26 - Família

No nosso retrato de família, parecemos bem felizes. Vamos fingir, agir como se fosse natural.
Family Portrait - Pink

A manhã de sábado estava tão nublada quanto o humor de Gael. O estúdio estava movimentado, mas sua cliente chegaria somente em uma hora. Ele ficou sentado no sofá da recepção passando o tempo no celular e tentando ignorar aquela mensagem recebida por Diana ainda na noite anterior. Juliana também estava sem clientes e se sentou ao seu lado.


– Que cara de merda é essa, Gael?! É sábado! – a mulher comemorou sozinha com uma dancinha descoordenada.

– Ju... O que você faria se estivesse saindo com alguém e essa pessoa tivesse vergonha de você?

– Mandaria à merda e não sairia mais – deu de ombros – Quem tá fazendo isso com você?!

– Ninguém, foi só uma situação hipotética.

– Ok, se hipoteticamente alguém esteja fazendo isso com você, existem duas saídas, ou você fala tudo o que tá sentindo ou manda à merda e não sai mais. Mas ela teria vergonha de quê? Você é um baita de um homão da porra.

– Talvez por não estar no mesmo nível dela... a gente não combina, sabe? Quer dizer, a gente se dá bem, tem uma baita química, mas... eu acho que talvez eu não esteja à altura dela, tanto financeiramente quanto fisicamente. Ela é boa demais pra mim e sabe disso.

– Tudo isso hipoteticamente, certo? – Juliana riu – Você conversou com ela ou tá deduzindo sozinho?

– A gente estava almoçando ontem e os pais dela apareceram, ela fingiu não ser nem mesmo minha amiga – bufou – O que você quer que eu pense?

– Eu não sou a melhor pessoa pra te aconselhar porque se tem algo que eu sou péssima é em relacionamentos, mas eu me daria um tempo pra pensar. Ela pisou na bola fazendo isso, mas vai saber o que rolou pra ela tomar essa atitude.

– Ela me mandou mensagem, mas eu ainda não abri. Não sei o que responder.

– Você é sincero com todo mundo, seja com ela também.


Juliana sorriu para Gael e foi atender uma cliente que havia acabado de chegar. O tatuador continuou sozinho na recepção e abriu a conversa ainda não lida de Diana. A mensagem dizia "Não sei o que houve, mas me desculpe se te fiz entender algo errado". Ele sabia que a colega tinha razão e que deveria ser sincero com ela, mas estava decepcionado demais para pensar em alguma resposta naquela hora. Podia não conhecer a advogada há muito tempo, mas não esperava uma atitude daquelas vinda dela.

No quinto andar do prédio residencial da Santa Cecília, Diana revirava em sua cama esperando por uma notificação. Não entendia o porquê Gael não a respondia, estava sentindo falta de conversar com ele, mas mais do que isso, queria se desculpar pelo o que quer que fosse. Pensou em enviar uma mensagem para Rita perguntando se a amiga sabia de algo, mas tinha certeza de que o rapaz não haveria de contar nada para a irmã que nunca escondeu que não sabia guardar os segredos dele.

Foi entre palavras não ditas que o sábado passou. Diana decidiu dormir cedo para acordar bem-disposta para enfrentar a casa dos pais no domingo de Dia das Mães. Ainda não havia pensado no que diria quando perguntassem sobre Maurício, além de que ele estava com a mãe. A verdade é que queria que ele estivesse no quinto dos infernos. Também estava preocupada se veria a irmã, mas acreditava que ela não teria a audácia de aparecer na casa dos pais após ter sua traição exposta – mesmo sem a certeza de que os dois haviam recebido as flores.

Acordou no meio da madrugada com uma notificação e só aí se deu conta de que havia esquecido de desativar a internet do celular. Abriu o WhatsApp e a resposta de Gael chegou mais de 24 horas depois. Não era a resposta que queria. "Eu realmente entendi e senti tudo errado. Até mais". Diana pensou em responder, mas aquele "até mais" não a deixava brechas. Decidida a não perder o que restava daquela noite de sono, bloqueou a tela e voltou a dormir.

