29 - Jovens e modernos

Eu sei que já me senti assim antes, mas agora eu estou sentindo ainda mais porque isso veio de você.
Dreams - The Cranberries

A sexta-feira chegou mais uma vez e o esperado horário de almoço também. Para evitar brigas entre os advogados dentro do escritório, Gael passou a esperar por Diana na portaria do edifício mesmo ela afirmando que não havia necessidade, pois o clima na Andrade & Monteiro já não estava tão bom desde o término do casal. Maurício não dirigia a palavra para ela desde o dia em que viu os dois se beijando e por mais que isso a trouxesse paz, também a deixava em estado de alerta. O ex-noivo não costumava abrir mão de nada tão facilmente, então ela não sabia dizer se ele de fato havia desistido de reatar aquele noivado fracassado.


– Ele não vai ser doido de fazer alguma coisa com você. Você pode acabar com ele rapidinho – Gael falou ao se sentar à mesa de um restaurante por quilo.

– Eu não acho que ele faria algo que pudesse me machucar, isso eu sei que não. Mas o Maurício é esperto e sabe como usar tudo a seu favor – Diana se sentou de frente para ele.

– Você não deveria ter me beijado na frente dele...

– Talvez tenha sido muito cedo – suspirou – Eu só queria te mostrar que não me envergonho de você.

– Esquece isso, já passou e agora eu te entendo, foi só uma insegurança idiota da minha parte – ele sorriu e segurou sua mão – Vamos fazer tudo no seu tempo, beleza? Ninguém sabe que a gente tá junto mesmo – deu de ombros.

– Nem o Bento? – arqueou a sobrancelha e sorriu.

– Nem o Bento, por mais difícil que seja esconder qualquer coisa dele.

– Então eu já sei que vou precisar disfarçar hoje a noite quando for no bar de Uber e te pedir uma carona até a minha casa... – sorriu e se inclinou para dar um selinho no rapaz.

– Só se você me deixar subir um pouco – ele retribuiu o selinho.

– Um pouco? E quem falou que eu vou te deixar embora?


Diana sorriu com a feição empolgada do tatuador e voltou a almoçar enquanto conversavam sobre aquela noite. Gael achava injusto como o tempo passava rápido quando estavam juntos naquela mísera hora de almoço que já chegava ao fim. Sua vontade era passar toda a tarde sentado naquela mesa falando sobre qualquer coisa com a advogada, apenas para ter a sua companhia. A mulher sentia o mesmo e ficou frustrada ao se despedir do rapaz na portaria assim que chegaram de volta ao edifício comercial.

O restante do dia foi atribulado no décimo andar, não dando tempo para Diana sequer se distrair. Entre atendimentos, protocolos e estudos, uma visita inesperada de Fábio deixou os ânimos agitados no escritório. O homem foi anunciado por Márcia e a advogada trancou a porta assim que ele entrou em sua sala, impedindo Maurício de causar uma cena desnecessária. Enquanto ela conversava com seu cliente, a sombra de passos impacientes era vista pelo pequeno vão sob a porta. Ela ouvia sussurros do ex-noivo com a recepcionista, mas a distância não a deixava entender uma palavra sequer.

Seu ex-cunhado apresentou suas exigências para a petição do divórcio e Diana precisou situá-lo em relação a alguns pontos antes de dar início a estruturação da ação. Durante aquela reunião Fábio comentou que havia alugado um apartamento na Vila Olímpia muito menor do que o anterior, mas com um quarto já mobiliado para Sophie e Lucca. Ela questionou quanto à guarda dos dois e o homem afirmou que no primeiro momento em que estava furioso pensou em tentar tirar as crianças de Fernanda, mas depois percebeu que a guarda compartilhada seria melhor para os filhos, por mais que sua ex-mulher merecesse ficar sem nada.

Fábio deixou o escritório um bom tempo depois sob olhares furiosos de Maurício que continuava na recepção e Diana sentiu sua cabeça latejar ao voltar para sua sala e encarar aquela ação digitada pela metade na tela do computador. Olhou para o relógio que apontava cinco e meia da tarde e decidiu sair meia hora mais cedo do que o habitual. Pegou sua bolsa, trancou a porta e se despediu de Márcia. Aguardava o elevador quando ouviu o ex-noivo dizer para a recepcionista que ela poderia ir embora também, pois ele ficaria até mais tarde. O homem nunca ficava depois do expediente, mas ela estava tão exausta que sequer se atentou a esse detalhe.

