33 - Seis dias
Eu escolhi me levantar e não negar, porque eu finalmente encontrei o meu próprio lugar.
A Place Of My Own - Alicia Keys
Mais alguns beijos tomaram conta daquela mesa antes do casal se levantar de mãos dadas e ir até Bento para contar a novidade. O dono do bar começou a rir e não falou nada, apenas meneou a cabeça enquanto entregava um copo de vinho para cada para comemorar, enchendo um para si também.
– Que cara é essa? – Gael franziu o cenho.
– Vocês realmente achavam que conseguiam esconder qualquer coisa? – Bento riu – Eu sei que vocês estão juntos faz tempo.
– Como?! – foi a vez de Diana questionar.
– Ah, Diana, você pode até ser um pouco mais discreta, mas esse aqui chega com sorriso de orelha a orelha sempre que te vê e fala de você o dia inteiro se deixar. Eu digo que ele tá com os quatro pneus arriados por você desde que te conheceu! Perdi a conta de quantos números de telefone ele negou ou jogou fora nos últimos meses.
– Bento! – Gael se envergonhou enquanto o amigo ria alto.
– Mas falando sério agora, eu sempre percebi os olhares que vocês trocavam, foi questão de tempo pra ter certeza. Ah, já vi vocês se beijando lá fora uma vez. Tem certeza que vocês tentavam esconder?!
Gael e Diana acompanharam a risada sempre contagiante de Bento. Por mais que tentassem esconder, o magnetismo e química que tinham tornava isso uma tarefa impossível. Pessoas iam e vinham sem parar entre as mesas do bar, alguns universitários felizes pela aproximação do fim do semestre, outros apreensivos com as provas finais, uns até mesmo bebendo para esquecer dos problemas. Não importava quantas pessoas passassem por ali naquela noite de sexta-feira, ninguém poderia estar mais feliz que o casal sentado no balcão.
Como já era esperado, Gael voltou para casa acompanhado de Diana, que foi para o bar de Uber já com a certeza de que voltaria de moto, fosse para o seu apartamento ou para a casa do rapaz. Ela já estava deitada na cama vestindo uma camiseta do namorado quando ele saiu do banheiro enrolado na toalha tremendo de frio e se enfiou debaixo das cobertas junto dela.
– Finalmente... – ele se aconchegou a ela, que reclamou da pele gelada do rapaz contra a sua – Minha cama, meus cobertores, minha namorada. Tudo o que eu queria hoje.
– Acho que vou demorar a acostumar com o termo namorada – ela soltou um riso baixo.
– Trate de se acostumar, porque foi você que me pediu em namoro. Tudo bem que foi por conta do ciúme que sentiu daquela mulher...
– Não foi bem ciúme, foi... ok, ciúme. Ela era linda, eu me trocaria fácil por ela.
– Mas eu não te trocaria por ela. Nem por ela e nem por nenhuma outra mulher dentro ou fora daquele bar. Mas a senhorita não ficou atrás, né? Também ficou um tempão ouvindo a conversinha daquele cara de sapatênis – torceu os lábios, a fazendo sorrir.
– Não sou a única com ciúme aqui – entrelaçou sua perna na dele – Mas aquele homem era muito chato, só falava de si mesmo, ficava me elogiando a cada dez segundos, tentando encostar em mim... insuportável. Chegou uma hora que eu não prestava mais atenção no que ele dizia. Mas prestei bem atenção nos toques e jogadas de cabelo daquela moça...
– Meu Deus, como você é boba – ele sorriu e a puxou para um abraço mais próximo – Ela tentou sim me dar ideia, mas eu falei que estava acompanhado e ela se desculpou pela inconveniência.
– Desculpa eu não saber lidar direito com esse ciúme bobo, é que eu nunca senti isso antes, nem com o Maurício e nem com ninguém. Sinceramente, acho que é porque eu não entendo o que você viu em mim.
– É normal ter um pouquinho de ciúme daquilo que a gente ama – sorriu e beijou sua testa – E eu vou ter que te lembrar tudo o que eu vi em você? Porque quando a gente teve essa conversa há alguns meses eu só falei o que era seguro falar pra uma mulher comprometida com outro cara, mas agora eu posso enumerar muitas coisas mais...
O olhar sugestivo de Gael acompanhado da espalmada seguida de um apertão em sua coxa fez Diana soltar uma gargalhada alta, mas eles nada fizeram além de dormir abraçados com as pernas entrelaçadas depois de alguns longos beijos de boa noite. Estavam cansados demais. Ela, da busca incessante por um escritório decente; ele, da noite agitada do bar depois de tatuar o dia inteiro no estúdio.
