35 - Livre

Porque tudo o que você pensou que eu poderia ser desmoronou bem na sua frente.
Numb - Linkin Park

Com um olhar significativo, Gael pediu para que ela abrisse e acabasse com aquela dúvida de uma vez. O coração de Diana parecia que pularia para fora do peito a qualquer momento e suas mãos tremiam enquanto baixava o arquivo que poderia mudar sua vida para sempre. Ele sorria tentando passar alguma confiança, mas estava tão ansioso e temeroso quanto ela. Ao ler o resultado, Diana sentiu os olhos umedecerem e um nó surgir em sua garganta.


– Negativo... – murmurou e virou a tela para ele sem encará-lo – Me desculpa...


Por mais que seu namoro fosse recente, por mais que um filho não estivesse nos seus planos naquele momento, por mais que estivesse torcendo por um resultado negativo desde o momento em que percebeu estar com a menstruação atrasada, por mais que devesse respirar aliviada com aquele negativo, Diana deixou uma lágrima escorrer. Era como se mesmo devendo não querer aquilo, uma parte sua quisesse. Seus olhos finalmente se encontraram aos de Gael e pela primeira vez ela o viu quebrado. Ele forçava um sorriso consolador, mas somente seu olhar entregava o quão decepcionado estava.


– Tá tudo bem, amor... – ele a abraçou, afagando seus cabelos – Você tinha razão, assim é melhor, não é? – a voz embargada do rapaz evidenciava o nó existente em sua garganta.

– Eu... – respirou fundo, segurando a emoção que se aproximava – Talvez eu estivesse me acostumando com a ideia. Mas tem razão, assim é melhor... Assim é melhor – repetiu baixinho para se convencer.


A noite até então divertida do casal foi deixada de lado naquele momento. Eles continuaram abraçados pelo tempo em que julgaram necessário até digerirem aquele resultado. Diana ainda achava cedo demais para ter um filho com Gael e nem mesmo tinha certeza de que seria uma boa mãe, mas talvez estivesse tão convencida de que veria um enorme positivo no exame que intimamente contasse com aquilo. Ele também sabia que o namoro recente não era o melhor momento, mas fantasiou tantas coisas com aquela mulher e com aquela criança inexistente que mesmo tentando, não foi capaz de esconder sua tristeza.

Desligaram a televisão que falava sozinha assim que se desfizeram daquele longo abraço e foram se deitar pouco antes das dez da noite para terminar aquele dia o quanto antes. Diana apagou as luzes e a escuridão tomou conta do quarto silencioso onde somente o barulho de suas respirações se fazia presente. Ambos estavam deitados de barriga para cima, encarando o teto mesmo sem enxergarem nada, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo.


– Se eu não queria estar grávida, por que eu estou me sentindo assim? – Diana quebrou o silêncio, por mais baixa que sua voz soasse.

– Por minha culpa – Gael murmurou, tateando o colchão até encontrar a mão de Diana – Eu me empolguei tanto que te fiz acreditar tanto quanto eu de que tinha um bebê aí e que isso seria bom.

– Não foi sua culpa, você não ficou escolhendo os nomes sozinho – ela se virou e abraçou seu tronco, apoiando a cabeça em seu peito – Mas talvez o destino tenha a certeza de que eu não saberia ser mãe. Sabe, apesar de eu ter uma mãe, eu não tenho um exemplo muito maternal.

– Você seria uma ótima mãe, e eu tenho certeza disso porque você faria questão de ser diferente da sua. E pode não ter sido agora, mas nada impede de daqui uns anos a gente decidir ter um filho ou dois – ele soltou um riso baixo e beijou o topo da cabeça apoiada em seu peito – Já pensou, uma criança com os seus olhos?

– E você pretende estar namorando comigo daqui uns anos ainda? – agora foi ela quem sorriu.

– Eu não sou mais um adolescente que namora só por passatempo, Diana. Eu não teria aceitado namorar com você se não pensasse em ter um futuro ao seu lado – apesar de saber que ele sorria, ela percebeu a seriedade em sua voz.

– Saiba que é recíproco – ela ergueu a cabeça até ele e o beijou – Eu amo você.


Apesar da noite indigesta que tiveram, depois daquela conversa eles conseguiram dormir tranquilos. Às vezes Diana se sentia como uma adolescente vivendo o seu primeiro amor e se condenava por, em tão pouco tempo, se entregar e fantasiar um futuro com o tatuador. O que talvez ela não percebesse era que Gael já havia entregado seu futuro em suas mãos desde o dia em que assumiu estar apaixonado.

O restante daquela semana passou feito um borrão. O casal mal conseguia se encontrar, já que Diana não estava almoçando fora do escritório para conter gastos e Gael estava trabalhando muito para ter o dinheiro necessário caso decidisse aceitar a proposta do estúdio belga, que pediu uma resposta até a próxima quarta-feira. Esse era um outro assunto que ainda não haviam tido tempo para conversar, mas que a mulher havia acabado de mencionar durante o café da manhã daquele domingo gelado de 1° de agosto.


– E a Bélgica? Você não me falou mais nada sobre isso... – ela comentou após um gole de café.