Por mais que tenha se esforçado para descansar, suas olheiras só conseguiram ser disfarçadas com uma boa camada de corretivo. Alisou os cabelos da maneira que sua mãe gostava e colocou as lentes de contato depois de um bom tempo sem usá-las, mesmo achando desconfortável. Vestiu uma roupa sofisticada e discreta e subiu em seus saltos. Pegou o único vinho rosé da coleção de presentes de clientes por saber que sua mãe adorava e saiu.

Diana não ligou o rádio no percurso até o sobrado da Vila Mariana, pois não estava se sentindo animada o suficiente para ouvir música. Estacionou do outro lado da rua e respirou aliviada por não ver o carro da irmã. Tocou o interfone e foi recepcionada pelo pai, já que sua mãe terminava de tirar o ratatouille do forno.

No momento em que entrou na sala muito bem iluminada e vazia, pensou que seria estranho estar ali somente com seus pais. Sem as piadas de Fábio ou os barulhos irritantes dos jogos das crianças, até mesmo sem o egocentrismo de Fernanda e Maurício. Ela não tinha nenhum assunto com Eliane e Armando e isso só se tornou mais evidente quando percebeu que durante a primeira meia-hora naquele sobrado, suas únicas palavras foram "feliz Dia das Mães".

A mulher agradeceu o vinho dado pela filha e pediu para que ela guardasse a garrafa na adega de seu pai. Diana assentiu e seguiu até a cozinha para guardar o vinho, mas assim que passou pela sala de jantar, viu um arranjo de cravos coloridos sobre o aparador em frente ao espelho. Claramente não era o mesmo que Maurício deu para a ex-sogra em seu aniversário, mas também não era tão novo para ser um presente de Dia das Mães. Só poderia ser ele, o arranjo que ela enviou com a foto da traição.

Diana tentava se convencer que não, que seus pais não chegariam ao ponto de esconder algo daquela magnitude apenas para poupar Fernanda. Talvez sequer tivessem visto a foto, mas seria ingenuidade demais de sua parte acreditar em algo assim. Pronta para colocar Eliane e Armando contra a parede, caminhou a passos duros até a sala, mas foi surpreendida por gritos e uma mão puxando o seu cabelo.


– Como é que você ainda tem coragem de aparecer aqui depois do que fez?! – Fernanda estava grudada nos cabelos da irmã, que não revidou, apenas tentou fazê-la soltar.

– Quem deveria ter vergonha é você! Me solta, Fernanda! – Diana a empurrou, mas sua irmã não soltou seu cabelo.

– Mamãe, você tá machucando a titia Diana! – Lucca começou a chorar e Sophie Valentina o abraçou.

– Fernanda e Diana! Parem agora! – Armando se levantou e segurou as duas pelo braço – Sophie e Lucca, subam para o meu quarto!


Fernanda continuou grudada no cabelo da irmã até seu pai gritar mais uma vez. Diana foi atacada pelas costas e sequer teve chance de revidar, então aproveitou o momento em que a mais velha soltou seus cabelos para acertar um tapa em seu rosto. Armando a puxou e Eliane gritava sem parar com as duas, mesmo não dando para entender uma só palavra do que falava.


– Eu quero saber o que te levou a isso, Fernanda! Pelo amor de Deus, na frente dos seus filhos! – Armando bradou.

– Essa vagabunda dessa sua filha vai ser a advogada do Fábio no divórcio! – tentou acertar a mão no rosto da irmã, mas foi impedida pelo pai.

– Diana! – foi a vez de Eliane gritar – Como você pode fazer isso com a sua própria irmã?!