***
Um mês se passou desde o pedido de namoro, e naqueles trinta dias o casal se aproximava cada vez mais. Quando dona Cida ficou sabendo da oficialização daquele relacionamento, fez até um almoço especial para comemorar. As irmãs de Gael ficaram tão felizes quanto a mãe, pois sabiam o quanto a advogada fazia bem para o irmão. Diana não tinha a quem contar – a não ser para Márcia, a recepcionista de seu antigo escritório que vinha se tornando uma amiga. A mulher afirmou através de mensagens de voz animadas pelo WhatsApp que desde a primeira vez que viu a forma como a ex-chefe olhava para o tatuador, teve a certeza de que uma bela relação sairia dali.
Márcia também contou que Maurício andava perdendo os cabelos por conta da preocupação com a antiga Andrade & Monteiro. Ele nunca confessou em voz alta, mas a recepcionista conhecia tudo daquele lugar e sabia quando as coisas não caminhavam bem. Os pais do homem se tornaram visita frequente no décimo andar do prédio comercial e o celular corporativo guardado na recepção recebia mensagens de texto do banco avisando que havia recebido uma nova transferência para a conta do escritório em nome dos Monteiro. Naquele mês o seu salário também atrasou, já que quem sempre ficou responsável pelos pagamentos era Diana e o advogado só se lembrou de pagar sua funcionária quando foi sutilmente cobrado.
Apesar daquela pontinha de satisfação que sentiu ao ver que o ex-noivo não estava tão bem quanto imaginou, Diana não podia dizer que estava se dando tão bem quanto gostaria. Ela já havia encontrado um novo escritório, mas ainda tentava se acostumar com a ideia da localização não tão privilegiada assim, além de toda a dor de cabeça para mobiliar aquele lugar que mais parecia uma casa saída dos anos 50.
Seu novo escritório era um conjunto de duas salas pequenas e um banheiro minúsculo sobre um imóvel onde funcionava um salão de cabeleireiros, com uma sacada estreita com vista para a rua que mal cabiam duas pessoas bem ao lado do hall de entrada que Diana usaria como recepção. As luzes incandescentes pioravam o aspecto das paredes beges e encardidas e as portas e janelas de madeira que não viam uma pintura ou até mesmo um verniz há décadas deixava tudo parecendo ainda mais antigo do que realmente era. O que o lugar tinha de mais bonito era o chão, já que o piso era de taco assim como o de seu apartamento e surpreendentemente estava bem cuidado – ao menos tinha um aspecto muito melhor que todo o restante.
Naquele domingo em que o casal poderia estar comemorando o primeiro mês de namoro oficial, Gael estava exausto após montar os móveis do novo escritório de Diana enquanto ela terminava de organizar a pequena recepção. As paredes agora todas brancas ainda cheiravam a tinta fresca, mesmo tendo sido pintadas durante a semana por ela e por Rita. As portas e janelas antigas foram envernizadas e ficaram melhor do que a mulher esperava, além de combinarem com o mobiliário amadeirado. A iluminação também foi trocada por lâmpadas brancas de LED, fazendo as costumeiras dores de cabeça de Diana agradecerem por isso.
O sol se pôs, mas os dois continuavam no imóvel acertando os últimos detalhes. Ele terminava de instalar o filtro de água na pequena cozinha improvisada no segundo cômodo, ela finalizava a decoração com seu vaso de flores artificiais sobre o aparador de sua sala. Ao caminhar entre os ambientes, se sentiu orgulhosa pelo escritório que conseguiu montar, mas apreensiva em relação ao que os clientes que a conheceram no luxuoso prédio comercial onde se localizava a Andrade & Monteiro iriam pensar ao verem onde ela foi parar.
– Que carinha é essa? – Gael a abraçou pelas costas e apoiou o queixo em seu ombro.
– Eu não sei, e se eu perder meus clientes porque o novo escritório não está à altura deles e da finada Andrade & Monteiro? – recostou a cabeça em seu peito.
– Seus clientes são seus clientes porque você é uma ótima profissional, não porque seu computador tá numa salinha em cima de um salão de beleza e não numa sala com ar condicionado no décimo andar de um prédio de luxo. Eu não me canso de dizer o quanto eu me orgulho da advogada incrível que você é. E é uma ótima pintora de paredes e decoradora também, porque o escritório ficou muito bonito – sorriu e beijou sua bochecha.