– Eu não sei se devo aceitar – foi sincero – Quero dizer, a proposta é ótima, eu receberia em euro e seria uma experiência maravilhosa, mas o dinheiro que eu tenho guardado é pro caso de a Rita ter uma recaída, pra eu conseguir pagar a internação... Fora que eu ajudo a minha mãe todo mês e por uns dois meses eu não sei se vou conseguir.

– Você sabe que eu posso ajudar caso algo aconteça com a Rita, mas eu confio nela, acredito que nada vai acontecer. E sua mãe não vai ficar desamparada, ela tem a Isadora e a mim também.

– E se algo acontecer com elas ou com você enquanto eu tô do outro lado do mundo? Vocês são tudo o que eu tenho.

– Nós vamos ficar bem – ela sorriu e entrelaçou seus dedos nos dele – Você recebeu esse convite que é uma oportunidade incrível e que pode não chegar duas vezes.

– E se não gostarem do meu traço? Se acharem que eu não sou tudo isso que estão esperando...

– Eles gostaram do seu trabalho, senão não iriam propor de te dar passagem e moradia por um mês. Eu não negaria isso se fosse você. Quando eu estava em dúvida se deveria vender a minha parte do escritório pro Maurício ou não, a Isadora me disse que se a gente ficar se privando de coisas novas, nunca vai saber como teria sido e vai ficar se remoendo por isso. Hoje eu vejo o quanto ela tem razão.

– E se quando eu voltar, tudo for diferente?

– O que pode mudar em um mês?

– O estúdio com certeza vai chamar outro tatuador pra ficar na minha sala, e se preferirem o outro? Eu fico sem emprego. Tem o meu trabalho no bar... não quero abrir mão dele e nem deixar o Bento na mão. E tem a gente...

– Eu tenho certeza que o Bento não vai abrir mão de você. Já o estúdio, se te dispensarem, você encontra outro ainda melhor. Você vai ser um tatuador com carreira internacional! E você não tem que se preocupar com a gente, quando você voltar eu estarei exatamente aqui – abriu um sorriso tranquilo – Talvez me alimentando um pouco mal porque não vou ter você pra cozinhar pra mim, mas estarei exatamente aqui.

– Como sempre, você sabe articular tão bem seus argumentos que me convenceu – sorriu – Eu vou, mas com uma condição. Quando eu voltar, quero um jantar de boas-vindas feito por você. Não vale delivery.

– Por mim tudo bem, o azar vai ser seu, mesmo.


Diana sorriu e Gael podia morar naquele sorriso travesso que só ele conhecia. O domingo frio e preguiçoso não estava com pressa para passar e o casal agradecia por isso, pois podiam passar mais tempo juntos. Maratonavam um seriado sobre o folclore brasileiro deitados sob as cobertas no sofá quando a campainha tocou. A dona da casa não aguardava por ninguém e muito menos atendeu ao interfone para liberar o portão. Ela olhou pelo olho mágico e não conseguiu enxergar nada devido à má iluminação do corredor, então pensou ser visitantes de algum vizinho que erraram de apartamento. Tanto ela quanto o rapaz não esconderam a surpresa assim que a porta se abriu.


– O que vocês estão fazendo aqui?! – Diana travou ainda na porta.

– A gente precisa falar com você, minha filha – Armando tomou a frente.

– Achei que não fizesse mais parte dessa família.

– Por favor, nos deixe entrar – foi a vez de Eliane pedir.


Diana ponderou por um segundo. Não sabia se queria os dois em seu lar. Já fazia alguns meses desde o tapa que levou de sua mãe, mas naquele momento foi capaz de sentir a mesma ardência em seu rosto. Seu pai parecia com vergonha de encará-la após mandá-la embora de sua casa, então manteve os olhos no chão de taco. A mulher ficou tanto tempo em silêncio que foi chamada de volta pelo pigarreio de Eliane.


– Acho que vocês podem me falar o que querem daqui mesmo.

– Filha, por favor.


Armando a olhou pela primeira vez e Diana se odiou por abrir a porta e permitir a entrada do casal. A postura de Gael sobre o sofá estava desconfortável e ele sentiu um amargor na garganta ao se lembrar do único encontro com os sogros, quando foi apresentado como um simples cliente da advogada. Bastou os dois passarem pela porta para encararem o tatuador imóvel.


– Agora você recebe clientes em casa, Diana? E atende eles de pijama, ainda por cima? – o tom venenoso e acusatório de sua mãe a enojou, mas nada a irritava mais do que a forma desdenhosa que seus pais o encaravam.

– Ele não é meu cliente, nunca foi – ela caminhou até ele e segurou sua mão, o fazendo levantar – Ele é meu namorado, Gael.


Com exceção de Diana, todos pareceram chocados. Gael por ser apresentado como namorado após acreditar que mais uma vez seria um cliente sem importância que por algum motivo estava no apartamento da advogada. Seus pais, horrorizados com a escolha da filha enquanto encaravam todas aquelas tatuagens e os cabelos caindo sobre os ombros.


– Você realmente perdeu a cabeça – Eliane murmurou para a filha – Bem que o Maurício me alertou.