– Ah mãe, essa aí estava traindo o Fábio com o Maurício há três anos! Três malditos anos! E eu sei muito bem que vocês dois já sabiam! Eu vi que vocês receberam as flores que eu mandei com a foto! – Diana gritou com os pais pela primeira vez na vida.

– E daí, Diana?! E só por um deslize bobo desses você vai ficar contra a sua família?! Vai jogar no lixo uma relação de anos?! – Eliane ralhou.

– Você só pode estar brincando com a minha cara – Diana riu desacreditada – Sério mesmo que você tá defendendo esses dois lixos? Esses dois traidores?!

– Lixo é você! – Fernanda tentou acertar um chute na irmã, mas não conseguiu.

– Filha, a sua mãe tem razão, pensa no que você estará abrindo mão ao terminar seu noivado com o Maurício, a família dele é influente, vocês construíram uma carreira juntos... Pensa no casamento da sua irmã, seus sobrinhos precisarão se dividir em duas casas, é isso que você quer pra vida deles?!

– Vocês são inacreditáveis! Eu quero que o Maurício se foda! Eu quero mais é que a Fernanda vá pro inferno que é o lugar de onde ela nunca deveria ter saído, eu quero ver esses dois traidores no chão! As crianças merecem alguém melhor do que essa vadia que largava os dois em casa pra sair com o meu noivo! – Diana foi interrompida por um tapa de sua mãe.

– Você não tem direito de falar assim da sua irmã! – Eliane gritou com o dedo em riste.

– A culpa não é minha se você nunca foi boa o suficiente pro Maurício – Fernanda abriu um sorriso ao ver a irmã apanhar.

– Você se contenta com pouco, Fernanda. Ele é tão pouco quanto você. Eu espero que vocês sejam felizes bem longe de mim.


Diana passou a mão pela boca, sentindo a ardência do pequeno corte que um dos anéis de sua mãe fez em seu lábio. Sabia que jamais poderia contar com seus pais, mas não pensou que eles chegariam àquele ponto. Será que estava errada? Será que realmente o que sua irmã fez tinha perdão? Não, ela não cairia naquele looping de culpa mais uma vez. Os únicos culpados daquela traição eram Fernanda e Maurício e o fato de Eliane e Armando defenderem o indefensável não aumentava em nada a sua responsabilidade naquilo.


– Eu só queria um Dia das Mães tranquilo, mas você estragou tudo, Diana – Eliane chorava sentada no sofá.

Eu estraguei tudo?! Tem certeza que fui eu?! Você me bateu por um erro que essa aí cometeu! Você acha que eu estou errada por ter sido traída! Por não perdoar uma traição! Vocês estragaram a minha vida. Vocês dois – apontou também para o pai – Eu sempre fiz de tudo pra ser a filha perfeita, pra ser tão amada quanto essa aí, mas vocês sempre me menosprezaram, sempre desfizeram de mim, sempre me colocaram pra baixo.

– Você é uma filha ingrata, Diana! Nós te demos tudo, estudos, uma casa, pagamos suas despesas a vida inteira para agora você vir me dizer que fomos maus pais?! – Armando vociferou.

– Como se isso bastasse! Grande merda, não fizeram mais do que obrigação! No momento em que decidiram ter filhos vocês já sabiam que teriam que bancar tudo isso! O mais importante vocês não deram. Aliás, deram sim, mas só pra uma filha. Carinho, amor, atenção... só essa aí recebeu.

– E por isso você decidiu acabar com a minha vida! – Fernanda gritou.

– Eu espero que você perca tudo, Fernanda. Eu poderia dizer "até a sua dignidade", mas nós duas sabemos que você não tem.

– Você não tem o direito de desejar o mal para a sua irmã! Ela é sangue do seu sangue! – Eliane bradou.

– Quem não tem o direito de passar a mão na cabeça dela é você! Mas você realmente não se importa, não é mesmo?! Com as traições, com a falta de caráter da sua filha, com qualquer merda que ela faça. Se eu fosse a vagabunda da história nós sabemos que o tratamento seria bem diferente!