Diana chegou tão exausta que tomou um banho demorado e se jogou em sua cama ainda enrolada na toalha para descansar após ingerir seu remédio para enxaqueca. Acordou perto das dez da noite com uma mensagem de Rita com algum vídeo engraçado e só então se deu conta de que ainda iria para o bar. Se levantou apressada e colocou o primeiro vestido mais casual que encontrou, ajeitou os cabelos que secaram amassados no travesseiro com as mãos e pegou seus óculos antes de sair.

O movimento no bar não fugia do usual para uma sexta-feira – universitários se aglomeravam dentro e fora do lugar, se espalhavam pela calçada e alguns já estavam totalmente bêbados. Gael estava entregando uma porção de fritas em uma mesa próxima à porta quando sentiu uma mão acariciar levemente sua cintura. Ele virou com cara de poucos amigos, mas abriu o sorriso assim que botou os olhos sobre Diana.

Ela estava mais linda do que nunca com seu vestido preto de mangas longas e sua bota de cano curto da mesma cor. Os cabelos rebeldes e ondulados emolduravam seu rosto sem maquiagem alguma e os óculos destacavam seus olhos diferentes. Se Gael já não estivesse apaixonado por aquela mulher, com certeza se apaixonaria naquele momento.


– Com você linda assim fica difícil não te beijar e fingir que não tem nada rolando aqui – a abraçou e deu um beijo rápido em seu pescoço após inebriar-se com seu perfume.

– Contenha-se, homem! – ela exigiu com um sorriso.

– Achei que você não viria mais – falou ao se desfazer do abraço e acompanhá-la até o balcão onde Bento estava.

– Acabei dormindo, mas cheguei e agora só vou embora com você.


Gael sorriu e a deixou na companhia de Bento, que a cumprimentou com o bom humor de sempre. Diana retribuiu o cumprimento com um abraço assim como fez com o garçom e sentou-se no banco para conversar com o homem que adorava jogar conversa fora. Pediu um copo de vinho e viu os universitários irem e virem sem parar enquanto os atendentes se desdobravam para atender a todos. O dono do bar por vezes a deixava sozinha para fazer algum pedido na chapa e ela ficava admirada em como eles conseguiam dar conta de tudo mesmo em meio a tanta gente.

Perto da meia-noite o lugar começou a esvaziar, pois muitos universitários dependiam do metrô para voltarem para casa e continuavam apenas os que pretendiam virar a noite por ali. Gael finalmente teve uma pausa e se sentou ao lado de Diana para poder conversar até que o chamassem mais uma vez. Eles flertavam baixinho enquanto Bento estava na cozinha quando uma moça muito bonita se aproximou e entregou um guardanapo com seu número para o garçom.

A moça falou que o achou muito interessante e pediu para o rapaz lhe enviar uma mensagem antes de voltar para sua mesa com um sorriso. Gael não soube o que fazer ao olhar para o papel e em seguida para Diana, que disfarçou seu desgosto como pôde, mas mesmo assim ele percebeu o leve revirar de olhos desanimado da advogada.


– Como você é boba – ele amassou o guardanapo e o jogou em Diana, que só então percebeu o sorriso no rosto do rapaz.

– Se você amassar não vai poder mandar a mensagem pra ela – forçou um sorriso e tentou entregar a bolinha de papel para ele, que negou.

– A única mulher que eu mandaria uma mensagem com segundas intenções nesse bar tá na minha frente – piscou um olho e abriu um sorriso – E não conta pra ninguém não, mas ela vai pra casa comigo hoje – sussurrou próximo a ela, a fazendo sorrir.

– Como você é idiota – manteve o sorriso e se afastou antes que decidisse beijá-lo ali mesmo – Me vê mais um copo de vinho, por favor.


Gael a entregou o pedido e voltou a atender uma mesa que o chamou. Diana o observou se afastar e ficou incomodada com aquela sensação. Nunca havia sentido ciúmes de Maurício e definitivamente não era um sentimento agradável. Sentia como se o tatuador pudesse trocá-la a qualquer momento por aquela mulher indiscutivelmente mais bonita e interessante. Logo Bento voltou da cozinha, a tirando de suas neuras particulares e a distraindo com assuntos banais.

O relógio correu e logo apontou duas da manhã, fazendo Gael tirar o avental e se despedir do chefe. Diana pediu carona para o rapaz como se aquilo não estivesse premeditado desde cedo e Bento até ofereceu seu carro, mas ela disse que iria de moto. Ele a lembrou que da primeira vez um dos motivos para ter se negado a subir na garupa do tatuador foi o fato de estar de vestido, mas ela garantiu que iria se comportar.

A moto foi guardada na garagem do prédio e os beijos que começaram ainda no elevador se estenderam até o sofá da sala. Os dois não se esgotavam um do outro e cada segundo que passava eles se desejavam mais e mais. Gael afundava seu rosto nos cabelos bagunçados de Diana, que arfava a cada carícia daquelas mãos pesadas.

