente já não intimidava, pois era visível o quanto a mulher estava abalada. Fábio não estava tão diferente da mãe de seus filhos, apesar de alegar para a advogada que aos poucos vinha se reerguendo. Seus olhos fundos entregavam que ele não havia dormido quase nada naquela noite e seria mentira de Diana se ela dissesse que teve uma boa noite de sono.
A audiência de conciliação foi longa e estressante. Fernanda parecia mais infeliz por ver a irmã advogando para o ex-marido do que por estar tratando dos desdobramentos de seu divórcio. Como Diana já esperava, a mulher se vitimizou com lágrimas dispersas, afirmou não ter condições de criar os filhos sem todos os bens que já possuía e que nem mesmo queria dar continuidade naquilo pois amava Fábio, alegando inclusive que a advogada dele estava o impelindo a se divorciar apenas para garantir seus honorários. O homem, por sua vez, garantiu que em momento algum foi influenciado por Diana, mas sim por uma traição que perdurou por anos.
Como o esperado, aquela primeira audiência não deu em nada. Fábio estava irredutível quanto ao divórcio, Fernanda não parecia nem um pouco disposta a abrir mão de seus luxos ou dividir a guarda de seus filhos e ainda menos propensa a dar a vitória nas mãos da irmã. Diana sequer estava prestando atenção ao redor enquanto caminhava até a calçada, estava tão cansada daquela manhã exaustiva e quente que queria apenas voltar para seu escritório e almoçar na companhia de Rita enquanto conversavam sobre qualquer aleatoriedade que sua cunhada quisesse contar.
– Obrigado por ter tentado, mas eu já imaginava que não ia dar certo – Fábio falou ao acompanhar a ex-cunhada até o carro.
– Em divórcios litigiosos dificilmente se resolve algo na primeira audiência, fique tranquilo – Diana esboçou um sorriso.
– Bom, qualquer novidade, me avise.
Fábio se despediu com um beijo no rosto e seguiu seu caminho até o automóvel estacionado do outro lado da rua. Diana estava procurando pela chave de seu carro quando viu uma sombra se aproximar e sentiu o perfume inconfundível de Fernanda. Deu um suspiro prolongado antes de se virar, não estava com a mínima vontade de discutir com a irmã.
– O que você quer? – perguntou já impaciente.
– Como você se sente acabando com a minha vida desse jeito? – os olhos de Fernanda estavam úmidos, mas Diana não cairia em seu papel de vítima.
– Eu não sei se você já percebeu, mas não fui eu quem pediu o divórcio. Eu sou apenas a advogada do seu ex-marido.
– Ele ainda é meu marido. E vai ser até quando eu quiser dar o divórcio – falou entredentes.
– Fernanda, posso te dar um conselho? – perguntou e a irmã negou prontamente, mas mesmo assim Diana continuou – Se eu fosse você, faria logo esse acordo, seguiria a vida e ia atrás de fazer uma terapia para tratar esse seu egocentrismo, essa sua dificuldade em perder. Isso ainda vai acabar com você. Aliás, já está acabando – sorriu ao encará-la de cima a baixo e abriu a porta do carro.
– Eu não vou perder para você – Fernanda bateu a porta do carro da irmã, a impedindo de entrar – O Fábio errou no momento em que te escolheu como advogada.
– Você já não me intimida mais – Diana sorriu – Aliás, eu estou bem cansada de você. De você e de toda essa merda que você meteu a sua família e que eu tenho que lidar mesmo contra a minha vontade. Agora me dá licença, eu tenho que trabalhar.
Diana entrou no carro e saiu ainda ouvindo reclamações e acusações de Fernanda. No caminho até seu escritório refletiu sobre aquela manhã e sobre a breve conversa com a irmã e decidiu que de fato estava cansada daquela situação e daquele processo, já não queria vínculos com os Andrade, por mais insignificante que fosse. Assim que estacionou em frente ao escritório, ligou para Fábio e marcou uma reunião ainda naquela tarde, pois o que tinha a dizer não poderia esperar até segunda-feira.
Perto das cinco e meia Fábio chegou e Diana sorriu ao ouvir a voz de seus sobrinhos ainda da recepção. Rita fazia suas usuais mágicas simples para Lucca, que parecia chocado com qualquer movimento feito pela moça. A advogada saiu de sua sala e foi atacada pelos braços dos dois, que rodearam sua cintura em um abraço apertado.
– Titia Diana! – Sophie estava ainda mais empolgada que o irmão – Eu estava morrendo de saudades! Por que você não vai mais na casa da vovó?
– Oi, meus amores! – Diana abraçou os sobrinhos e percebeu o quanto eles cresceram desde ao último abraço, mesmo fazendo poucos meses – Eu também estava com saudades! Eu não vou conseguir ir na casa da vovó por um bom tempo, mas a minha casa estará sempre aberta pra vocês!
– Papai, a gente pode passar as férias na casa da titia? – foi a vez de Lucca perguntar em seu tom infantil.