– E quem disse que você não é?! Ou sair por aí na garupa da moto de um marginal qualquer, dias depois de terminar um relacionamento de sete anos é normal?! Você é tão vagabunda quanto eu! – Fernanda voltou a gritar.

– Parabéns, Fernanda, vejo que continua conversando com o Maurício – Diana bateu palmas debochadas – Mas absolutamente nada do que você dizer vai mudar o fato de que você é a traidora aqui. Absolutamente nada. Mas pode aproveitar bem o meu resto, porque é isso que você vem fazendo há três anos. Enquanto você se alimenta de migalhas, eu ajudo o Fábio a se livrar de você.

– Eu te mato!


Mais uma vez Fernanda partiu para cima da irmã, que agora podia se defender. Diana acertou um soco no rosto harmonizado da irmã, mas não escapou de levar alguns arranhões. Armando mais uma vez precisou separar as duas e empurrou uma filha para cada canto do sofá.


– Eu não quero ter que separar vocês de novo! – ele gritou ainda mais alto do que a primeira vez – As duas estão erradas e eu não quero ver vocês se batendo por causa de homem! Fernanda, você precisa parar de provocar a sua irmã, você está errada! Diana, você está tão errada quanto por ficar do lado do Fábio! Você está jogando sua vida fora por causa de erro que pode muito bem ser esquecido! Eu exijo que você reate o seu noivado com o Maurício e esqueça essa história!

Exige?! Você exige?! – riu com escárnio – Eu não sei qual poder você acha que tem sobre mim, mas eu tenho trinta anos e a última coisa que você tem é algum poder sobre as minhas decisões. Vocês já podaram demais a minha vida e eu não permito que vocês continuem!

– Você ainda faz parte dessa família e me deve respeito!

– Eu me importo com essa família tanto quanto ela se importa comigo. Pra vocês o que importa é manter a família tradicional intocada e sem escândalos, fingir serem ricos enquanto criam dívidas só pra ter do bom e do melhor. Não pode haver um divórcio nessa família perfeita, mesmo ninguém valendo nada. Essa é a família mais deprimente que eu já vi.

– Se essa família não é boa o suficiente para você, pode ir embora – Armando não escondeu o rancor em sua voz.

– Com todo o prazer do mundo – abriu um sorriso que fez seu lábio doer por conta do corte recente – Eu vou embora, mas vou me sentindo mais leve por dizer tudo o que eu penso de vocês – pegou sua bolsa e se virou para a irmã uma última vez – Ah, e se prepare, porque um dia vai ser a Sophie Valentina falando isso pra você. A começar por esse nome ridículo que você escolheu pra ela. Passem bem, querida família perfeita.


Diana fez questão de bater a porta ao sair, derrubando um dos quadros que sua mãe mantinha na parede de entrada. Não soube quem abriu o portão automático e na verdade não se importava. Suas mãos tremiam devido a toda aquela adrenalina, mas não sentiu vontade de chorar. Na verdade, sentiu como se uma tonelada saísse de seu peito e como se sua garganta desafogasse de tantas palavras não ditas. Deu um suspiro alto de alívio ao entrar em seu carro e dirigir para longe dali.

A partir daquele dia Diana não se sentia mais parte daquela família.

A partir daquele dia Diana se sentiu finalmente livre.

Olá meus amores, como estão?!

Eu estava ansiosíssima pra postar esse capítulo, finalmente Diana se livrando dessa família tóxica e ainda dando uns tapas no rosto harmonizado da Fernanda (tudo bem que apanhou também, mas a gente releva). Só quero deixar registrado o meu ódio pelos pais dela que obviamente sabiam de tudo e fingiam que não, já que não sabiam que quem mandou as flores foi ela.

Quanto ao Gael, ele tá chateadinho e eu nem tiro a razão. O que vocês fariam no lugar dele?

Vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥

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