– Por que será que eu não estou chocada em saber que vocês ainda mantêm contato com o Maurício? – deu um riso antipático – Mas me contem, o que mais ele disse de tão relevante sobre mim? Aliás, e o relacionamento dele com a Fernanda, vai bem? Ou ele só se relacionava com a minha irmã enquanto eles eram comprometidos com outras pessoas?

– Deixa sua irmã fora disso! Ela está sofrendo demais! – Eliane ordenou, mas recebeu um sorriso debochado como resposta.

– Você vendeu sua parte da Andrade & Monteiro e está com um escritório medíocre em cima de um salão de beleza, foi isso que ele contou! – Armando bradou ao interromper a esposa.

– Ah, então vocês vieram até aqui só pra demonstrar o descontentamento de vocês comigo? Fiquem tranquilos, eu já convivo com isso minha vida toda, podem ir.

– Não é isso, minha filha – Armando acalmou a voz repentinamente – Nós viemos dizer que entendemos que você passou por momentos ruins e tomou decisões ruins – encarou Gael e voltou o olhar para ela – Mas nós estamos dispostos a comprar a sua parte de volta. Você pode voltar para o escritório que nós tanto sonhamos...

– É incrível como você fala exatamente igual ao Maurício – riu com escárnio – E aquele é o escritório que vocês sonharam. Nunca me perguntaram o que eu realmente queria.

– E o que mais você pode querer? – foi a vez de Eliane questionar a filha.

– No momento, que vocês saiam da minha casa.

– Pensa na proposta do seu pai, filha. Nós só queremos o seu bem.


Eliane segurou e acariciou os ombros de Diana com o polegar, fazendo a blusa que ela usava sair do lugar e deixar um pequeno pedaço de sua tatuagem à mostra. A mulher sentiu a face esquentar ao terminar de puxar a peça de lado e ver o desenho na pele da filha. Armando não escondeu o desgosto que estampava cada linha de expressão de seu rosto.


– O que você se tornou?! – Eliane forçou uma decepção maior do que sentia de fato.

– Eu me tornei livre – ela respondeu em um dar de ombros.

Livre! Desde quando liberdade é mutilar a própria pele?! Eu nunca estive tão decepcionado com você! Só pode ser má influência desse aí! – apontou com nojo para Gael, que até então se mantinha em silêncio.

– Quando a Diana me contou sobre vocês, eu não acreditei. Achei que ela estava exagerando. Eu realmente achei que não poderia existir pais tão ruins, e olha que eu fui abandonado pelo meu pai. Eu realmente não dou a mínima se vocês não gostam de mim sem nem mesmo me conhecer, mas a forma que vocês tratam a própria filha é nojenta! A Diana é a pessoa mais doce e mais inteligente que eu conheço, eu nunca conheci alguém como ela e nunca entendi o porquê ela se menosprezava tanto, mas agora infelizmente fez sentido. É uma pena que vocês sejam tão burros pra não perceber a filha incrível que tem – o tom controlado de Gael não fazia jus à raiva que sentia.

– Quem você pensa que é pra...

– Como a Diana já disse, ela quer que vocês saiam da casa dela – Gael o interrompeu.

– Diana, você vai deixar esse aí que você chama de namorado falar assim com seus pais?! Que te criaram, que te deram amor?! – Eliane começou um choro teatral.

– Como eu já disse e o Gael reforçou, eu quero que vocês saiam.


Cansada de esperar pela boa vontade dos pais, abriu a porta e indicou a saída. Eliane forçou ainda mais o choro, mas Diana não se deixava abater por aquelas lágrimas falsas que tanto conhecia. Seu pai saiu puxando sua mãe pelo braço enquanto ela mantinha a cena patética. Armando falou alguma coisa sobre ela estar se afundando e que aquela era a última tentativa de restaurar aquela família, mas ela realmente não se importava mais. Quando ouviu o choro da mulher cessar com o fechar das portas do elevador, abraçou Gael com um suspiro cansado e agradeceu por tudo que ele havia dito.

Lidar com seus pais sempre era desgastante, mas se tornou minimamente mais suportável quando não precisou medir as palavras e passou a tratá-los exatamente como era tratada. Outras pessoas até poderiam julgá-la por seu comportamento, mas ninguém mais sabia como era estar dentro de sua pele e aceitar décadas de desrespeito daqueles que deveriam amá-la acima de qualquer circunstância. Antes que uma pequena pontinha de arrependimento pudesse surgir, lembrou-se do que disse a seu pai – "Eu me tornei livre" –, e se eles não aceitassem a sua liberdade, então que não voltassem para vê-la voar.

Olá meus amores, como estão?!

Sei que vocês estavam esperando um enorme positivo, me desculpem kk
A tristeza dos dois não foi planejada, mas enquanto eu escrevia eles ficaram triste e eu só segui o baile haha

E sobre os pais da Diana, não tenho o que falar. Eu queria, de verdade, que eles reconhecessem os erros deles nesse capítulo, mas mais uma vez eles tomaram as rédeas, porque nada sai como eu planejo.

É isso, nos vemos em breve!
Beijinhos ♥

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