– As férias vão começar só em dezembro, vocês têm tempo ainda, filho... Mas qualquer dia vocês podem fazer uma visita, o que acha? – Fábio perguntou com um sorriso ao notar a frustração do menino, que assentiu em seguida – Mas agora eu preciso falar com a tia de vocês em particular, tá bom?
Os dois assentiram e Rita se prontificou a fazer companhia para as crianças enquanto Fábio e Diana conversavam. Eles seguiram para o escritório e a advogada se apressou em fechar a porta para terem mais privacidade. Ela não sabia como o ex-cunhado iria se portar ou se iria entender o que tinha a dizer, mas sabia que aquilo seria o melhor a ser feito para todas as partes.
– Fábio, hoje a Fernanda veio conversar comigo assim que você foi embora. Não vou entrar em detalhes porque ela só se vitimizou, mas ela disse algo de relevante que possivelmente vai te desagradar, mas eu acredito que vai ser o melhor a se fazer.
– E o que ela pode sugerir que vai ser melhor, quando ela sequer quer se separar?
– Ela não sugeriu, muito pelo contrário. Tentou me intimidar, mas não deu certo, ela por si só já estava desestabilizada demais para conseguir isso. Porém eu percebi que ela vai te dar exatamente o que você quer, desde que eu não seja mais a sua advogada. Ela deixou claro que o seu erro foi me escolher, pois ela não me permitiria vencer. Eu conheço minha irmã e sei que ela quer tudo só para ela, mas também sei que juiz nenhum vai conceder. O que acontece é que enquanto eu estiver em sua defesa, ela vai dificultar tudo ainda mais.
– Você foi tão vítima quanto eu, você não quer se vingar?
– Sinceramente, não acho que seguir com um processo de divórcio por anos seja uma vingança benéfica para você ou para mim.
– Isso é dar a vitória nas mãos dela.
– Não é – Diana sorriu – Você vai conseguir exatamente o que quer porque ela vai achar que conseguiu tudo o que quis, essa é apenas uma jogada. Ela vai achar que eu saí do processo, você contrata um novo advogado e posso até te indicar um de confiança, mas eu continuo te dando toda a assistência por fora e quantas consultas jurídicas forem necessárias. A Fernanda vai acreditar piamente que eu perdi para ela, e como sempre quis vencer, vai achar que me venceu. Eu estando aparentemente fora do processo, ela vai ficar mais maleável a um acordo porque já sabe que não vai te convencer a abrir mão do divórcio, então vai tentar te conquistar de novo mostrando uma Fernanda dócil e passiva que ambos sabemos bem que não existe só para ter você e todos os bens de volta – deu de ombros – Enfim, eu só precisava te apresentar essa possibilidade. Eu continuarei do seu lado, mas ela não saberá disso.
– Isso parece loucura, mas eu confio em você.
– Pode confiar. Eu estou querendo te ajudar não só como advogada, mas como amiga. Posso te explicar todos os detalhes, todos os passos que você deve dar daqui em diante. Por achar que ganhou de mim, ela vai perder para você, e essa é a melhor vingança que você pode ter a curto prazo.
Quando Fábio finalmente entendeu a proposta de Diana, foi embora com os filhos carregando o número de telefone de um advogado indicado pela ex-cunhada, que intermediou o contato entre os dois ainda de sua sala. Assim que os três saíram, ela respirou aliviada por não fazer mais parte daquele processo que tirou seu sono e também com a certeza de que havia feito o melhor para o homem, evitando assim mais dores de cabeça para ele. Exausta, trancou o escritório e deixou Rita no metrô antes de seguir para sua casa para finalmente descansar.
O banho de Diana naquela noite quente foi o mais relaxante em muito tempo. Sua mente estava completamente vazia enquanto a água fria caía sobre sua nuca e relaxava meus músculos antes tão tensos. Desligou o chuveiro e se jogou em sua cama ainda enrolada na toalha, sentindo um alívio tomar seu corpo por inteiro ao se dar conta de que finalmente estava livre de Fernanda e de seus pais. Sabendo que nada mais poderia tirar sua paz, adormeceu com um sorriso no rosto e a mente tranquila como nunca esteve antes.
Olá meus amores! Espero que estejam bem!
Mais uma vez, sei que estou sumida, mas é final de bimestre e eu sou professora, então os dias estão bem corridos por aqui. Pensei que fosse conseguir escrever algo durante o feriado, mas realmente tirei os quatro dias para colocar minha vida em dia.
Enfim, me desculpem por esse capítulo sem graça e também porque eu sei que vocês queriam que a Diana fosse a advogada principal do divórcio da Fernanda com Fábio - eu também queria, mas ela realmente estava cansada disso, e quando eu escrevi algo diferente, vi que ela não estava feliz, então reescrevi assim (pode parecer estranho para quem não escreve, mas eles decidem tudo).
Sei que o capítulo está chato, mas não desistam de mim e nem da Diana e do Gael! Prometo que o próximo capítulo está uma delicinha ♥
Nos vemos em breve!
Beijinhos ♥
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