– Eu vou ficar mal-acostumada com a forma que você me sempre me elogia – se virou e abraçou seu pescoço.
– Eu só sou sincero – deu um selinho em seus lábios – O Bento me deu folga hoje, o que acha de ir comer algum lanche gorduroso no shopping antes de ir pra casa?
– Eu estou meio enjoada, acho que foi aquela feijoada do almoço que não caiu tão bem. Queria ir pra casa, assistir um filme e comer algo leve enquanto você me faz companhia. O que acha?
– Ótima ideia – lhe deu mais um beijo.
Diana estava tão cansada que deixou Gael guiar seu carro até o prédio na Santa Cecília enquanto cochilava no assento ao lado. Ele sequer ligou o rádio como de costume, pois sabia o quanto a namorada precisava descansar depois de uma semana tão cheia. Já no apartamento 51, a mulher tomou um banho longo enquanto o tatuador preparava um jantar leve para os dois com os itens da geladeira – que ainda era vazia, mas tinha muito mais coisas desde que começaram a namorar.
O jantar como sempre estava delicioso e Diana agradecia aos céus por ter um namorado que não só gostava como também sabia cozinhar, pois definitivamente não havia sido contemplada com essa habilidade. Não era nada muito especial, apenas filé de frango grelhado, salada e arroz, mas seu estômago enjoado estava grato por ter uma folga de tanto alimento gorduroso dentro de si. Gael aproveitou para tomar um banho rápido antes de se aconchegar no sofá ao lado dela e escolherem um filme de comédia que já haviam assistido dezenas de vezes, mas que nunca perdia a graça.
Ambos tinham praticamente todas as falas daquele filme decoradas, mas riam como se fosse a primeira vez que assistissem. Diana ria da cena em que uma das protagonistas fazia uma piada sobre a mãe de outra personagem ser velha quando uma notificação fez seu sorriso se desfazer por completo. "Seis dias em atraso", dizia a mensagem na tela de bloqueio de seu celular. Mas não podia ser... sempre teve controle de tudo, inclusive de sua menstruação. Tomava anticoncepcional há anos, mesmo tendo esquecido um comprimido ou outro desde que decidiu correr atrás de um imóvel para seu escritório. Gael estava tão entretido com o filme enquanto massageava os pés da namorada que sequer percebeu o olhar apavorado no qual ela encarava o aparelho em sua mão, tentando fazer contas e mais contas para se convencer de que aquilo não passava de uma infeliz coincidência.
Gael não entendeu o porquê Diana se levantou num pulo e foi até o quarto, apenas pausou o filme e esperou que ela retornasse. No outro cômodo, depois de revirar todo a gaveta da mesa de cabeceira, retirou o blister com seis comprimidos restantes e sentiu a espinha gelar, não deveria ter sobrado tudo aquilo. Puniu-se mentalmente o quanto pôde por ter sido tão inconsequente. O tatuador também se protegia na grande maioria das vezes, mas no calor do momento já havia acontecido de esquecerem da proteção – e aquela noite na praia foi um deles.
Estranhando a demora da mulher, Gael foi até o quarto e Diana se assustou, jogando a cartela de anticoncepcional na gaveta e a fechando com força. Para sua própria sorte, o rapaz não viu do que se tratava, apenas percebeu ser um remédio. Questionou algumas vezes se ela estava bem, mas ela afirmou apenas estar com dor no corpo e ter tomado um relaxante muscular. O casal voltou para a sala e continuou a assistir o filme, mas ela não conseguia mais sorrir com as cenas engraçadas, se manteve pensativa até a hora de dormir abraçada ao namorado que sequer imaginava o que estava acontecendo.
A segunda-feira amanheceu estranha para Gael, que acordou sem os carinhos e abraços de Diana, que já havia se levantado e estava preparando café para os dois. Ele a abraçou e deu um beijo de bom dia em seu pescoço, mas a mulher apenas murmurou um bom dia desanimado e voltou a passar a manteiga em suas torradas sem sequer olhá-lo. O café da manhã também foi feito em silêncio, ao menos da parte da advogada absorta. O tatuador percebeu o comportamento estranho e o medo daquele relacionamento estar chegando ao fim se aproximou, já que de sua parte o que sentia por ela só se intensificava a cada dia.