Aquela madrugada foi a primeira em que Diana dividiu sua cama com Gael propositalmente, e os dois estavam tão exaustos que dormiram rapidamente aconchegados sob edredons no colchão macio. O sábado amanheceu gelado, mas eles levantaram cedo mesmo assim. Enquanto ela fazia o café da manhã, ele tomava banho antes de ir para o estúdio.

Gael se despediu com um beijo longo antes de seguir para o trabalho e Diana o acompanhou com os olhos até virar a esquina. Por mais que soubesse que ficaria sozinha em sua casa e que não se encontrariam mais naquele sábado, estava feliz por ter dividido o início do fim de semana com o rapaz que a fazia tão bem.


Apesar de não terem passado o dia juntos, trocaram várias mensagens no decorrer das horas. Ele mandava fotos das tatuagens feitas, ela respondia com imagens da televisão e de séries aleatórias que ele a convenceu de assistir e que ela acabou se apaixonando. Já estava anoitecendo quando um convite veio: almoçar na casa de dona Cida naquele domingo. O convite partiu de Rita e Diana aceitou mesmo sem saber se Gael estaria lá, pois estava com saudades da amiga e sua mãe. Bastou enviar uma mensagem para o rapaz perguntando se ele também iria para receber como resposta "vamos de carro ou de moto?".

***

Diana parou seu carro na única vaga que encontrou naquela rua estreita e caminhou ao lado de Gael até a casa um tanto longe do local estacionado. Ela fez menção de apertar a campainha, mas o rapaz já aproveitou sua chave e destrancou o portão enquanto o vira-lata de sua mãe latia sem parar, querendo brincar com os dois que seguiram pelo corredor até a casa dos fundos. Dona Cida e Rita já discutiam por algum motivo aleatório relacionado ao almoço e Isadora dava risada das duas enquanto preparava uma jarra de suco. O tatuador desejou bom dia e as três se assustaram com aquela chegada repentina.


– Diana, minha linda! Você veio! – dona Cida ignorou o filho e foi de braços abertos até a mulher de sorriso tímido.

– Oi, mãe, eu também tô aqui – Gael cutucou o braço da senhora, recebendo um abraço em seguida.

Di! – Rita vibrou e se apressou até a amiga – Você veio com o cabeção aí?!

– Eu trago a Diana e vocês esquecem de mim – o rapaz fingiu estar chateado, mas logo voltou a sorrir – Também não vou mais trazer.

– Até porque a gente veio no meu carro, então fui eu que te trouxe – Diana sorriu para o rapaz após abraçar sua amiga.


Isadora percebeu a troca de olhares dos dois e esboçou um sorriso ao cumprimentar os recém-chegados. Gael poderia esconder o que quisesse de qualquer pessoa, mas não da irmã mais velha que o conhecia como a palma de sua mão. Isa já tinha a certeza do interesse do irmão pela advogada no dia em que viu os dois se divertindo juntos na festa de Rita, mas não falou nada para não atrapalhar o noivado de Diana.

O cheiro da comida de dona Cida estava tomando toda a cozinha e a fome de Diana só aumentava ao ficar naquele lugar. Rita a chamou para irem até seu quarto e a advogada aproveitou para devolver o vestido que ela havia a emprestado há quase três meses. O cômodo tinha apenas uma parede branca, as demais eram tomadas por pinturas coloridas e mandalas, um filtro dos sonhos era pendurado sobre a cama de solteiro e uma bandeira rosa estampada com o signo de peixes era usada de cortina, além de pequenas plantas por todos os lugares. Ela jamais havia visto um quarto que mostrasse tanto da personalidade de seu dono como aquele.

Rita mostrava cada pedacinho de seu quarto para Diana, que demonstrava verdadeiro interesse em conhecer um pouco mais do mundo de sua amiga. Ela contou que cresceu dividindo o cômodo com os dois irmãos e que nunca agradeceu tanto aos céus e aos astros como nos dias em que sua irmã se casou e em que seu irmão decidiu morar sozinho, pois finalmente o lugar seria só seu. Ouvindo os relatos da moça, a advogada se deu conta de que nunca precisou dividir um quarto com Fernanda, mas mesmo assim nunca teve a oportunidade de deixar o cômodo da casa de seus pais com a sua personalidade, pois não podia ter uma.