Desistindo de manter uma conversa com quem não parecia disposta a gastar muitas sílabas e sentindo um peso ruim no estômago, Gael se despediu da namorada com um beijo na testa e seguiu para o estúdio sem seu bom humor costumeiro. Tentou revisar as últimas 24 horas e até mesmo a última semana, tentando entender o que havia feito. Enviou uma mensagem para Diana perguntando se os dois estavam bem e recebeu uma resposta afirmativa, mas naquela altura não conseguiu acreditar totalmente. Passou toda a manhã tentando não pensar no que havia acontecido, mas um nó entalava sua garganta.
Próximo ao meio-dia enviou mais uma mensagem perguntando se deveriam almoçar juntos, mas ela não visualizava o WhatsApp há pelo menos duas horas. Almoçou sozinho na lanchonete do outro lado da rua, e quando voltava para o estúdio recebeu uma mensagem que o fez estancar os passos. Gael não podia acreditar no que estava lendo, era algo maravilhoso. Assustador, mas maravilhoso. Abriu um sorriso largo e passou a fantasiar um futuro não tão distante. Mal podia esperar para sair do trabalho e ir direto para a casa de Diana.
Diana, por sua vez, encarava o jogo de paciência no computador enquanto alguns homens instalavam o circuito de alarmes do escritório. Ela não conseguia raciocinar direito e o atraso para instalarem a internet não a ajudava a se distrair. Precisava conversar com Gael. Precisava contar o que estava acontecendo. Enviou uma mensagem para o rapaz pedindo para se encontrarem em seu apartamento naquela noite.
Ainda inseguro com esse pedido de encontro no apartamento da namorada, Gael continuou tentando se distrair do possível término e se concentrar na mensagem que recebeu por todo o caminho até o prédio na Santa Cecília. Assim que chegou, tocou o interfone e bastou as portas do elevador se fecharem para o medo que tanto disfarçou voltar a aparecer. Diana abriu a porta e o cumprimentou com um selinho rápido e um sorriso que ele sabia não ser sincero. Naquele momento não havia boa notícia que fosse capaz de mascarar seu receio.
– Eu não vou fazer rodeios, Diana... você me chamou aqui pra terminar comigo, não foi? – a voz dele vacilou o suficiente para entregar que aquele era um medo real, mas Diana deu uma risada sincera ao ouvi-lo.
– Por que eu faria isso? – esboçou seu melhor sorriso.
– Você tá estranha desde ontem, não tem falado comigo direito, o que você quer que eu pense?! – respirou um pouco mais aliviado.
– Eu... eu tive uns... problemas. Uns problemas que eu tenho obrigação de te contar, mesmo não querendo.
– Eu também tenho que te contar algo. É uma novidade, algo que pode ser muito bom...
– Pode contar primeiro! – o pedido minimamente empolgado de Diana soou mais como uma ordem que Gael não se atreveria a negar.
– Eu fui convidado pra tatuar em um estúdio super conceituado na Bélgica! – ele abriu um sorriso largo – Eles vão bancar a minha estadia e a passagem de ida, eu só preciso bancar a passagem de volta e meus gastos lá. Vai ser só um mês, mas o tanto que isso vai contar no meu portfólio é incrível!
– Isso é... ótimo – Diana abriu um sorriso forçado, por mais que sentisse um peso maior em seu peito a cada palavra dita por Gael. Por mais que tivesse tentado disfarçar, seu desânimo foi óbvio para o tatuador.
– Você não parece tão empolgada quanto eu imaginei – ele murmurou já sem nenhuma gota de entusiasmo.
– Desculpa, eu... isso é ótimo, de verdade – sorriu – Você merece ter o seu trabalho reconhecido, você é um tatuador maravilhoso, tenho certeza que os belgas vão te adorar – mesmo sorrindo, estava difícil controlar as lágrimas que umedeceram seus olhos.
– O que você tinha pra me contar? – segurou suas mãos e a olhou nos olhos.
– Não é nada importante – fungou e lutou para manter seu sorriso – Podemos pedir algo para comemorar a sua ida?
– Por favor, me conta. Você disse que eu tinha obrigação de saber, então eu quero saber.
– Eu acho que... Na verdade existe uma possibilidade... – suspirou – Mas que merda, não dá pra não ser direta. Eu posso estar grávida, Gael.
Boa noite meus amores! Como estão?!
Eu fico feliz com a Diana abrindo o escritório novo, mas e essas novidades? De repente os planos dos dois mudaram né?
Um convite para a Bélgica, uma possível gravidez... o que vocês acham que vai sair daí? E qual vocês acham que vai ser a reação do Gael? Eu estaria surtando, só uns meses juntos e um mês de "namoro oficial"...
Enfim, nos vemos semana que vem!
Beijinhos ♥
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