As conversas das duas foi interrompida pelo chamado de dona Cida. O almoço estava pronto e elas se apressaram para voltar à cozinha, pois estavam famintas. A comida como sempre estava maravilhosa e Diana não se fez de rogada quando a senhora a disse para repetir. Como sempre não faltava assunto ao redor da mesa e a falação se estendia à sala, onde Alice e Ryan almoçavam na pequena mesinha de plástico enquanto assistiam desenho na televisão sob a supervisão de Isadora, que dividia a atenção dos filhos com a conversa dos adultos no cômodo ao lado.

Depois do almoço todos se espalharam pela casa, dona Cida ficou na cozinha para desenformar o pudim de leite que havia acabado de tirar do forno, Rita ficou na sala com Isadora e as crianças assistindo algum desenho na companhia dos sobrinhos e Gael aproveitou que Diana estava sentada sozinha no quintal brincando com o cachorro de sua mãe para se aproximar.


– Ele gostou de você – ele se sentou ao seu lado – Apesar que é meio impossível não gostar.

– Eu poderia te passar uma lista de pessoas que diriam o contrário, começando pela minha irmã – ela sorriu e continuou fazendo carinho na barriga do animal.

– Você conquistou a minha família rapidinho, então quem diz o contrário tá totalmente equivocado – acariciou seu joelho e encarou seus lábios – E não só a minha família, né? Eu também.

– Você está querendo me beijar na casa da sua mãe? O que aconteceu com "não vamos falar pra ninguém?" – ela sorriu, tentando resistir a ele.

– Eu não vejo ninguém aqui fora – olhou ao redor e voltou seu rosto para ela – Só nós dois.


Diana sorriu e se aproximou, tocando seus lábios nos dele. Um beijo discreto, calmo e prolongado tomou os dois, mas seus corações sempre se agitavam a cada toque. Gael segurava seu rosto com suavidade entre as mãos e ela acariciava seu pescoço lentamente, aproveitando cada segundo daquela troca apaixonada.


– Minha Nossa Senhora Aparecida ouviu as minhas preces!


A voz inconfundível de dona Cida fez com que os dois terminassem o beijo repentinamente e encarassem a senhora que comemorava a cena que havia acabado de presenciar. A mulher foi até o quintal apenas para chamar o filho e a advogada para comerem um pedaço de pudim, mas o que viu a fez até esquecer o que estava fazendo ali. Rita e Isadora seguiram a voz da mãe e logo estavam ao seu lado.


– Dona Cida... eu... o Gael... – Diana ficou com o rosto vermelho de vergonha.

– Ah, minha filha! – a senhora a puxou para um abraço apertado – Você não sabe como eu torci pra vocês ficarem juntos! Tenho certeza que você vai fazer o meu filho muito feliz! Você é a nora que eu pedi a Deus! Olha, não é por nada não, mas eu rezei e muito pra você terminar com o seu noivo e namorar o meu meni...

– Mãe, não! – Gael a interrompeu agitado – Nós não estamos namorando!

– Tudo bem, vocês são jovens e modernos, estão ficando! A Rita vive fazendo isso! Ai, eu tô tão feliz!

– Namorando ou não, eu shippo – Rita riu.

– Dona Cida, eu fico muito feliz que a senhora goste de mim e que esteja feliz por isso, mas eu acabei de terminar um noivado longo com um fim conturbado, então... por enquanto não conte para ninguém, tá bom?

Por enquanto... Isso significa que mesmo não sendo um namoro vocês realmente estão juntos, não é? – Isadora perguntou.

– Bom... – Gael abraçou a cintura de Diana e ambos sorriram, já respondendo à pergunta da mulher.


Isadora vibrou e afirmou que o irmão continuava sem conseguir esconder nada dela, pois ela já desconfiava. Dona Cida reiterou que torceu pelo par desde o dia da delegacia e Rita confessou que só começou a ver os dois como um possível casal após o beijo cinematográfico no karaokê. Gael pediu para as três deixarem de fofocar sobre sua vida, já Diana perdeu a vergonha inicial e entrou na brincadeira, pois se sentia completamente à vontade com aquela família.

O sol estava se pondo quando os dois se despediram das mulheres e das crianças. Saíram de mãos dadas, já que ali não era mais preciso disfarçar. O caminho até o centro foi longo, mas as risadas que davam ao comentar sobre a reação de dona Cida fez o tempo passar mais rápido. Gael se despediu com um beijo ainda na garagem pois precisava trabalhar. Diana subiu para seu apartamento com um sorriso e terminou sua noite torcendo por mais dias maravilhosos como aquele, só não esperava que sua segunda-feira faria toda a sua felicidade ir por água abaixo.

Olá meus amores, como estão?!

Sei que esse capítulo está meio sem graça, me desculpem...

Ah, só pra constar, eu amo a reação da dona Cida kkkk

E o que será que vai estragar a felicidade da Diana na segunda-feira??

Vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥

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